terça-feira, 5 de março de 2013

A quem interessa um Ministério Público desmoralizado?


Por Noélia Brito, especial para o Blog de Jamildo

Tramita no Congresso Nacional uma Proposta de Emenda à Constituição que retira do Ministério Público o poder para promover investigações criminais. Acaso aprovada essa PEC, nem mesmo os crimes cometidos contra a Administração pública como as fraudes em licitações e em loteamentos ou parcelamentos do solo poderão ser investigadas pelo “Parquet”, passando a ser alvo exclusivo de inquéritos dirigidos pela polícia.

A chamada PEC 37/2011 tem sido objeto de repúdio de todas as entidades representativas dos membros do Ministério Público, bem como dos mais diversos representantes da sociedade civil que veem na mudança um favorecimento à impunidade, especialmente de políticos, grandes empresários e empreiteiros, além de traficantes internacionais, uma vez que diferentemente da Polícia que é um órgão diretamente subordinado ao Poder Executivo, o Ministério Público, desde a promulgação da Constituição de 1988, ganhou a dimensão de órgão autônomo e, portanto, independente, o que o transformou num autêntico fiador do Estado Democrático de Direito e defensor de direitos, os mais caros à sociedade.

Na última sexta-feira, porém, para assombro de todos nós, aqui em nosso Estado, foi justamente quem deveria tomar a frente na defesa das prerrogativas dessas instituição e no exato momento em que esta se encontra mais fragilizada pela tramitação de uma PEC que busca esvaziá-la em suas funções primordiais, que se apresentou como seu principal algoz.

Falo, evidentemente, do atual procurador geral de Justiça de Pernambuco, Agnaldo Fenelon que “premiou” as sucessivas vitórias da promotora de Justiça Belize Câmara, em prol do povo do Recife, com sua abrupta e injustificável remoção da 12ª Promotoria do Meio Ambiente, onde vinha desempenhando um papel de há muito exigido e esperado do Ministério Público, por seu verdadeiro e legítimo chefe, ou seja, o próprio povo.

A promotora Belize Câmara, que é titular da 3ª Promotoria Cível de Jaboatão dos Guararapes vinha respondendo cumulativamente também pela 12ª Promotoria do Meio Ambiente da Capital.

Nos últimos dias, como é público e notório, a promotora obteve, por meio de ações civis públicas de sua autoria, pelo menos duas liminares que causaram grande repercussão, não apenas no meio jurídico, mas na sociedade civil em geral.

A primeira foi concedida pelo Juiz da 7ª Vara da Fazenda Pública da Capital, Dr. Ulisses Vianna, na Ação Civil Pública nº 0195410-25.2012.8.17.0001, barrando a continuidade da análise, pela Municipalidade, de um dos projetos urbanísticos mais polêmicos já apresentados à cidade,  nos últimos tempos, o chamado Novo Recife, que tem como principais interessadas as construtoras Moura Dubeux e Queiroz Galvão.

Já a segunda liminar foi deferida pela Juíza substituta da 3ª Vara da Fazenda Pública da Capital, Dra. Mariza Borges, no processo nº 0004628-30.2013.8.17.0001, ordenando a suspensão das obras de construção de um espigão de luxo no bairro de Apipucos, também envolvendo a Construtora Moura Dubeux, sempre ela, numa ZEIS - Zona de Especial Interesse Social, por inúmeras irregularidades detectadas no licenciamento da obra.

Das irregularidade que maculariam o Projeto Novo Recife muito já se falou, mas um ponto que foi destacado pelo respeitabilíssimo Juiz da 7ª Vara da Fazenda Pública, Dr. Ulisses Vianna, chamou-me a atenção de maneira muito especial, por reputá-lo gravíssimo e por resumir muito bem, o que tem sido a tramitação desse Projeto.

Dr. Ulisses Vianna, na decisão em que susta o andamento dos processos administrativos nºs 07.32990.4.08; 07.32986.7.08; 07.32987.3.08; 07.32989.6.08 e 07.32988.0.08, todos sobre o Projeto Novo Recife, afirma que o relator desses processos, durante a reunião do Conselho de Desenvolvimento Urbano, teria faltado com a verdade, em seu parecer e ainda assim, os demais conselheiros aprovaram esse opinativo, mesmo cientes de que o que ali estava dito não corresponderia à realidade documentada nos próprios processos analisados, vejamos: “Ademais, da ata da reunião (fls.57/73) consta no parecer do relator, representante da CDL/Recife, que ‘Todas as exigências da legislação sobre verticalização e proteção do patrimônio histórico, além das sugestões das repartições que participaram da analise foram cumpridas, sem exceção’. E este parecer foi avaliado mesmo que a afirmação não correspondesse à realidade, conforme se pode verificar das provas constantes dos autos.”

Diante de constatação tão escandalosa, o mínimo que se poderia esperar da Administração municipal seria a revisão de seus próprios atos, para anulá-los, seja porque se apresentam flagrantemente ilegais, como tem acentuado o Ministério Público Estadual, o Ministério Público Federal, o Poder Judiciário, a sociedade civil, que já ingressou com ações populares contra o empreendimento e até a Ordem dos Advogados do Brasil, que, por sua vez, já oficiou o Juízo da 7ª Vara solicitando cópia dos autos, pois já analisa associar-se ao Ministério Público contra o tal Projeto. Aliás, a Súmula 473, do Supremo Tribunal Federal estabelece verdadeiro poder-dever para a Administração pública de “anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos”.

Difícil entender o porquê de o Poder Público, no caso, o Município do Recife, insistir em despender tanta energia e recursos públicos para defender interesses eminentemente privados. A meu juízo, a cada dia se torna mais difícil justificar o envolvimento ou o patrocínio desses interesses por agentes remunerados pelos cofres públicos. Os empreendedores e seus advogados que o façam.

Sobre o outro caso combatido pela promotora Belize, as irregularidade parecem até mais gritantes, a ponto da douta Juíza ter proferido decisão suspendendo a obra, sem sequer a oitiva da Municipalidade e a ponto neste caso, sim, do próprio Município ter, antes mesmo de intimado, promovido o embargo respectivo, ao verificar que alguém concedeu licença para que a Moura Dubeux construísse um projeto cujo prazo já havia, de há muito se expirado e ainda mais, autorizando que a construção se desse em descumprimento aos limites da atual legislação. Caso para instauração de Procedimento Administrativo Disciplinar? Temo que sim.

Feitas as devidas digressões sobre a relevância das ações que vinham sendo conduzidas pela promotora Belize, voltemos à questão central que hoje nos mobiliza: sua absurda remoção da Promotoria de Defesa do Meio Ambiente, onde seu maior pecado foi ferir interesses de empresários da construção civil que, neste país, todos sabemos, são os grandes patrocinadores das campanhas eleitorais que se repetem a cada dois anos.

As explicações dadas, pelo procurador geral de Justiça, para a remoção da promotora, de suas funções à frente da 12ª Promotoria de Defesa do Meio Ambiente da Capital, são risíveis e típicas de quem não tem lá muita intimidade com a transparência. Também não demonstraram respeito, seja pela instituição, seja pela promotora, sua colega e, muito menos, por nós, cidadãos.

Ora, dizer que a retirada da promotora visava economia, para o Ministério Público, dos 20% a mais que lhe seriam pagos por atuar em duas Comarcas distintas é um escárnio, considerando que com sua atuação no Recife, o ganho trazido pela promotora para a sociedade é de valor inestimável porque envolve a defesa de patrimônio que para o povo do Recife não tem preço, que é sua cultura, sua história e seu patrimônio natural, que têm sido devastados, sistematicamente, pela ganância da especulação imobiliária. Pelo visto, porém, para o procurador geral de Justiça, Agnaldo Fenelon, esse patrimônio do povo recifense nada vale ou vale menos que os 20% do subsídio de um promotor.

Noutra infeliz declaração, o procurador geral de Justiça de Pernambuco afirma que a promotora não estaria olhando os interesse do MPPE, mas os próprios interesses, ao buscar causas que atraíssem os holofotes da mídia. O que se comprovaria pela disponibilização de peças nas redes sociais.

Será que é realmente a promotora quem está em dissonância com os interesses do Ministério Público? E, afinal, quais devem ser os interesses do Ministério Público, senão os próprios interesses da sociedade. A atuação da promotora Belize Câmara, a quem sequer conheço pessoalmente, tem se mostrado absolutamente consonante com os interesses da sociedade que jurou defender ao se tornar representante do “Parquet”.

O que uns e outros chamam de “atrair holofotes” nada mais é que a consequência natural de uma atuação mais proativa, de há muito reclamada pela sociedade, em relação ao Ministério Público de Pernambuco, em especial, no tocante às questões ambientais e urbanísticas. Ademais, a promotora não é a única que disponibiliza suas peças em redes sociais. Há outros promotores que suprem essa grave deficiência da gestão do procurador geral Agnaldo Fenelon, posto que gestões verdadeiramente transparentes, em várias procuradorias pelo Brasil a fora, disponibilizam todas as petições iniciais  de ações civis públicas em seus próprios sites, para prestigiar o princípio da publicidade.

A promotora Belize Câmara nunca esteve sob suspeição de rigorosamente nada que justificasse esse tipo de comentário leviano sobre os motivos que lhe moveriam a atuar da maneira aguerrida como atua.

Já o procurador geral de Justiça, como é público e notório, tem ligações históricas com o atual prefeito do Recife e com o governador do Estado, pois como vice-prefeito do município do Paulista, pelo PSB, assumiu a prefeitura depois da prisão do então prefeito, Antônio Speck, curiosamente, em razão de negócios obscuros relacionados com a venda de um terreno.

O hoje prefeito do Recife, Geraldo Júlio, foi o escolhido, à época, pelo hoje procurador geral de Justiça, Agnaldo Fenelon, para ser seu secretário de Finanças, o que demonstra, no mínimo, uma relação de confiança. O fato foi, inclusive, explorado pelos adversários de Geraldo Júlio das últimas eleições, já que o ex-chefe do atual prefeito do Recife resolveu, em plena campanha, reativar uma ação criminal contra o principal oponente do ex-assessor e ex-correligionário, naquele momento da disputa, o tucano Daniel Coelho.

Em nota, o presidente da OAB-PE, Pedro Henrique Reynaldo Alves, com muita firmeza, afirmou que o caso tem indícios claros de retaliação e atenta contra a independência e autonomia dos membros do Ministério Público.

O Ministério Público deve satisfações à sociedade e é isso que a promotora Belize Câmara faz, dá satisfações à sociedade e é por isso que a sociedade se mobiliza em sua defesa porque não quer o retorno do “status quo ante”, que só interessa aos que têm muito a esconder.

Noelia Brito é advogada, procuradora do Município e cidadã do Recife

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