segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

"Anjinhos" do carnaval

Janio de Freitas: Youssef não fez jus à premiação que recebe novamente do MPF


Por Janio de Freitas
Na Folha
Alberto Youssef, o doleiro, não poderá sair em um bloco deste Carnaval. Nem mesmo no Bloco da PF, que já saiu em outros tempos e não sei se sairá neste ano. Pena a ausência de Youssef, porque ninguém mais adequado para trazer de volta, como tantos foliões têm feito na reanimação do Carnaval, uma das fantasias divertidas e esquecidas no passado das ruas. Youssef de anjinho endolarado poderia ter sua graça.
Se não terá fantasia, nem por isso Youssef perde a imagem de merecedor de deferências entre os lançados no inferno dos corruptos, também conhecido como cadeia da Polícia Federal em Curitiba. A experiência não é propriamente nova para Youssef. Doleiro é a denominação gentil para traficante de dólar, ou contrabandista de dinheiro, atividade criminosa que deu a Youssef um papel de destaque no escândalo de muita corrupção do Banestado, o Banco do Estado do Paraná.
Em razão desse papel, desde então Youssef deveria ter perdido todos os Carnavais. Mas pôde poupar-se de um longo pedaço de sua vida em presídio por receber do Ministério Público Federal --uma espécie de serviço de promotorias federais-- os benefícios da delação premiada. Contou certas coisas aos procuradores do MPF e recebeu a retribuição de dispensa da condenação que o Código Penal lhe destinaria.
Mas os anos de bem vivida liberdade interromperam-se há dez meses. Encarregado, em troca de comissões, do tráfico de dólares daqui para contas externas de corruptos da Petrobras e de contas externas de empreiteiras para fazer corrupção aqui, Youssef veio a desempenhar outro papel importante: tornou-se o chamado "fio da meada", cujos negócios levaram à identificação e prisão dos primeiros incluídos na Lava Jato.
Tragédia para Youssef? Não. Um período aborrecido, digamos. Outra vez as graças da delação premiada o escolhem, endereçadas pelo Ministério Público. Embora, isso é interessante, Alberto Youssef não fizesse jus à premiação: livre, voltou à mesma atividade criminosa que a delação premiada lhe exigira abandonar.
Na última semana, uma deferência extraordinária brindou Youssef mais uma vez: a incisiva força-tarefa da Lava Jato pediu que a pena de Youssef em processo de crime financeiro (não com Petrobras) seja reduzida pelo juiz à metade. Como reconhecem os autores do pedido, Youssef não deu colaboração alguma nesse processo, logo, não teria prêmio de delator. O corte de metade da pena --o que provavelmente resultará em ausência de punição-- é pedido porque "colaborou" em outros processos. Nos quais já a delação premiada trocara punição por liberdade.
Em 9 de dezembro último, o procurador-geral da República fez um pronunciamento lido, com a afirmação de que "ninguém se beneficiará de ajustes espúrios, isso todos temos de ter certeza. (...) A decisão é ir fundo nas responsabilizações civil e criminal". A fisionomia e o tom de Rodrigo Janot não eram de quem dava ao país uma garantia, até desnecessária. Eram de quem respondia, muito irritado, ao artigo, na Folha, em que o jurista Miguel Reale Jr. acabara de arrasar doutrinária e moralmente o uso da delação premiada.
É no mínimo discutível a competência de procuradores da República para pedir a redução de sentença por motivos ligados a processo alheio à ação em julgamento. Assim como será discutível que um juiz a conceda. E nenhum dos dois casos corresponde à "certeza" que, no desejo do procurador-geral, "todos temos de ter".
Desde os vazamentos iniciais da Lava Jato, seguindo-se os tantos outros sob a mesma aparência de atos dirigidos, e não de apenas informações devidas à opinião pública, o desenrolar desse escândalo deixa manchas, a que não faltaram nem acusações, públicas e graves, depois muito mal corrigidas. Como se fosse apenas um "bom dia" dado à noite.
Há muitos "ouvi dizer", contradições e meias informações a granel, no que transborda do inquérito. A alguém e a interesses isso sempre acaba servindo. Não à Justiça pendente de investigações, que delações premiadas não substituem, nem à democracia e ao país transtornado pelo escândalo.
(GGN)

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