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Arte: Núcleo de Publicidade/Alece |
Um dos
maiores líderes no combate às desigualdades raciais e à escravidão existentes
no século XVII no Brasil, Zumbi dos Palmares se tornou um símbolo da
resistência negra no País. O Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de
novembro, foi instituído como forma de lembrar sua morte e homenagear sua
história de vida e luta. Após mais de 300 anos da morte de Zumbi e 134 anos da
abolição da escravatura no Brasil, muito se tem avançado nos direitos da
população negra, mas diversas lutas por igualdade racial continuam necessárias,
com longo caminho a ser percorrido.
Ao longo do
tempo, sobretudo nos últimos vinte anos, houve um avanço significativo nas
políticas pela igualdade racial no Brasil, conquistas fruto da luta de
movimentos sociais. Para o presidente da Comissão de Direitos humanos e Cidadania
da Assembleia Legislativa do Ceará, deputado Renato Roseno (Psol), um dos mais
importantes ganhos para a população negra foi o fortalecimento do próprio
movimento negro.
“Esse
fortalecimento denuncia e informa à sociedade brasileira sobre a permanência do
racismo e da desigualdade racial na nossa sociedade, fruto da escravidão negra,
maior sequestro do planeta. Isso deitou raízes na sociedade brasileira que
atravessam os séculos e, lamentavelmente, se vêem nos indicadores de violência,
socioeconômicos, ausência de acesso à saúde e outras áreas”, avaliou o
parlamentar.
HISTÓRIA
Em 1971, um
grupo de jovens negros de Porto Alegre pesquisou a luta dos seus antepassados e
questionaram a legitimidade do 13 de maio (data da assinatura da Lei Áurea)
como referência de celebração do povo negro. Foi sugerido então o 20 de
novembro, dia da morte de Zumbi dos Palmares, para destacar o protagonismo da
luta dos ex-escravizados por liberdade e gerar reflexão para as questões
raciais.
“Essa data é
de muita importância para os movimentos antirracistas e também para as
políticas públicas de promoção da igualdade racial, porque ela traz uma
simbologia, uma representatividade do ponto de vista da nossa história. Então,
houve um deslocamento do 13 de Maio para o 20 de Novembro como uma data que
marca a presença negra no Brasil, a sua participação na formação da sociedade
brasileira, e a luta contra a herança do sistema escravocrata que perdurou por
nós por quase quatro séculos”, ressalta a coordenadora especial de Políticas Públicas
para Igualdade Racial da Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania,
Mulheres e Direitos Humanos do Ceará (SPS), Martír Silva.
O Dia
Nacional de Zumbi e da Consciência Negra foi instituído no Brasil,
oficialmente, pela Lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011. Em 2021, 50 anos
após o movimento dos jovens gaúchos, o Senado aprovou o projeto 482/2017, de
autoria do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que torna o 20 de novembro
feriado. É necessário ainda a aprovação da matéria pela Câmara dos Deputados
para a data se tornar feriado em todo o Brasil.
CONQUISTAS
Apesar da
Abolição da Escravatura, com a Lei Áurea, ter acontecido em 1988, o País levou
mais de 100 anos para criminalizar o racismo. É por meio da Lei nº 7.716 de
1989, conhecida também como Lei Caó, que devem ser punidos todo tipo de
discriminação ou preconceito, seja de origem, raça, sexo, cor, idade. Em seu
artigo 3º, a lei prevê como conduta ilícita o ato de impedir ou dificultar que
alguém tenha acesso a cargo público ou seja promovido, tendo como motivação o
preconceito ou discriminação.
Nas últimas
duas décadas, a luta por igualdade racial obteve importantes vitórias. Em 2003,
resultado das lutas dos movimentos sociais, movimentos negros e antirracistas,
o Estado Brasileiro acabou por absorver demandas desses movimentos e criou a
Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), que,
na época, tinha status institucional de ministério.
Outra
conquista foi a instituição da Lei nº 10.639/2003, que versa sobre a
obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana e afro-brasileira nos
programas pedagógicos das escolas públicas de ensino básico no Brasil. Já em
2010, foi instituído o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial
(SINAPIR) através da regulamentação do Estatuto da Igualdade Racial pelo
Congresso Nacional.
Um grande
marco para a população negra se veio com maior participação nas universidades.
Em 2012, foi aprovada a chamada Lei de Cotas (Lei 12.711), que propõe que
metade das vagas para cotistas seja reservada para estudantes de escolas
públicas com renda familiar mensal de até 1,5 salário mínimo por pessoa,
dividindo os cotistas em dois grupos de renda.
Em cada
grupo de renda são reservadas vagas para negros, pardos e indígenas em
quantidade correspondente à porcentagem que esses grupos representam no estado,
conforme o último Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE).
Além de
políticas nacionais, estados e municípios também evoluíram no enfrentamento ao
racismo. No Ceará, Martír Silva destaca a criação do “Selo Município sem
Racismo” como importante instrumento de fortalecimento da igualdade. “Essa é
uma estratégia de diálogo e estímulo aos gestores municipais para a criação de
medidas voltadas para a igualdade racial, como a institucionalização de um
ambiente administrativo que haja um órgão para tratar da igualdade racial, a
formação continuada de gestores e servidores sobre as relações étnico-raciais,
e a identificação de processos que possam dar a relevância da população negra e
seu acesso às políticas públicas”, pontua.
A
coordenadora especial de Políticas Públicas para Igualdade Racial da SPS avalia
também que não bastam ações apenas do Estado, mas é preciso que a sociedade
civil avance na sua compreensão das questões étnico-raciais. “Não tivemos uma
democracia racial, muito pelo contrário. O racismo foi apenas escamoteado, e o
que temos é um racismo velado, que fez com que essa questão ficasse silenciada
durante muito tempo. As políticas públicas são importantes, mas não são
suficientes por si”, observa.
Conforme
Martír Silva, as políticas públicas raciais se constituem de três eixos:
políticas repressivas, tratando o racismo como crime; a política valorativa,
que buscam dar a devida importância da presença do negro na sociedade
brasileira, a cultura, memória e resgate histórico desse povo; e por fim as
políticas afirmativas, que vão trazer cotas, visando redução de desigualdades e
fornecendo educação para essa população.
Dados
divulgados em julho último pelo do IBGE apontam para um crescimento, nos
últimos dez anos, no número de brasileiros que se declaram pretos ou pardos,
tendo aumentado 32% e 11%, respectivamente. Conforme a pesquisa, somos cerca de
212,7 milhões de brasileiros. Desses, 56% se consideram pretos ou pardos. Já o
número de pessoas que se declaram brancas caiu para 43%.
Na avaliação
do deputado Renato Roseno, os dados podem refletir um maior reconhecimento de
identidade racial e de letramento racial importante para a sociedade. “A
sociedade brasileira é majoritariamente não-branca, majoritariamente negra.
Essa compreensão que deve, inclusive, estruturar as políticas públicas e as
próprias relações sociais”, ressalta.
DESAFIOS
As
desigualdades sociais por cor ou raça, no entanto, ainda são evidentes. O
estudo Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil, divulgado na última
sexta-feira (11/11), feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), revela os desafios que o País precisa superar, sobretudo quando
analisados os cenários de mercado de trabalho, emprego e renda, moradia, maior
encarceramento da população negra, índices sobre violência e outros setores no
País.
Informalidade - A informalidade no mercado de
trabalho atinge mais pretos e pardos do que brancos. Em 2021, a taxa de
informalidade média no Brasil era 40,1%. Os brancos, porém, tinham uma taxa
menor, de 32,7%, enquanto os pretos (43,4%) e pardos (47,0%), maior que a média
nacional. Essa diferença ainda não foi reduzida e acompanha toda a série do
estudo.
Rendimentos - O rendimento médio dos ocupados
brancos, em 2021, era de R$19 por hora, mas para os pretos (R$10,90) e pardos
(R$11,30) esse valor era bem menor. O estudo aponta que os rendimentos são
maiores entre aqueles que têm maiores níveis de instrução, mas as diferenças
por cor ou raça são presentes nesse cenário. As pessoas brancas com ensino
superior completo ou mais ganharam em média 50% a mais do que as pretas e cerca
de 40% a mais do que as pardas.
Pobreza - Uma análise das linhas de pobreza
propostas pelo Banco Mundial atesta a maior vulnerabilidade das populações
preta e parda no Brasil. Em 2021, considerando a linha de U$$5,50 diários (ou
R$ 486 mensais per capita), a taxa de pobreza dos brancos era de 18,6%. Já
entre pretos o percentual foi de 34,5% e entre os pardos, 38,4%. Na linha da
extrema pobreza (US$1,90 diários ou R$ 168 mensais per capita), as taxas foram
5,0% para brancos, contra 9,0% dos pretos e 11,4% dos pardos.
Homicídios - Segundo o Sistema de Informação de
Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, entre 2019 e 2020, o número de
homicídios no país cresceu 9,6%. Em 2020, foram 49,9 mil homicídios, ou 23,6
mortes por 100 mil habitantes. Entre as pessoas pardas, a taxa foi de 34,1
mortes por 100 mil habitantes, o triplo da observada entre os brancos (11,5 mil
mortes por 100 mil habitantes). Entre as pessoas pretas, a taxa foi de 21,9.
Encarceramento - Além disso, pretos e pardos são
maioria na população carcerária no Brasil. Segundo dados da edição de 2022 do
Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado pelo Fórum Brasileiro de
Segurança Pública (FBSP), o Brasil tinha, no ano passado, cerca de 820,7 mil
pessoas privadas de liberdade.
Desses, a
maioria ainda é negra. Atualmente, são 429,2 mil pessoas negras privadas de
liberdade, o que representa 67,5% do total. Já a população carcerária branca
vem diminuindo. Hoje, são 184,7 mil, que corresponde a 29% do total. Em 2011,
60,3% da população encarcerada era negra e 36,6% branca, segundo dados do
anuário.
Para Martír
Silva, o recorte feito pelo IBGE tem uma grande importância para nortear as
políticas públicas direcionadas para a população negra, conforme a condição
social e econômica em que se encontra. “Os resultados são importantes para
termos essa visibilidade, para a sociedade enxergar o problema, e ajudam o
Poder Público a solucioná-lo”, avalia.
Outro
desafio é levar de fato todas as políticas afirmativas e fazer esses direitos
adquiridos serem cumpridos no País, segundo a vice-presidente da Comissão de
Promoção da Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil, secção Ceará
(OAB-CE), Tharrara Rodrigues. Para ela, é preciso ampliar o debate e levar a
reflexão das problemáticas que atingem, principalmente, os negros.
“A
discriminação, por vezes, é colocada em um debate raso e incompreendido.
Colocado como se fosse obra do acaso, sendo que é um mecanismo sistêmico, que
visa impedir que essas pessoas acessem esses ambientes e tenham seu direito de
existir no Estado Brasileiro Democrático, assim como é preciso um combate
efetivo dos crimes de cunho racial”, enfatiza.
LEGISLATIVO
O Dia da
Consciência Negra está incluído no Calendário Oficial do Estado do Ceará, a
partir da lei 16.493, de 19 de dezembro de 2017, aprovada pela Assembleia
Legislativa por iniciativa da então deputada estadual Rachel Marques e
sancionada pelo então governador Camilo Santana (PT).
Além desse
projeto, outras matérias voltadas ao combate da discriminação racial no Estado
foram aprovadas no Legislativo, a exemplo do projeto 335/21, de iniciativa do
deputado Renato Roseno, originou a Lei estadual 17.688, que institui o Dia da
Preta Tia Simoa e da Mulher Negra e a Semana Preta Tia Simoa de Combate à
Discriminação Contra as Mulheres Negras no Ceará.
Dois
projetos de lei ainda tramitam na Casa: o PL 138/22, do deputado Leonardo
Araújo (MDB), que propõe a criação do Sistema de Cota Racial em Instituições
Privadas no Estado; e o 30/22, também do deputado Leonardo Araújo e do deputado
Bruno Pedrosa (PDT), que proíbe qualquer ato de racismo e LGBTfobia, bem como
injúria racial nos estádios de futebol, pistas de atletismo, ginásios
poliesportivos, demais equipamentos esportivos do Ceará. Ambas as matérias
aguardam apreciação pelas Comissões Temáticas e posteriormente pelo Plenário da
Alece.
Tramita
ainda o projeto de indicação 61/22, de iniciativa do deputado Nelinho (MDB),
que dispõe sobre a criação da Delegacia Especializada de Combate aos Crimes por
Discriminação Racial e Delitos de Intolerância no Ceará, para a repressão de
crimes de racismo, xenofobia, LGBTfobia e intolerâncias afins. A matéria
encontra-se nas comissões temáticas da Casa.