ORCRIM formada por advogados cooptava agentes públicos para beneficiar clientes em Tribunais como o STJ e o TCU, aponta MPF. Causídicos foram delatados pelo próprio cliente
Nosso Blog teve acesso à representação do Ministério Público Federal, que deu ensejo à deflagração da Operação E$quema S, que desbaratou "uma organização criminosa (Orcrim) integrada essencialmente por advogados mancomunados para desviarem, em benefício próprio e de terceiros, valores milionários, inicialmente em prejuízo dos cofres da Federação do Comércio do Estado do Rio de Janeiro – Fecomércio/RJ, e após do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – Regional Rio de Janeiro (SENAC Rio) e do Serviço Social do Comércio (SESC Rio)". O fato curioso é que foi o próprio cliente dos advogados, que se beneficiou do esquema criminoso, quem os delatou.
Segundo o MPF, a organização criminosa de advogados, cujos escritórios se espalham por pelo menos 6 Estados da Federação, inclusive no Ceará, em Pernambuco e em Alagoas e estariam interligados por um esquema para lavagem de propinas por meio de contratos fictícios e de tráfico de influência em Tribunais, como o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal de Contas da União, cooptava agentes públicos para a consecução de seus propósitos criminosos.
Os advogados e agentes cooptados, ainda segundo o MPF, são investigados pelos crimes de estelionato, peculato, tráfico de influência, exploração de prestígio, corrupção ativa, corrupção passiva, lavagem de dinheiro, pertinência a organização criminosa e sonegação fiscal, crimes estes que teriam ocorrido entre os anos de 2012 e 2018, "e revelados a partir de elementos produzidos em depoimentos, buscas e apreensões, extração de dados de smartphones, quebras judiciais de sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático e representação fiscal para fins penais da Receita Federal, os quais foram aptos a corroborar depoimentos produzidos em sede de colaboração premiada (após) celebrada com ORLANDO SANTOS DINIZ, à época dos fatos presidente da Fecomércio-RJ, do SESC e do SENAC Rio." Orlando Diniz, beneficiário do esquema, delatou os próprios advogados.
De acordo com o MPF, "Atuavam no 'núcleo duro' dessa Orcrim ORLANDO DINIZ, MARCELO ALMEIDA, ROBERTO TEIXEIRA, CRISTIANO ZANIN, FERNANDO HARGREAVES, VLADIMIR SPÍNDOLA, EDUARDO MARTINS, ANA TERESA BASÍLIO, JOSÉ ROBERTO SAMPAIO, ADRIANA ANCELMO e SÉRGIO CABRAL FILHO, além de outros que estão sendo investigados, sendo já incontroverso que essas pessoas promoveram o desvio de pelo menos R$ 151.000.000,00 (cento e cinquenta e um milhões de reais), a maior parte referente aos valores mensalmente repassados pela Receita Federal aos cofres do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) e do Serviço Social do Comércio (SESC), em decorrência de contribuição social compulsória incidente sobre a folha salarial dos empresários do comércio, sem prejuízo de outros supostos desvios, da ordem de R$ 204.000.000,00 (duzentos e quatro milhões de Reais), ainda objeto de investigação."
Os pagamentos teriam sido feitos pelo "delator" ORLANDO DINIZ, então gestor das entidades do Sistema S fluminense, em parceria com o diretor regional do SESC e do SENAC Rio MARCELO ALMEIDA, a pretexto de serviços advocatícios, judiciais e/ou extrajudiciais, mas que "de fato não foram prestados conforme o respectivo escopo contratual, sendo destinados, por ordem dos referidos integrantes da Orcrim, a finalidades distintas, tais como: i. corrupção do servidor do TCU CRISTIANO RONDON, com a participação de EDGAR LEITE e LEONARDO HENRIQUE DE OLIVEIRA; e, ii. a advogados contratados mediante cláusulas formais de serviços a serem prestados mas de fato sob a perspectiva (e expectativa) causada em ORLANDO DINIZ de influência em julgamentos junto ao conselho fiscal do SESC Nacional, ao Poder Judiciário e ao TCU, fazendo parte desse grupo: EURICO TELES, FLÁVIO ZVEITER, EDUARDO MARTINS, TIAGO CEDRAZ, MARCELO NOBRE, HERMANN DE ALMEIDA COELHO, JAMILSON SANTOS DE FARIAS, MARCELO HENRIQUE DE OLIVEIRA, ANTONIO AUGUSTO DE SOUZA COELHO e JOÃO CÂNDIDO FERREIRA LEÃO."
No segundo grupo, ainda segundo o MPF, "os valores eram repassados entre si, membros da Orcrim ou a terceiros, como os advogados CÉSAR ASFOR ROCHA e CAIO ROCHA, sendo que alguns dos próprios integrantes da Orcrim teriam devolvido parte dos valores recebidos a pretexto de serviços advocatícios a ORLANDO DINIZ, conforme seu depoimento na qualidade de colaborador. Os pagamentos eram feitos algumas vezes sob contratos de prestação de serviços advocatícios ideologicamente falsos, outras sem contratação formal contemporânea (com confecção de propostas ou contratos de serviços advocatícios com a aposição de datas retroativas), sem critérios técnicos, sem concorrência/licitação, e, ainda, eram efetivados por intermédio da Fecomércio-RJ para a fuga dos órgãos oficiais de controle (conselhos fiscais do SESC e do SENAC Nacional, TCU e CGU), porque esta entidade, de natureza privada, não está sujeita aos mesmos."
O cearense Cesar Asfor Rocha foi ministro do STJ, Corte que chegou a presidir e teve buscas em seus escritórios em Fortaleza e em São Paulo.
No período dos desvios quase todos os investigados tiveram na Fecomércio-RJ o seu “cliente” mais rentável, em larga medida, e os contratos feitos para justificar os pagamentos tinham invariavelmente os mesmos objetos, todos sob o pretexto de uma “briga política” envolvendo as mesmas causas no TCU e no Poder Judiciário, afirma o MPF.
Para o MPF, "ORLANDO DINIZ, como gestor da Fecomércio e das entidades paraestatais regionais, portanto com disposição jurídica sobre o seu farto orçamento anual, cabia dar o aval sobre as estratégias de contratação inicialmente comandadas por ROBERTO TEIXEIRA, CRISTIANO ZANIN e FERNANDO HARGREAVES, além de autorizar os pagamentos, sendo que, no caso dos repasses do SESC e do SENAC Rio, a partir de dezembro/2015, em parceria com o seu então diretor regional MARCELO ALMEIDA".
O comando do esquema criminoso, segundo o MPF, era de ROBERTO TEIXEIRA e CRISTIANO ZANIN, advogados que se notabilizaram nacionalmente pela defesa do ex-presidente Lula. Ambos teriam prestado serviços jurídicos e teriam recebido cerca de R$ 68 milhões, para influenciar, em favor de Orlando Diniz, decisões do conselho fiscal do SESC Nacional, do TCU e do Poder Judiciário.
Para o MPF, os advogados "lideraram as ações para o uso indevido de verbas do SESC e do SENAC, de forma dissimulada, pela Fecomércio/RJ, bem como os esforços para que os fatos não chegassem ao conhecimento dos órgãos oficiais de controle. Além disso, impunham os valores que seriam desviados em proveito de si e de terceiros, bem como as cláusulas contratuais a pretexto de serviços advocatícios ideologicamente falsas ('pacote pronto' 20), chegando a simular aditivos contratuais para justificar o recebimento a mais de R$ 10 milhões para posterior devolução a ORLANDO DINIZ, como este colaborador.
Alguns escritórios de fato trabalharam licitamente em causas de interesse do delator Orlando Diniz, tendo, inclusive, recebido valores compatíveis com os de mercado, porém, aceitarem receber pela Fecomércio, em dado momento com verbas do SESC e do SENAC Rio, para defesa de interesses pessoais de Diniz, que revelou esse fato no Anexo 2 do seu acordo de delação premiada homologado pela Justiça (processo e-proc 5037204- 23.2020.4.02.5101).
De acordo com o MPF, a atuação criminosa de ROBERTO TEIXEIRA, CRISTIANO ZANIN e FERNANDO HARGREAVES na Orcrim de advogados teve início ainda em 2012, por meio de contratos com a Fecomercio, "para justificar o desvio de cerca de R$ 12 milhões, a pretexto de influenciar em decisões de Carlos Eduardo Gabas, como presidente do conselho fiscal do SESC Nacional."
Em seguida, teriam determinado a "contratação de VLADIMIR SPÍNDOLA, com pagamentos entre 01.2013 e 12.2015 de cerca de R$ 6 milhões (valores brutos), formalmente para a atuação em causas no Tribunal de Contas da União mas de fato para influenciar em decisões de agentes públicos, tendo de fato cooptado e corrompido o fiscal de controle externo CRISTIANO RONDON, com o auxílio de outros investigados que atuaram pontualmente, inclusive na ocultação do pagamento da vantagem indevida. Ato contínuo, também em no início de 2014, ainda por determinação de ROBERTO TEIXEIRA e CRISTIANO ZANIN, sob o mesmo pretexto de influência em decisões dos tribunais, foram contratados e de fato aderiram ao 'núcleo duro' da Orcrim até o seu encerramento, em 2018, ANA TERESA BASÍLIO e JOSÉ ROBERTO SAMPAIO, que, a par de prestarem alguns serviços jurídicos e receberem outras quantias milionárias por isso (o que é o objeto de investigação que demanda as medidas cautelares de buscas ora pleiteadas), passaram a parceiros dos primeiros, a pretexto de condução das estratégias jurídicas do grupo, tendo determinado o desvio de cerca de R$ 20 milhões em favor de dois escritórios que não prestaram serviços no escopo dos contratos assinados com a Fecomércio, quais sejam de FLAVIO ZVEITER e EURICO TELES, sendo que para este último parte desse valor foi repassada por outros escritórios do grupo após receberem das entidades do Sistema S carioca. A dupla de advogados determinou em seguida a contratação de EDUARDO MARTINS, inicialmente em 05/2014, posteriormente em 12/2015, sob a perspectiva de que este advogado pudesse influenciar em decisões no Superior Tribuna de Justiça, sendo certo que, por imposição do mesmo, foram pagos nesse período, a três escritórios a ele vinculados ao mesmo (3 CNPJs) e a HERMANN DE ALMEIDA COELHO, JAMILSON SANTOS DE FARIAS, MARCELO HENRIQUE DE OLIVEIRA e ANTONIO AUGUSTO DE SOUZA COELHO, que nunca prestaram serviços no escopo dos contratos assinados com a Fecomércio, cerca de R$ 80 milhões. Por fim, a partir de 07/2015, a pedido de ORLANDO DINIZ e autorização de ROBERTO TEIXEIRA, CRISTIANO ZANIN e ANA TEREZA BASÍLIO, passaram a integrar a Orcrim SÉRGIO CABRAL e ADRIANA ANCELMO, o ex-governador tendo determinado a contratação formal de TIAGO CEDRAZ para atuação em processos judiciais mas de fato para influenciar decisões no âmbito do Tribunal de Contas da União, tendo sido desviados por conta de contratos ideologicamente falsos cerca de R$ 16 milhões. ADRIANA ANCELMO, por sua vez, apesar de ter prestado alguns serviços jurídicos e ter recebido cerca de R$ 20 milhões por isso (o que é objeto de investigação que demanda os presentes pedidos de buscas), passou a parceira de TEIXEIRA, ZANIN e BASÍLIO na suposta condução das estratégias jurídicas do grupo, tendo determinado o desvio de cerca de R$ 11 milhões em favor do escritório de JOÃO CÂNDIDO FERREIRA LEÃO, que não prestou serviços no escopo do contrato assinado com a Fecomércio, e transferiu parte desses valores a CÉSAR ASFOR ROCHA. Ainda, determinou a contratação de MARCELO NOBRE a pretexto de influenciar em decisões no TCU, com pagamentos de R$ 8 milhões que não tiveram compatibilidade com supostos serviços prestados."
Foram coletadas como provas contra a ORCRIM "i. depoimentos, auditorias, relatórios fiscais e outros documentos produzidos no PIC; ii. novos dados obtidos pelas quebras de sigilos bancário, fiscal, telefônico e telemático (processos nº 0004110-09.2019.4.02.5101, 0004113-61.2019.4.02.5101 e 0004115-31.2019.4.02.5101); iii. provas exsurgidas da medida cautelar de busca e apreensão nº 0502324-04.2018.4.02.5101; e, iv. depoimentos prestados por ORLANDO DINIZ em sede de colaboração premiada homologada nos autos do processo nº 5037185-17.2020.4.02.5101"
Narra o MPF que "a partir de meados do ano de 2015, ORLANDO DINIZ contratou, com o aval e determinação de SÉRGIO CABRAL, os escritórios de advocacia de ADRIANA ANCELMO e TIAGO CEDRAZ, formalmente pela Fecomércio/RJ mas de fato com uso de verbas do SESC e do SENAC Rio, para a prática de peculato, exploração de prestígio e lavagem de dinheiro, tendo a ex-primeira dama do Estado do Rio de Janeiro aderido ao núcleo duro da Orcrim inicialmente capitaneada por ROBERTO TEIXEIRA, CRISTIANO ZANIN e FERNANDO HAGREAVES."
No Recife, foi alvo a empresa COUTINHO EMPREENDIMENTOS
IMOBILIÁRIOS. Dados do COAF do período compreendido entre 1.10.2016 e 29.6.2018, apontam que CARLOS
CHRISTIAN REIS TEIXEIRA, sócio do ALMEIDA & TEIXEIRA ADVOCACIA, realizou cinco transações a crédito com EDUARDO MARTINS, remetendo, no total, de R$ 3.050.000,00. Desse total, R$ 1.800.000,00 foram imediatamente destinadas para a empresa recifense COUTINHO EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS. Em 2016, EDUARDO MARTINS adquiriu um imóvel da CONSTRUTORA COUTINHO EIRELI. A outra parte do dinheiro recebido por EDUARDO vindos de CHRISTIAN foi para a empresa FORTEX ENGENHARIA LTDA., da qual participa a empresa FX PARTICIPAÇÕES S/A, também mencionada na comunicação de operação atípica em análise.
Apesar de o nome de fantasia COUTINHO EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS, a empresa recifense indica no CNAE que sua atividade principal é o comércio varejista de artigos de relojoaria. Já o COAF identificou que se trata de uma empresa de corretagem de imóveis. Não há empregados cadastrados. Segundo a PF, durante as buscas na empresa recifense, nada de relevante foi recolhido.
Entretanto, na omunicação de operação atípica do RIF 50035, segundo o MPF, "há indicação de que a COUTINHO EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS é destinatária da compensação de quatro cheques, no valor de R$ 3.000.000,00.
Segundo o cliente delator, as contratações de escritórios ppela Fecomercio, a pedido de EDUARDO MARTINS, que repassou valores à imobiliária recifense, tinha por finalidade a intermediaçãode vultosas quantias voltadas ao pagamento da "exploração de prestígio por este praticada junto do Superior Tribunal de Justiça. Além de servirem à remuneração de objeto ilícito, o uso de escritório de advocacia de terceiros tinha por finalidade ocultar o destinatário final do dinheiro, EDUARDO MARTINS".
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