quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Perigo: Lava Jato pode ficar do jeito que o diabo gosta


Procuradores da Lava Jato ameaçam renúncia caso Temer sancione pacote

Vinicius Boreki
Colaboração para o UOL, em Curitiba

  • Geraldo Bubniak/AGB/Estadão Conteúdo
    Procuradores da Força Tarefa da Lava Jato, como Deltan Dallagnol, ameaçaram abandonar a operação
    Procuradores da Força Tarefa da Lava Jato, como Deltan Dallagnol, ameaçaram abandonar a operação
A Força Tarefa da Lava Jato convocou entrevista coletiva nesta quarta-feira (30) para repudiar o texto final do pacote de medidas anticorrupção aprovado nesta madrugada na Câmara dos Deputados. Os procuradores ameaçaram renunciar caso o projeto seja sancionado pelo presidente Michel Temer. "Não será possível continuar a Lava Jato se a lei da intimidação for aprovada. Vamos renunciar coletivamente", disseram eles.
Onze integrantes do grupo de investigação afirmaram que podem deixar a força tarefa e seguirem para os seus Estados e atribuições de origem se a lei que veda a independência de promotores, procuradores e juízes – nominada de "Lei da Intimidação" – for aprovada.
"Se nós os acusarmos, nós seremos acusados", resumiu o procurador da República e um dos coordenadores da investigação, Carlos Fernando dos Santos Lima. "As mudanças na lei são claras no sentido de responsabilizar pessoalmente procuradores, magistrados e promotores. Os parlamentares aproveitaram um projeto contra a corrupção para se proteger", disse.
De acordo com o procurador da República Deltan Dallagnol, o Congresso "sabe muito bem o que está fazendo", embora esteja fugindo dos interesses da sociedade. "O mesmo espírito de autopreservação que moveu a proposta de autoanistia moveu e move a intimidação de promotores, procuradores e juízes. O objetivo é estancar a sangria", afirmou. Ele se refere a um áudio vazado em que o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR) havia mencionado que era necessário "estancar a sangria" provocada pela Operação Lava Jato.

Reação

Personalidades e instituições do Judiciário criticaram a aprovação da emenda que possibilita a punição de juízes e promotores responderem por crime de abuso de autoridade. Para a presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), ministra Cármen Lúcia, o texto aprovado ameaça a independência dos juízes
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirmou que o "melhor no projeto foi excluído e medidas claramente retaliatórias foram incluídas". Em sua visão, "a emenda aprovada, na verdade, objetiva intimidar e enfraquecer Ministério Público e Judiciário".
A ANPR (Associação Nacional dos Procuradores Federais), por meio de seu presidente, José Robalinho Cavalcanti, classificção a aprovação do projeto como "absoluta destruição" em relação à proposta original, enviada pelo MPF (Ministério Público Federal).  Já o presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), Roberto Veloso, disse que, se o projeto for aprovado pelo Senado, a entidade vai recorrer ao STF (Supremo Tribunal Federal).

Opinião dos procuradores

Segundo a força-tarefa da Lava Jato, o texto original das Dez Medidas Contra a Corrupção passou por uma ampla discussão nas comissões das Câmara, contando com a coleta de depoimento de mais de 100 especialistas. "O texto final da comissão foi extremamente positivo, aprovado na unanimidade. Mas, ao chegar ao plenário, foi deformado. Rasgou-se o texto para uma medida favorável à corrupção", analisou Dallagnol.
Embora a força tarefa tenha negado a existência de um conflito entre poderes no Brasil, Lima afirmou que a comoção nacional causada pela queda do avião da Chapecoense, na Colômbia, foi usada para permitir as alterações no projeto, ludibriando a população. "Depois de meses de discussão, em uma noite, muda-se toda a legislação e se cria a intimidação. Quem se aproveitou de um desastre não fomos nós. Agimos com clareza e transparência e, em uma madrugada, tudo se pôs a perder", ressaltou.
Dallagnol foi mais longe e afirmou que, com a aprovação das medidas, o primeiro sentimento é de que a investigação possa ser inútil. "Era uma oportunidade incrível para fechar brechas na corrupção e traçar um novo rumo para o Brasil. Não queremos nos sobrepor ao parlamento e o respeitamos. Levamos a eles problemas que demandavam soluções e geravam impunidade a casos de corrupção. A resposta foi: vamos deixar que a impunidade continue reinando", diz.
Em uma posição semelhante à do juiz Sergio Moro, que em palestra na semana passada afirmou que o caso Mãos Limpas, na Itália, servia de alerta à Lava Jato, a operação brasileira pode ter um resultado muito diferente do que se espera, com um Estado ainda mais corrupto e protegido por leis. "Esses projetos tornam o Estado pior do que era antes. Foi o que aconteceu na Itália e é neste caminho que estamos seguindo", analisou Dallagnol.

Pacote aprovado com mudanças

Aprovado por 450 votos contra 1 no início da madrugada desta quarta-feira (30), o texto-base do projeto de lei com o chamado pacote de medidas anticorrupção recebeu diversas alterações em sessão extraordinária. A polêmica anistia à prática do caixa 2 não entrou no pacote. Entre as mudanças aprovadas, porém, está a inclusão no texto da possibilidade de juízes e promotores responderem por crime de abuso de autoridade. O texto segue agora para votação no Senado.
O argumento dos parlamentares para a aprovação da medida era que não poderia se admitir no país mais "privilégios a ninguém". "Essa emenda permite que todos se comportem dentro da lei", disse o líder do PC do B, Daniel Almeida (BA). A emenda, apresentada pelo PDT, era alvo de críticas da força-tarefa da Operação Lava Jato e recebeu 313 votos a favor e 132 contrários (cinco deputados se abstiveram).

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