segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Na Dudulândia é assim:

DIARIO DE PERNAMBUCO
A mãe que burlou a norma e não se deu bem
Forçadas a deixar para trás casa e família aos sete meses de gestação e esperar a hora do parto muitas vezes sozinhas no continente, mulheres de Fernando de Noronha se voltam contra a administração do arquipélago e resistem à obrigação de ter que sair do local onde moram para dar à luz o filho. Outras acabam desistindo da vida que levavam na ilha. Na segunda reportagem da série Mães de Noronha, o Diario mostra como é o retorno das mulheres que são impedidas de parir no local onde vivem
Notícia Gráfico

Anamaria Nascimento
anamarianascimento.pe@dabr.com.br
Publicação: 02/12/2013 03:00

Em Fernando de Noronha, engravidar é sinônimo de viajar de avião. Durante a gestação, as mulheres chegam a ir mais de dez vezes ao continente. Exames, algumas consultas e o parto não podem ser feitos no arquipélago. Mas há quem conteste e tente burlar o sistema. A auxiliar de cozinha Marinalva Fonseca, 35, é o símbolo da resistência entre as mães de Noronha. Todos os moradores da ilha conhecem sua história. Basta perguntar sobre a inexistência de partos no arquipélago que qualquer noronhense lembra dela. “É a única que conseguiu enganar o governo e ter filho aqui”, diz um. “Ela colocou faixas na barriga, escondeu a gravidez e teve a filha no São Lucas”, completa outro, referindo-se ao único hospital da ilha.

Marinalva nega ter colocado faixas na barriga para embarcar de volta para o local onde vive desde pequena. “Não precisei fazer nada. Minha barriga não era grande. A administração descobriu e tentou me mandar de volta para o Recife”, conta, desmentindo um dos maiores boatos que correm pela ilha. No oitavo mês da gestação de Tayná, hoje com 3 anos, Marinalva deixou Noronha com a promessa de que seria hospedada num hotel de Boa Viagem. Ao chegar à capital pernambucana, porém, foi encaminhada para um dos quartos da Casa do Estudante, no Derby. Ficou dormindo num beliche. Dividia o espaço com centenas de jovens de todo o estado, mas se sentia isolada. “Passei mal numa noite e decidi voltar para casa. Pensei: já que me levaram para o Recife na base da mentira, vou retornar na base da mentira”, lembra.

Três dias depois do retorno, a auxiliar de cozinha deu à luz de parto normal, feito por uma equipe médica improvisada, no São Lucas. O Salve Aéreo que atende à ilha foi chamado. “Disseram que eu estava com restos de placenta no organismo, não me deixaram ver minha filha depois que ela nasceu”, recorda. Levada de volta ao Recife, foi atendida por médicos do Centro Integrado de Saúde Amauri de Medeiros (Cisam).

Conforme o relatório da equipe da maternidade da Encruzilhada, o parto aconteceu normalmente, sem a necessidade de internamento. “Acho que a administração quis me punir”, afirma. Thayná mora na Paraíba com a avó, pois nunca conseguiu o status de moradora permanente da ilha, mesmo tendo nascido lá. Marinalva continua em Noronha, trabalhando num dos restaurantes mais badalados do arquipélago. Sonha todos os dias com a possibilidade de viver ao lado da filha.

Criança representa um custo a mais (e alto) a pagar

Publicação: 02/12/2013 03:00

Voltar para casa nem sempre é uma opção para as mães de Noronha. Não foi para Leyliane Silva, 31 anos. Moradora temporária do arquipélago há dois anos, ela descobriu que teria que deixar para trás o sonho de construir uma família quando viu o resultado positivo do teste de farmácia. Como residente temporária, Leyliane não poderia voltar à ilha com a filha sem pagar a Taxa de Preservação Ambiental (TPA), valor cobrado a todo turista que visita Fernando de Noronha. A taxa custa R$ 45,60 por dia. Para manter a primeira filha, Beatriz Catarina, de 1 mês, no arquipélago, ela precisaria desembolsar R$ 1.368 mensalmente.

O alto preço para manter pai, mãe e filha unidos não cabe no orçamento familiar. O pai de Beatriz também é morador temporário da ilha e trabalha numa pousada. Ele ainda não conhece a filha. “Vamos para lá sabendo que a situação das mulheres é complicada, mas é muito difícil quando chega a nossa vez”, desabafa. Por conta da diabetes gestacional, ela viajou cedo para o continente. O parto aconteceu em setembro, no Imip, área central do Recife. Ainda de licença maternidade, Leyliane vive com a avó e a tia numa casa de quatro cômodos em Escada, na Zona da Mata Sul de Pernambuco. “Vou ficar aqui por tempo indeterminado. Espero que meu marido consiga um emprego no Recife para voltar e morarmos juntos”, sonha.

E como fica o direito de ir e vir ?

Publicação: 02/12/2013 03:00
A nutricionista natural de Brasília Camila Freire, 31 anos, bem que tentou esconder a gravidez da administração de Fernando de Noronha. A boa condição financeira permitiu que ela viajasse mensalmente para ter um acompanhamento médico melhor do que o oferecido no posto de saúde do distrito. Durante a gestação, fez todos os exames em um hospital particular de Natal (RN). “Se a gente não se apresenta ao posto de saúde, eles não ficam sabendo do bebê”, diz.

O destino, no entanto, foi contra os planos da parturiente. No fim da gestação, uma equipe do estado foi até a casa onde ela vive com o marido, um noronhense legítimo. “Descobriram e eu fui obrigada a viajar. Voltei para Natal, onde tive meu filho. Foi um período muito difícil, pois fiquei praticamente sozinha, longe do meu marido”, diz. “A presença do pai da criança nesse período da gravidez é fundamental. O que fazem conosco é cruel”, completa. O filho do casal, Nathan, 6 meses, é morador permanente da ilha. Conseguiu a almejada condição graças ao pai, Rogaciano Silva, 33. Camila continua como moradora temporária. “Mesmo sabendo que o hospital não tem uma estrutura boa para o nascimento de crianças, eu gostaria de ter a opção, de assumir o risco, de ter meu filho perto de casa.”

Para a parteira tradicional fundadora da ONG Cais do Parto, Suely Carvalho, a administração de Fernando de Noronha deveria permitir que as mulheres tivessem os filhos em casa. “A expulsão delas da ilha ao oitavo mês de gestação é dura e agressiva. Essa obrigação de viajar vai contra um direito fundamental de todos, que é o direito de ir e vir, o livre arbítrio”, opina. “O estado deveria autorizar o parto das mulheres que querem ter o filho em casa. Caso a parteira identificasse a necessidade de a mulher ser levada a um hospital, ela seria encaminhada para o de Noronha ou para o continente”, defende.

"Eu gostaria de ter a opção de assumir o risco, de poder ter meu filho perto de casa”
- Camila Freire, moradora temporária do arquipélago

"A expulsão delas (das mulheres) da ilha no oitavo mês de gestação é dura e agressiva”
- Suely Carvalho, parteira da ONG Cais do Parto

Meu artigo onde denunciei a situação das mães de Noronha
http://jc3.uol.com.br/blogs/blogjamildo/canais/artigos/2013/11/19/novo_recife_ou_estado_novo_162825.php

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