Aquele que deveria ser o espaço mais democrático do Partido Socialismo e Liberdade, culminação de um processo de três meses de plenárias de base e congressos estaduais, revelou-se ao final viciado pela sombra da fraude e burocratizado pelas mãos do bloco “Unidade Socialista por um PSOL Popular” (US), de Ivan Valente, Randolfe Rodrigues, Luiz Araújo, Edilson Silva, Milton Temer e Janira Rocha.
O IV Congresso Nacional do PSOL, realizado entre os dias 29 de novembro e 1º de dezembro de 2013, em Luiziânia, Goiás, confirmou um partido cindido ao meio entre dois projetos políticos opostos. A partir de uma maioria apertadíssima, baseada em plenárias fraudadas (das quais Santana e Macapá, no Amapá, e Sidrolândia, no Mato Grosso do Sul, são os exemplos mais notáveis), a US mostrou desde as primeiras horas não ter a menor preocupação em conduzir unitariamente o Congresso. Se não pensou sequer em incluir membros da “outra metade” do PSOL na mesa (o que foi arrancado à base de muita pressão) que dirá de buscar uma solução unitária para a candidatura presidencial de 2014. A US impôs o nome do senador do Amapá Randolfe Rodrigues. A resistência do Bloco de Esquerda reafirmou a defesa de um partido anticapitalista, socialista, sintonizado com as ruas, com as bandeiras de junho, de oposição de esquerda ao governo petista e à direita tradicional, e demonstrou que essa é uma disputa que está só começando.
Os impasses, que já vinham se desenhando ao longo das semanas que antecederam o Congresso, intensificaram-se a partir da sexta 29. A reunião do Diretório Nacional que antecedeu o Congresso foi instalada apenas com membros da Unidade Socialista. A US fez substituições totalmente anti-estatutárias para garantir o quórum e seus acordos políticos, entre os quais a recepção escandalosa da deputada estadual fluminense Janira Rocha, afastada do partido por decisão da Executiva Estadual do PSOL-RJ. Com esta decisão, a US atropelou não só a direção fluminense, como ignorou a existência da Comissão de Ética nacional, que sequer concluiu seus trabalhos sobre o caso da deputada. Esta reunião foi realizada para que se aprovassem todas as plenárias fraudadas e se divulgasse a manutenção da deputada no PSOL (em troca do que Janira mandou entrar seus 14 valiosos delegados…).
Depois de instalado o Congresso, em dois momentos, frente à constante truculência da mesa conduzidamanu militari por Luiz Araújo (mais tarde ungido novo presidente do PSOL), esteve-se muito perto do confronto físico entre os dois blocos, no palco. Num desses momentos, o estopim foi o corte do som do microfone do orador do Bloco de Esquerda pela mesa, quando este defendia o recurso de não se reconhecer as delegações fraudadas… Foi somente com a ocupação do palco por militantes do Bloco de Esquerda que se garantiu a negociação para continuidade dos trabalhos. No processo de negociação, a Unidade Socialista revelou uma indisposição completa em pensar uma saída unitária para o congresso: não avançou um milímetro na questão das fraudes e, mais dramaticamente, não deu nenhuma abertura para a construção de um processo de Conferência Eleitoral para a decisão da candidatura presidencial do partido.
A defesa da realização da Conferência foi feita brilhantemente por Marcelo Freixo e Chico Alencar. Os companheiros afirmaram o que é óbvio para quem preza a um partido democrático e unitário: não é possível que um congresso construído com esse grau de polarização, com uma maioria tão tênue, construída sobre delegações cuja legitimidade foram duramente questionadas, decida por um candidato à Presidência da República à revelia de metade do partido. É necessário que esse nome seja dialogado com a base do partido, em debates que consigam construir programa e traçar um perfil que apontem qual o nome mais adequado para essa disputa. A recusa à realização da Conferência Eleitoral, mecanismo garantido pelo Estatuto do PSOL, mostrou o abandono completo pela Unidade Socialista de qualquer marco de razoabilidade.
Considerando aquela decisão ilegítima, inclusive por ignorar o estatuto do PSOL, a Insurgência optou por nem apresentar o nome do companheiro Renato Roseno, nem apoiar a pré-candidatura da companheira Luciana Genro. Consideramos a abstenção a melhor forma de manifestar nossa posição sobre aquela ilegitimidade. “Não existe nada mais velho, nada mais carcomido na política do que a construção de maiorias partidárias pela fraude, pela desobediência dos princípios mínimos da democracia. Nós, que apresentamos a pré-candidatura de Renato Roseno, não vamos abrir mão deste partido, não vamos abrir mão de lutar, inclusive, para reverter esta posição e preservar a democracia e a representatividade em nosso partido”, afirmou Renato Cinco na declaração de voto pela abstenção.
A defesa das teses foi um momento de fôlego do congresso. Muito sintonizadas entre si e com as jornadas de junho, as falas dos membros do Bloco de Esquerda lembraram do PSOL que queremos, revelando correntes dispostas a enfrentar os desafios de reconstruir uma alternativa de massas sem abrir mão de princípios. Como expresso nas belas palavras do camarada insurgente Renato Roseno: “Nós não desistimos e não desistiremos do PSOL. Daqui a alguns anos, quando contarem a história de 2013, essa história não será contada pela foto [do senador Randolfe] ao lado da presidenta Dilma; será contada pela insurreição, pela insurgência, pelos que ocuparam o Parque do Cocó, em Fortaleza, ocuparam a Assembleia Estadual do Ceará, pela Primavera Carioca, pela Copa das Manifestações. É dessa história, a dos insurgentes, que nós queremos fazer parte”.
Ficou também claro na defesa das contribuições setoriais, feitas em sua esmagadora maioria por camaradas do Bloco de Esquerda, qual é o bloco comprometido com a construção de um partido de fato militante, inserido nas lutas cotidianas, e a grande expressão disso foi a vitória da resolução formulada pelo setorial de mulheres que garante 50% de cotas para companheiras em todas as nossas instâncias de direção.
As votações apertadas do Congresso revelaram que a maioria constituída pela Unidade Socialista não será tranquila. Foram somente 16 votos de diferença na votação das prévias e dos 19 cargos da Executiva Nacional, 9 são do Bloco de Esquerda.
A militância da Insurgência e do Bloco de Esquerda em geral foi embora de Luiziânia com o gosto amargo de uma pré-candidatura presidencial imposta, que não representa os ventos de junho, mas um perfil institucionalista que naturaliza alianças com setores da direita. Mas é preciso ter claro que Randolfe é apenas um pré-candidato e que as bases partidárias querem ser ouvidas. Apostamos no fortalecimento do Bloco de Esquerda e na sua unidade nas lutas sociais e na construção do partido como essencial nessa disputa. (Blog Inswrgência)
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