Delegado Elias Milhomens de Araújo determinou a abertura de inquérito policial para apurar a discussão no episódio
Polícia Federal
acredita que "há indícios do cometimento de crime de desacato" pelo
advogado Cristiano
Caiado de Acioli, de 39 anos, que, em um voo que ia de São Paulo para Brasília no último
dia 4 de dezembro, disse ao ministro Ricardo Lewandowski ter vergonha
do Supremo Tribunal Federal e vergonha de ser brasileiro por causa da Corte.
O delegado da
Polícia Federal Elias Milhomens de Araújo determinou a abertura de um inquérito
policial para apurar a discussão no episódio do avião três dias depois do
episódio, no dia 7 de dezembro. Na portaria que autorizou a abertura da
investigação o delegado destacou a necessidade de "apurar possível
ocorrência do tipo previsto no art. 331 do Código Penal Brasileiro (desacatar
funcionário público no exercício da função ou em razão dela)". A lei prevê
detenção de seis meses a dois anos ou multa.
Ministro do Supremo Tribunal Federal
Ricardo Lewandowski durante sessão no plenário da Corte, em Brasília
(08/12/2018)
Foto: ERNESTO RODRIGUES / Estadão
Parecer assinado
pela delegada Juliana Rossi Sancovich, chefe do Núcleo de Correições da
Corregedoria Regional da Polícia Federal do DF, destaca que as oitivas e os
vídeos do episódio "revelam conduta particular que, em tese, é capaz de
menoscabar o prestígio da função exercida pelo órgão máximo do Poder Judiciário
o que, salvo melhor juízo, se adequa o tipo previsto no art 331 do Código
Penal".
No documento, a
delegada lembra que o crime de desacato corresponde à conduta capaz de ofender
um funcionário público, não apenas no exercício da sua função, mas também em
razão dela. Ela ressalta, no entanto, não ser incabível "aferição de juízo
de culpabilidade" na primeira fase da persecução penal, mas defende a
instauração de inquérito policial para a plena apuração do episódio.
O delegado Rodrigo
da Silva Bittencourt, corregedor regional da PF, concordou com a avaliação da
chefe do Núcleo de Correições e entendeu que há indícios da ocorrência do crime
de desacato por considerar que Caiado tentou com sua conduta desrespeitar,
desprestigiar o Supremo, na pessoa do ministro Ricardo Lewandowski.
Em depoimento ao
delegado responsável pelo caso em 12 de dezembro, oito dias depois do episódio,
o ministro Ricardo Lewandowski afirmou que o advogado o chamou pelo nome
"de maneira exaltada, com o celular em punho, e passou a bradar insultos à
Suprema Corte do Brasil".
Segundo
Lewandowski, "diante do elevado estado de exaltação do passageiro que
bradava os insultos, preocupado com a segurança do voo e a tranquilidade dos
demais passageiros" o ministro "solicitou à tripulação que acionasse
a Polícia Federal do Aeroporto de Congonhas".
O ministro disse
"que até a chegada da Polícia Federal na aeronave o passageiro continuou
agindo de maneira exaltada". Lewandowski contou ainda que "durante o
taxiamento, antes da parada completa, ele (Caiado) se ergueu na aeroonave e
passou a bradar os mesmos insultos direcionados à Corte e à pessoa do
declarante (ministro)". O ato, de acordo com Lewandowski, "ocasionou
um tumulto na aeronave, com manifestações favoráveis e contrárias à atitude
dele."
Em despacho desta
quinta-feira, 27, o delegado Elias Milhomens de Araújo determinou que seja
autuado o extrato de passageiros encaminhado pela Gol, os termos de declaração
dos passageiros e que seja encartada a mídia contendo o vídeo fornecido pelo
deputado Floriano Pesaro. O delegado informa que está pendente a resposta da
Gol quanto à indicação dos tripulantes do voo. No despacho, o delegado juntou
ainda cópia do ofício encaminhado pelo presidente do Supremo, ministro Dias
Toffoli à Procuradoria-Geral da República.
Além de colher os
depoimentos do advogado e do ministro, a Polícia Federal ouviu o agente que
atendeu ao pedido do ministro ainda em SP, uma passageira que disse ter
aplaudido o Cristiano e que o acompanhou na viatura até a Superintendência
Regional do Distrito Federal, o deputado federal Floriano Pesaro (PSDB-SP), um
servidor público federal, uma outra passageira e o então presidente da
Infraero, Antônio Claret de Oliveira.
Claret, que
renunciou ao cargo há duas semanas, estava sentado na mesma fileira em que
estavam o ministro e o advogado. De acordo com ele, Caiado "falava em voz
alta, e tom agressivo, sendo possível ouvir além da primeira fileira". O
ex-presidente da Infraero disse ainda que "ficou preocupado com a
passageira que se encontrava entre ele e o passageiro (Caiado) que se
manifestava, pois ela ficou acuada". Claret completou dizendo que
"chegou a pedir calma a ele em tom de voz baixo".
O caso
Após ouvir de
Caiado que o Supremo é uma 'vergonha', o ministro Ricardo Lewandowski
questionou se ele queria ser preso e pediu aos comissários da aeronave que
partia de São Paulo com destino a Brasília que chamassem agentes da Polícia
Federal. Ainda em São Paulo, Caiado gravou um vídeo em que diz ao ministro que
tem vergonha da Corte e vergonha de ser brasileiro por causa do STF.
O episódio ocorreu
no voo G3 1446, da Gol, que deixou o Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, às
10h45, e aterrissou no Aeroporto Internacional de Brasília às 12h50, com 20
minutos de atraso.
No vídeo, o
advogado diz: 'Ministro Lewandowski, o Supremo é uma vergonha, viu? Eu tenho
vergonha de ser brasileiro quando eu vejo vocês'. O ministro responde: 'Vem cá,
você quer ser preso? Chamem a Polícia Federal, por favor'. Em seguida, o
ministro diz que o advogado terá de explicar para a Polícia Federal o que falou
a ele.
Acioli foi
conduzido à Superintendência Regional do Distrito Federal, onde prestou
depoimento, tendo sido liberado em seguida. Antes de esclarecer os fatos à
autoridade policial, o advogado ficou retido por aproximadamente uma hora na
aeronave que o levava a Brasília sendo acompanhado de perto por um agente da
Polícia Federal. Em conversa telefônica com o Estado ainda dentro do avião, o
advogado perguntou ao agente que o acompanhava o motivo de estar sendo mantido
dentro dele. "Ele disse que eu não posso saber por que estou sendo
retido", disse à reportagem.
"Sou pessoa
que tem retidão na vida, procuro não fazer mal aos outros, sou uma pessoa
patriota, serena, amo o Direito e o País e acho que todo o cidadão tem direito
de se expressar e sentir vergonha ou não pelo Supremo Tribunal Federal. Eu
disse o que penso. A gente não vive ainda ditadura neste país. Acho que todas
as pessoas têm direito de se expressar de forma respeitosa", disse por
telefone à reportagem, ainda no avião.
"(Ainda em São
Paulo) A Polícia Federal chegou e perguntou se eu iria causar problemas. Eu
falei que eu tenho direito de criticar o Supremo. Eu fiz respeitavelmente, é
direito constitucional meu, não causei tumulto nem nenhum tipo de crime. Fiz
minha parte que era me manifestar de forma respeitosa. Tiraram cópia do
documento de identificação e liberaram o avião. Quando pousamos, fiz desagravo
particular meu porque estou muito abalado emocionalmente", contou.
Por meio de nota, o
gabinete de Lewandowski informou que o ministro, ao 'presenciar um ato de
injúria' à Corte, 'sentiu-se no dever funcional de proteger a instituição a que
pertence, acionando a autoridade policial para que apurasse eventual prática de
ato ilícito, nos termos da lei'.
"Eu estou
sendo perseguido como inimigo do Estado tão somente porque fui digno de expor
uma crítica, que acredito justa, feita de forma educada, tudo foi registrado,
imagina se não fosse. Eu jamais ofenderia o Ministro Ricardo Lewandowski, a lei
maior me assegura a liberdade de expressão , enquanto direito fundamental, o
Estado jamais pode ser usado para exercer a censura disso. A própria
Constituição veda toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e
artística.
Eu me dirigi
respeitosamente, em tom baixo, sem me levantar, com deferência ao cargo do
Ministro. Porque eu me dirijo assim independente do cargo e sim pelo próprio
respeito às pessoas. Eu trato os lixeiros que passam na minha casa com o mesmo
respeito que trato um Ministro. Respeito e acato a gente deve a todos,
independentemente de status social e poder que a pessoa detém.
A liberdade de
criticar os agentes políticos é um meio essencial de controle da própria
democracia. Esse inquérito é estarrecedor, as gravações mostram de maneira
inequívoca o perigo que toda a sociedade brasileira está correndo. Cabe frisar
inicialmente que o Ministro em nota oficial do gabinete alegou que eu havia
cometido crime de injúria contra o STF, agora já estão me acusando do
cometimento de desacato? Como desacato se nem a serviço o ilustre ministro
estava?
Acho que o assunto
merece reflexão profunda de toda a sociedade e toda a imprensa livre, pois isso
me parece puro uso da máquina do Estado para reprimir uma manifestação. Não
interessa a vertente política, direita ou esquerda, todos tem o direito e o
dever de expor os seus sentimentos."
(Portal Terra)
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