quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Neste início de Quaresma, nada melhor que esse texto do Frei João, que com certeza nos fará refletir sobre uma vida melhor para nós, os nosso entes queridos, o nosso próximo



As bem-aventuranças
O Evangelho de São Mateus apresenta o tema das Bem-Aventuranças. É um texto muito conhecido dos católicos cristãos. É o Projeto do Novo Reino que entra em questão. Assim ele apresenta o Evangelho baseado em 5 DISCURSOS de Jesus. Deseja mostrar Jesus como o novo Moisés, que na Montanha promulga a nova LEI (= as bem-aventuranças).

Veremos a seguir o primeiro discurso e um comentário de cada bem-aventurança apresentada pelo nosso evangelista. É bom ter presente que a primeira bem-aventurança está em sintonia com a oitava, porque uma abre e a outra praticamente fecha o tema. As outras – de quatro a nona – são uma explicação destas duas.

- Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o reino dos céus (v.3).

Freqüentemente tentou-se atenuar a força dessa expressão, como se os pobres em espírito fossem pessoas “humildes”, independentemente de sua condição social. A palavra pobre recorda os ‘anawim’ do Antigo Testamento e da época de Jesus: são os que depositaram sua confiança em Deus enquanto última instância, porque a sociedade lhes negava justiça. “O pobre é a pessoa honrada, piedoso, espiritualizado, justo (praticante da justiça, “ajustado diante de Deus), aberto a Deus e por isso feliz”. O Reino é deles porque, vivendo assim, realizam o pedido de Jesus (cf. 4,17: “Convertam-se, porque o reino do céu está próximo). Mas, por outro lado, mundo diz: "felizes os que têm dinheiro e sabem usá-lo para comprar influências, comodidade, poder, segurança e bem-estar". Onde está a verdadeira felicidade? Quem é, realmente, feliz?

- Bem-aventurados ao aflitos, porque serão consolados (v.4).

Esta bem-aventurança precisa ser a partir do premio merecido: o consolo. O consolo é uma realidade que Jesus nos traz e que compreende a dor da pessoa que precisa ser consolada. Esta bem-aventurança esclarece a vitória de Jesus sobre o pecado, a morte e a dor e quando Ele ressuscita fica mais evidente o sentido desta vitória. Neste sentido perceberemos que o Deus de Jesus Cristo é o Deus do Consolo (cf. Is 40, 1-5).

- Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra (v.5).

Não é fácil encontrar um adjetivo que justifique esta bem-aventurança. Porém, ela esta em sintonia com a primeira. Muitas vezes os mansos estão ligados com a realidade dos pobres, humildes. Eles têm a esperança da retribuição. Uma ressonância encontra com o Salmo 37, onde diz: “Não se irrite por causa dos maus, nem tenha inveja dos injustos. Ele são como erva: secam depressa, murcham logo como a relva. Confie em Javé e pratique o bem... Porque os maus vão ser excluídos, e os que esperam em Javé possuirão a terra... e não haverá mais injusto; os pobres vão possuir a terra... o injusto faz intrigas contra o justo, e contra ele range os dentes. (Salmo 37,1-3.9-12). A expressão “herdarão a terra ou possuirão a terra” poderia ser o prêmio do reino dos céus. Porém, este reino começa aqui nesta terra e tem um sentido de que o homem pode se esforçar por um mundo melhor. Não foi assim a vida de Jesus! Ele curou os enfermos, a dor... saciou a fome, a sede, pregou um Reino diferente na terra. E nós...?!?

- Bem aventurado os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados (v. 6).

São necessidades sentidas e intensas e que ser inclusive de Deus. Diz o salmista:

> “Minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo: quando verei a face de Deus?” (Sl 42,2-4); “Ó Deus, tu és o meu Deus, por ti madrugo. Minha alma tem sede de Ti, minha carne te deseja com ardor” (Sl 63, 2).

A fome significa na Bíblia a tendência e a lembrança ao Deus da vida. Jesus disse: “Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá mais fome e quem acredita em mim nunca mais terá sede” (Jo 6,35). Os homens acreditam que Deus fará justiça aos que são oprimidos pela injustiça. A situação de “fome e sede de justiça” clamam para que cessem a injustiça atual. A justiça corresponde ao Reinado de Deus sobre tudo e sobre todos. Por que a esperança de justiça se cumpre em Jesus Messias e Salvador na cruz. De fato “Javé é nossa justiça” (Jr 23,6).

- Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia (v. 7).

Misericórdia é uma palavra composta por “miséria e coração”. É olhar para a miséria do outro, do próximo, de uma pessoa com o coração e não com a razão. Por isso que os “misericordiosos” têm uma atitude diferente frente a qualquer realidade. Jesus insiste na virtude da misericórdia: “Eu quero a misericórdia e não o sacrifício” (Mt 9,13). Então aqueles que têm o espírito de Jesus misericordioso terão a mesma atitude de Deus que é amor, perdão, compassivo, compreensão, ajuda, a partilha, a solidariedade... Como recompensa serão felizes e alcançarão a misericórdia.

- Bem-aventurados os de puro coração, porque verão a Deus (v. 8).

Esta bem-aventurança se inspira no salmista, que diz: “aquele que tem mãos inocentes e coração puro,... esse receberá a benção de Javé e do seu Deus salvador receberá a justiça” (Sl 24,4-5). Para os semitas, o coração é a sede das opções profundas que marcam a vida inteira. Ser puro de coração é ter conduta única, em perfeita sintonia com o Reino. Mas Jesus nos alerta: “é do coração que vêm as más intenções: crimes, adultério, imoralidade, roubos, falsos testemunhos, calúnias. Essas coisas é que tornam o homem impuro...” (Mt 15,19-20).

No Antigo Testamento, a pureza dependia de uma série de ritos mediante os quais as pessoas tinham acesso a Deus. Na nova Aliança, a pureza é sinônimo de opção pelo Reino de Deus (=optar por Jesus) e de respeito pela vida das pessoas. Espiritualizando esta bem-aventurança, serei felizes e puros de coração!

- Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus (v. 9)

Quem trabalha para alcançar a paz entre os homens atua como Deus, porque Deus é o Deus da Paz (Rm 15,33; 16,20). A promoção da Paz, (do Shalom) é fruto misericórdia e da pureza de coração. Depois da ressurreição Jesus saudou os Discípulos: “a paz esteja com vocês” (Jo 20, 19.21.26). A paz que propõe o Evangelho é a dignidade da vida em todos os sentidos. Não se trata de uma paz meramente pessoal, egoísta... mas também a nível social. Parece até contraditório, mas “somos promotores da paz e do evangelho” e vivemos num clima de guerra, de violência, injustiça, etc... E a nossa sociedade atual estimula: "felizes os que não têm medo de lutar contra os outros, pois só assim podem ser pessoas de sucesso". O que é que torna o mundo melhor: a paz ou a guerra? Pensemos!!

- Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus (v.10).

Temos aqui o eco da primeira bem-aventurança... “porque deles é o reino dos céus”. Quem são os perseguidos? São os Discípulos e Missionários de Jesus. E por que são perseguidos? Por causa da justiça. Em outras palavras são aqueles que “são ajustados” diante de Deus. Diz Jesus: “Quando perseguirem vocês numa cidade... / É por isso que eu envio a vocês profetas, sábios e doutores: a uns vocês matarão e crucificarão, a outros torturarão nas sinagogas, e os perseguirão de cidade em cidade” (Mt 10,23; 23,34). Assim permanece a idéia de que “o justo deve sofrer a causa da injustiça”. Contudo, o destino que aconteceu com Jesus (= a cruz) deverá acontecer também com os seus Discípulos.

- Bem-aventurados sois vós quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo tipo de mal contra vós, por causa de mim. Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus (v. 11-12).

A última bem-aventurança revela as tensões e conflitos enfrentados pelas comunidades siro-palestinenses no meio das quais nasceu o Evangelho de Mateus. No tempo em que o evangelho foi escrito, essas comunidades passavam por crise de identidade, com perigo de abandono do projeto de Deus. Os conflitos vinham de fora: a sociedade estabelecida começou a difamar os cristãos, caluniando-os e perseguindo-os. Tornava-se difícil resistir diante das pressões e tribulações de toda espécie. O evangelho lhes lembra que ser discípulo de Jesus é ser como os profetas do Antigo Testamento: “Desse modo perseguiram os profetas que vieram antes de vocês” (v. 12b).

Frei João - Paróquia São Peregrino - Acre

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