terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Menos encenação e mais seriedade no debate e nas ações depois da tragédia de Santa Maria



INCÊNDIO EM BOATE NO RIO GRANDE DO SUL DEIXOU DEIXOU 235 MORTOS. DOIS ALVARÁS ESTAVAM VENCIDOS
/ FOTO: AGÊNCIA BRASIL

Por Noelia Brito, advogada e procuradora do Recife, especial para o Blog de Jamildo

Muito se tem falado na tragédia ocorrida na cidade gaúcha de Santa Maria, onde um misto de ganância e prevaricação findou por ceifar a vida de 237 pessoas, jovens, em sua maioria.

Sempre que tragédias dessa natureza ocorrem, um certo oportunismo parece tomar conta das cabeças que comandam os destinos da Nação e todo tipo de providências e soluções imediatistas começam a despontar aqui e ali, como se, num passe de mágica, anos e mais anos de omissões do Poder Público fossem virar fumaça, com o perdão do trocadilho.

A solução mais fácil é sempre propor um projeto de lei para mudar regras, ou formar  comissões de parlamentares para estudar o tema, como se já não tivéssemos leis aos borbotões que, justamente, por não serem cumpridas e fiscalizadas, é que se acaba por criar o ambiente propício a catástrofes como a de Santa Maria.

A grande questão que deveria ser debatida, investigada e resolvida é o porquê de nossos órgãos de controle e fiscalização não funcionarem como deveriam. Se de um lado há a já alardeada, pútrida e notória cultura do “jeitinho” e do “jeitão”, se há corrupção de agentes, por outro lado, não podemos ser simplistas e até cínicos, a ponto de esquecer que por trás do mal funcionamento desses órgãos está, a bem da verdade, uma situação,  muitas das vezes, de total sucateamento, combinada com o conveniente aparelhamento político de suas estruturas.

Se quiséssemos mesmo descer ao âmago da questão, teríamos que suscitar de instituições como o Ministério Público e o Tribunal de Contas, a instauração de procedimentos especiais de investigação nos órgãos de controle urbanístico ou órgãos equivalentes, pelo país a fora. A finalidade? Investigar a quantas andam suas estruturas de funcionamento, por exemplo. Qual o orçamento de que dispõem para execução de seu poder de polícia ou das medidas judiciais obtidas pelas procuradorias municipais ou, ainda, quando foi o último concurso público para fiscais ou arquitetos ou engenheiros desses órgãos de controle urbanístico.

Há bem pouco tempo a imprensa local noticiou que grande parte da estrutura da Diretoria de Controle Urbanístico (Dircon) da Prefeitura do Recife era terceirizada. Houve manifestação de trabalhadores terceirizados queixosos de que embora sem nenhum mudança em suas atribuições, a nomenclatura de suas funções teria sido alterada de supervisor fiscal para conferente. Ora, como todos sabemos, funções de fiscalização são incompatíveis com a terceirização, pois são funções tão típicas do Estado que não podem ser delegadas a particulares por evidente conflito de interesses. É preciso que o agente que fiscaliza goze de certas garantias para bem desempenhar o seu mister e essas garantias só o cargo efetivo e conquistado por concurso público pode conferir ao servidor.

No plano hipotético, será que um agente público colocado no seio do Serviço Público para compor a cota de um determinado vereador ou deputado, por exemplo, terá a necessária independência para resistir às pressões de seu padrinho político em favor de determinado estabelecimento ou empresário, sem que venha a ser prontamente substituído por outro menos resistente? Eis a questão.

Questionamentos dessa ordem deveriam ser, sem dúvida, as principais indagações a serem perquiridas pela sociedade e por entidades como OAB, Ministério Público, TCE e CREA, só para citar algumas entidades das mais representativas de nossa sociedade, nesse momento  que deve ser de debate franco e aberto e não apenas a repetição das convenientes ladainhas de sempre.

O próprio Poder Judiciário como tem se portado diante de demandas dessa natureza? Será que com a necessária presteza ou tem se revelado protecionista quando acionado para fechar ou encerrar as atividades de certos estabelecimentos causadores de perigos ou incômodos aos frequentadores ou à vizinhança?

Mas não é são só de fiscalizações em boates e bares que vivem os órgãos de controle urbanístico e de meio ambiente de nosso Brasil. Podem e devem fiscalizar e encerrar as atividades de postos de combustíveis situados em locais onde jamais poderiam estar localizados, por exemplo, bem como de muitas outras atividades que vierem a causar perigo potencial à população, se seu funcionamento e localização não estiverem em conformidade com as condições que a lei estabelecer como as mínimas necessárias à incolumidade pública. Há, portanto, muitos interesses que não se limitam aos dos empresários do entretenimento, como pode fazer crer o momento atual. Interesses que estão em jogo, sem dúvida, e que na maioria das vezes acabam por pesar mais na balança do que a própria vida, que deveria ser o bem supremo.

Tragédias como a de Santa Maria são dolorosas demais para que não sejam encaradas como verdadeiros divisores de águas na maneira como os gestores públicos devem encarar os órgãos de controle urbano, deixando a velha cultura do aparelhamento de lado, passando a tratá-los com a necessária seriedade, pois disso já está mais que evidenciado, dependem as vidas de milhares e milhares de pessoas.

O ex-prefeito de Buenos Aires, Aníbal Ibarra, acabou perdendo o cargo, por impeachment, em março de 2006, por ter sido acusado de tolerar a falta de vistorias de segurança na cidade. As acusações contra Ibarra se deram após uma tragédia como a ocorrida em Santa Maria. Em Santa Maria, é o governo do Estado quem já culpa a Prefeitura pela tragédia. Aguardemos.

Até o momento, 280 boates ou estabelecimentos do gênero foram fechados em todo o País, em operações desencadeados após a tragédia de Santa Maria, por não reunirem condições mínimas de segurança. Mas por que só “após”, se a falta de condições de segurança desses estabelecimentos era preexistente? Nenhuma lei precisou ser criada, precisou? Foi bastante cumprir-se e fiscalizar-se o cumprimento das já existentes.

O sucateamento ou a inviabilização do funcionamento ou mesmo o aparelhamento de órgãos de controle urbanístico é prática criminosa porque atenta não só contra a moral administrativa, mas contra a própria vida dos cidadãos, a quem deveriam proteger por missão institucional e só por isso já caberia uma preocupação mais que reforçada das entidades apontadas anteriormente e de toda a sociedade, pois culpar, simplesmente, como sempre se procura fazer, meia dúzia de agentes corruptos, geralmente do baixo clero, por todas as mazelas da Administração Pública, não é, nem de longe, a solução verdadeira para essa charada de péssimo gosto.

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