Aos 104 anos, eleitora tem 800 folhas com histórias de Dilma
Terra
Foto: Foto: Thiago Tufano / Terr
Dona Eliza mora em Osasco em uma casa construída num terreno de três mil metros quadrados
Unhas
pintadas, colares, pulseiras, anel, 104 anos de idade, muita simpatia e
histórias para contar. Eliza Bertucho Carrara nasceu em 19 de setembro de 1909
em Espírito Santo do Pinhal (SP) , e hoje mora em uma casa num terreno de
três mil metros quadrados em Osasco. Nas paredes, quadros pintados pela
própria Dona Eliza há pouco mais de dez anos fazem a decoração da
grande residência, que mais parece um sítio em plena Região Metropolitana
de São Paulo.
A memória de uma das mais velhas eleitoras do Brasil, apesar de
às vezes falhar, é exercitada de uma maneira simples, mas apaixonada.
A senhora uniu o útil ao agradável e coloca no papel a admiração que tem
pela presidente e candidata à reeleição Dilma Rousseff (PT), transcrevendo
reportagens e entrevistas que a petista concede. Ao todo são cerca de 800
folhas divididas em sete cadernos, sem contar as dezenas de jornais
guardados. Lula também é lembrado nos registros, porém em menor número. São
“apenas” 300 folhas de anotações sobre o político.
Ex-motorista de transporte escolar, apesar de ainda ter sua
carteira nacional de habilitação válida e possuir uma Variant azul, durante a
entrevista Eliza esteve acompanhada de perto pela filha mais nova Abigail, que olhava
para a mãe com um misto de admiração e orgulho. Abigail começa a ouvir então os
motivos da paixão de sua mãe por Dilma. “Ela se abre. Faz coisas bonitas,
porque ela é sincera. Quando a ofendem, a gente percebe. A fisionomia dela muda
completamente. A pessoa que é cínica não muda e ela muda. Eu percebo isso. Ela
fala, mas está sentindo dentro dela que foi ofendida”, diz Dona Eliza,
entre algumas reclamações de dores no joelho. “Eu acho que a Dilma é uma mulher
sincera. Ela não é fingida e fala o que tem que falar”.
Ao ser perguntada quando e por qual motivo começou a fazer os
registros nos cadernos, Dona Eliza não se recorda precisamente, mas
afirma que a presidente já estava eleita quando as anotações
começaram.
“O povo gosta muito de falar mal. Falar mal disso e daquilo. Eu
fiquei prestando atenção. Como pode a pessoa falar mal um do outro e aparecer
na TV? E ela (Dilma) não fala mal de ninguém, ela se defende. Mas falar que
fulano é isso, fulano é aquilo. Não”, diz. “Ela trata o Lula como padrinho. Ele
é sincero. Levanta a cabeça e fala. Eles ficam falando que vão descobrir o que
o Lula fez e não fez, então vai descobrir, oras”, reclama. “Quando eu vi que
ela falava muita coisa interessante, peguei o caderno e de repente eu comecei a
guardar os jornais e escrever. Às vezes fico oito horas lá escrevendo. Eu adoro
escrever. Quando a caneta acaba, pego outra porque ultimamente as canetas não
estão boas”.
Sentada e sem soltar a bengala das mãos, a aposentada começa a
falar de seus três filhos (dois já falecidos), sete netos, 13
bisnetos e um tataraneto. E lembra com detalhes de como eram as
eleições no começo da democracia brasileira “Eram melhores. Hoje
não sabemos nada porque (os candidatos) só falam mal dos outros. Antes não
tinha nada disso. Votávamos para aqueles que víamos que estavam fazendo coisas
bonitas, bem feitas”, afirma. Após alguns segundos de raciocínio, Eliza volta a
falar sobre o pleito. “Nunca tive essa coisa de entusiasmo por ninguém. Toda
vez que votei, votei por obrigação, mas agora parece que vou votar para a
pessoa que eu gosto”, diz, referindo-se a Dilma. “Eu não perco a ideia das
coisas. Eu lembro de tudo. Dia 19 vou fazer 105 anos”, ressalta.
Ela conta que, apesar de ter votado “por obrigação” já que
trabalhava para o Exército e os militares exigiam título de eleitor em dia, se
divertia muito no dia da votação. “Eu ficava o dia inteiro na rua, porque
gostava de ver aquele movimento, daqui para lá. Parava no bar, tomava uma
coisa, parava no outro. Era assim, uma festa. Hoje as pessoas vão votar e já
correm pra casa. Hoje nem sei como é mais”.
O amor por Dilma só é comparado à admiração que Eliza sente por
Alberto Mourão, que cumpre pela quarta vez o mandato de prefeito de Praia
Grande, litoral de São Paulo. “O Mourão é igual a Dilma para mim. Não sei se
você conhece a Praia Grande, mas não tinha nada lá antes. Você ia na praia,
sentava, comia um lanche. Depois que ele entrou, teve de tudo, barracas
grandes, cadeiras. Foi o Mourão que fez isso. Eu o conheci pegando água na
bica, porque em casa não tinha água”, conta Eliza, que ainda possui um
apartamento na cidade.
Apesar do amor pela petista, capaz até mesmo de deixar sua
novela de lado para se dedicar à candidata e assistir aos programas eleitorais
na TV, a aposentada prefere não usar de sua simpatia e capacidade de persuasão
para convencer os mais próximos a votar em Dilma. “Eu não falo nada para as
pessoas. Só falo o seguinte: ‘Você quer viver em paz? Você quem sabe. Vote em
quem você acha melhor’. Mas não tento convencer as pessoas. Só falo que
precisamos prestar atenção como ela é”.
“O que
a senhora acha da política de hoje?”. Um suspiro e a resposta. “Hoje é muita
falsidade, as pessoas são muito interesseiras. Antes não havia muito fanatismo
e hoje tem. Isso é ruim. (Marina) não me entra em simpatia. Esse pessoal é
muito desinteressado e a Marina está fazendo as coisas por pique, para ganhar,
mas é uma pena porque ela não vai ganhar. Quem ganha é a Dilma, tenho certeza”.
Conhecer
pessoalmente Dilma Rousseff, citada incontáveis vezes durante as duas horas de
conversa com Dona Eliza, está nos sonhos da aposentada. É por isso que o
jornalista Julinho do Carmo tenta um encontro da eleitora de 104 anos com a
presidente da República. O repórter está em contato com os assessores da presidente
para tornar isso realidade. “A primeira coisa que vou fazer é entregar
todos os cadernos para ela. Em cada caderno vou escrever: ‘esse é meu presente
para você ficar na política e tratar de quem merece com todo amor que tem na
sua vida’. Vou fazer uma dedicatória para ela em cada um. Dizer que na hora que
estou escrevendo no quartinho, só estou pensando nela, em mais ninguém. Que ela
vai ganhar e ajudar as pessoas que precisam. Principalmente as crianças que
viviam jogadas na rua. Não vou pedir nada. (...) Tenho tudo guardado na
minha casa. Se falar mal de você, tenho aqui, se falar bem, tenho aqui. Mas o
essencial é que eu gosto de você”, disse, emocionando a filha Abigail.
Com a
ajuda de sua bengala e da filha, Eliza decidiu mostrar o quarto onde se
dedica horas e horas a Dilma. Com a luz do abajur acesa e sentada perto da
janela, a aposentada começa a “trabalhar”. Logo depois de fazer a demonstração,
Dona Eliza se levanta, apoia na mesa e faz um comentário sobre futebol. “A
senhora gosta de futebol?”. “Olha, eu não gosto muito, mas o que fizeram com o
menino lá na Copa foi triste, hein? Dar uma joelhada nas costas de propósito
não pode”.
“Vocês
são muito simpáticos. Minha dor no joelho até melhorou depois da nossa
conversa”, comemorou Eliza, antes de nos convidar para um churrasco após as
eleições, quando, segundo ela, Dilma será “a dona do mundo”. “Mas agora vamos
tomar um cafezinho..." "O tempo passa, né? Vocês não sabem
quantas histórias tenho para contar. Essa menina (Abigail) nasceu entre dois
soldados no meio da revolução de 1932...". (Olhar Direto)
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