IMPRENSA AMORDAÇADA
Por Ricardo Alcântara*
A justiça no Brasil enfrenta um sério adversário: os juízes de primeira instância, vulneráveis a pressões e assédios de toda sorte. O problema é mais grave quando suas decisões solapam preceitos constitucionais, como, por exemplo, a liberdade de expressão.
A edição recente da revista Isto É saiu de circulação por ordem, vejam só, de uma juíza da Vara da Família (é quem estava de plantão) porque trazia a informação de que o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa havia citado o governador do Ceará no seu depoimento.
A juíza impediu que a revista, segundo ela, “veicule fatos desabonadores a Cid Gomes”. Isto É não cometeu aquele “crime”, se o é, por si. A revista não acusou o governador de nada! Apenas registrou uma informação: ele houvera sido citado no depoimento do réu.
Citado, qualquer cidadão pode ser a qualquer momento em algum depoimento em juízo. O julgo de responsabilidade, porém, só principia com a apresentação de indícios. Citados, vários outros governadores foram, inclusive o falecido Eduardo Campos, de Pernambuco.
Eles integram uma longa lista, oferecida pelo ex-diretor em regime de “delação premiada”, como agentes públicos que teriam recebido, segundo a versão pessoal de um réu confesso, favorecimento financeiro como partícipes de uma rede de tráfico de influência. Ele diz.
Não só estes. Figura de maior expressão, Lula também foi citado: segundo Paulo Roberto, eram frequentes seus encontros com o ex-presidente para tratar do esquema e, até agora, Lula não cogitou de se submeter ao desgaste, maior, de cercear a liberdade de imprensa.
Importante ainda destacar que, antes de publicar a matéria, Isto É quis ouvir o governador, a quem dirigiu duas perguntas esclarecedoras: se ele confirmava as relações com o réu e se o diretório partidário liderado por ele recebeu recursos do esquema noticiado.
A juíza, uma plantonista, acatou argumento de que as informações não deveriam ser divulgadas, pois fornecidas em “segredo de justiça”, decisão contrária ao que já fora firmado pelo próprio Supremo Tribunal Federal: segredo de justiça não alcança a imprensa.
A reação de Cid Gomes lhe trouxe quatro problemas que ele não tinha: o primeiro é que cercear a liberdade de expressão é uma atitude simbolicamente estigmatizada numa sociedade que guarda péssimas lembranças de duas décadas e meia sob um regime de terror.
É de efeito ainda mais incerto no curso de um período eleitoral, quando os adversários estão mobilizados para provocar desgastes. E pior: seu candidato, do PT, fundado e dirigido por vítimas da ditadura militar, herda um legado de tolerância que deve ser observado.
Em segundo lugar, Cid apenas conseguiu jogar ainda mais luzes sobre uma denúncia que poderia relativizar, por exemplo, emitindo uma nota que descredenciasse o apreço à verdade de seu acusador a partir de sua própria condição moralmente desfavorável: é réu!
Três: Ao tentar calar a denúncia de modo autoritário, incorreu na tola ilusão de que com isso encerraria o caso, quando, de fato, deu a ele um potencial de multiplicação ainda maior, argumento facilmente comprovado pela própria existência deste artigo que escrevo.
Por fim, colocou-se na prontidão rígida do pânico, mais próprio a quem teme ver reveladas verdades inconvenientes do que àqueles que, inocentes de fato, costumam reagir com a maior serenidade de quem se sente seguro de suas salvaguardas de defesa.
Cid Gomes iniciou seu mandato com um escândalo de ampla divulgação na imprensa nacional: o voo de férias em jato particular ao lado da sogra, entre outros. E vai terminar com outra notícia desabonadora na grande mídia: como um ditadorzinho do semiárido.
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quarta-feira, 17 de setembro de 2014
Mexeu, fedeu
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