O traficante internacional de drogas Enoque Antônio, que atuava em Pernambuco, mas se passava por empresário da construção civil no Ceará, utilizando-se do nome falso de Marcelo Alencar Leite de Souza e que matou, dirigindo alcoolizado, a gestante de 29 anos Camila Lopes Simão, no Bairro Curió, em Fortaleza, em 2013, foi condenado "juntamente com seus comparsas", para utilizar as palavras do Juiz Federal da 12ª Vara Federal de Pernambuco, Cesar Arthur Cavalcanti de Carvalho, a 55 anos e dois meses de reclusão pelos crimes de Associação para o tráfico, tráfico de drogas e lavagem de dinheiro. A sentença foi prolatada no último dia 19 de dezembro de 2017.
Apesar de ter sido preso em flagrante após matar a gestante em colisão causada por uma ultrapassagem forçada dirigindo um Audi Q5, que estava em nome de seu advogado, o pernambucano Marcelo Tigre, que o defendeu naquele caso e de ter sido indiciado, segundo a reportagem do Jornal "O Povo" de 20/12/2013 (Leia AQUI), pelos crimes de homicídio qualificado, corrupção ativa, desobediência, uso de entorpecentes, dentre outros do Código de Trânsito Brasileiro, Enoque Antônio, sob o nome falso de Marcelo Alencar, foi solto, pelo desembargador Francisco Pedrosa, da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Ceará, acatando um pedido de Habeas Corpus impetrado por seu advogado. O advogado argumentou que a prisão fora ilegal "por falta de provas" e o desembargador Francisco Pedrosa "engoliu".
Francisco Pedrosa é um dos desembargadores cearenses denunciados pelo Ministério Público Federal por venda de Habeas Corpus a traficantes e que foi alvo da Operação "Expresso 150", da Polícia Federal (Leia em MPF denuncia três desembargadores e mais 11 citados na Expresso 150). Curiosamente, a esposa do desembargador Francisco Pedrosa também figura entre os denunciados pelas vendas de decisões judiciais do Tribunal de Justiça do Ceará.
Agora, passados exatamente quatro anos daquele crime infame, eis que o Juiz Federal da 12ª Vara Federal, em Pernambuco, Dr. Cesar Arthur Cavalcanti de Carvalho, condenou justamente o falso empresário - na verdade um traficante internacional de drogas - e seu advogado, por lavagem do produto obtido com o tráfico de drogas mediante a aquisição daquele mesmo Audi Q5 utilizado para matar a jovem Camila Lopes Simão.
Tudo começou com o desencadeamento da "Operação Construtor", da Polícia Federal, em Pernambuco, para desbaratar uma organização criminosa dedicada ao tráfico internacional de drogas e à lavagem de dinheiro.
Na ocasião, 45 agentes federais cumpriram quatro mandados de prisão e três de busca e apreensão no Recife, dos quais três destinados a suspeitos já encarcerados em uma das unidades do Complexo Prisional do Curado, por venda de entorpecentes.
Além do Recife, a Operação Construtor teve ações em Fortaleza (CE), local onde residia o líder da organização criminosa, Enoque Antônio Rodrigues, que de acordo com a sentença, usava a atividade de construção civil como fachada e para "lavagem" dos recursos obtidos ilicitamente com o tráfico, João Pessoa (PB), onde o líder da organização possuía imóveis destinados à lavagem e Foz do Iguaçu (PR), por onde as drogas ingressavam no território nacional.
Durante a Operação, o advogado do líder da organização criminosa, Marcelo Tigre, foi alvo de mandados de busca e apreensão em sua residência e escritório, com a apreensão de três veículos que estavam em seu nome.
Além disso foram efetuados o bloqueio de oito contas bancárias de pessoas físicas e jurídicas, bem como o sequestro de oito imóveis, sendo seis no Ceará e dois na Paraíba. Houve a quebra de sigilos fiscais de quatro pessoas físicas e jurídicas.
As investigações foram desencadeadas pela Delegacia de Repressão a Drogas em 2014. Foi naquele momento que os policiais federais identificaram a organização criminosa que era comandada pelo traficante Enoque Antônio, que se passava, pela utilização do nome falso de Marcelo Alencar Leite dos Santos, por empresário da construção civil no Ceará, para trazer a cocaína da área de fronteira para o Recife e para lavar os recursos obtidos com a atividade de tráfico internacional de entorpecentes, mediante a aquisição de imóveis e veículos automotores, um deles o Audi Q5 que embora estivesse em nome do advogado do traficante Enoque Antônio (Marcelo Alencar), o pernambucano Marcelo Tigre, era utilizado por aquele, em Fortaleza.
Três envolvidos que já estavam presos na capital pernambucana, segundo a PF, foram alvo de uma operação em agosto de 2014. Eles acabaram presos com 24 quilos do entorpecente, em uma pousada de Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife. Na ocasião, um químico contratado pela quadrilha tentava melhorar a qualidade da cocaína que se mostrava imprestável para o consumo.
O mesmo se passando com outro veículo da marca Sportage, que embora estivesse no nome do advogado, era utilizado pelo líder da Orcrim, Enoque/Marcelo. Diz a sentença:
"A campana policial efetivada no encalço de ENOQUE (traficante internacional de drogas) e seus comparsas, trouxe a lume o uso por aquele de um automóvel de alto padrão (digo isso porque incompatível com a ausência de rendimentos do mesmo) em nome de MARCELO TIGRE, qual seja, Sportage, cor branca, placa PGC 7247, utilizado para conduzi-lo até outros criminosos e tratarem de uma grande remessa de drogas que deu 'problema'.
Em verdade, o carro era utilizado por ENOQUE como se seu fosse, ou seja, dava a ele a destinação que lhe aprouvesse.
Até aí se vislumbrava apenas o fio solto, mas não tardou para que o aprofundamento das investigações apontasse outro automóvel de alto padrão (Audi Q5) e, curiosamente, também em nome de MARCELO TIGRE, no cenário criminoso da vida de ENOQUE, quando se envolveu em uma colisão com vítima fatal (grávida de 08 meses), na qual este estava sob o efeito de álcool.
Nesse evento específico, MARCELO TIGRE não apenas figurou como possuidor do bem, como atuou como advogado de ENOQUE no processo criminal contra este instaurado, ocasião em que este se apresentou como MARCELO ALENCAR (uma das identidades falsas de ENOQUE).
Mesmo tendo conhecimento da identificação falsa, consentiu na defesa do mesmo, não importando a quantidade de atos que efetuou, mas sim a qualidade e ciência dos fatos que os circundaram.
Prosseguindo nos autos e nas investigações se vislumbra que MARCELO TIGRE é citado por outros réus envolvidos no tráfico de drogas e associação para o tráfico, seja orientando a evitarem o monitoramento policial, seja como referência na defesa dos mesmos (fls. 509/513 - WILSON, fls. 542/544 - JULIO CESAR), ambos comparsas de ENOQUE."
Para condenar o advogado do traficante Enoque Antônio a dez anos de reclusão por lavar o produto das atividades ilícitas de seu cliente, o Juiz Federal Cesar Arthur Cavalcanti de Carvalho destacou que "a conduta empenhada por MARCELO TIGRE de trazer aparência de licitude a proveito de crime, maquiando-lhe a origem, a localização, a disposição e a propriedade de bens, direitos e valores oriundos de delito, superou seus intentos ao albergar condutas delituosas efetivadas pelo réu ENOQUE, fonte dos proventos, enquanto MARCELO ANTÔNIO e/ou MARCELO ALENCAR, demonstrando que seus intentos superaram o redarguir e alcançaram a seriedade de juntar e alegar provas reconhecidamente falsas aos processos em que atuou em favor daquele, em total descaso com as autoridades e desrespeito a qualquer ordem moral e legal, nomeadamente enquanto representante de uma classe de profissionais que auxiliam e fazem parte da Justiça."
Leiam trecho de Sentença referente à participação do Advogado no esquema:
"Tenta se fazer valer da torpeza utilizada enquanto conhecedor da lei e dos bastidores de financiamentos e financiadoras, para galgar lucros infundados nas negociatas com carros, quando não tratou da perpetração de outros crimes, como no caso dos carros supostamente negociados com ENOQUE.
"Antes de mais nada, importa elucidar que os crimes aos quais respondeu ENOQUE, convergem em tráfico de drogas, sejam elas crack ou cocaína, além de outros delitos relacionados a essa prática.
Apesar disso, afirma e reafirma em seu interrogatório que conhecia ENOQUE como MARCELO ANTÔNIO, juntando cópia da sentença de processo em que atuou em defesa de MARCELO ANTÔNIO, datada de 17/06/2013, embora assevere que o defendeu desde sua prisão em flagrante na "especializada", ocorrida em 25/03/2011 (fls. 212/236).
Encena ao fazer questão de se dirigir ao réu ENOQUE como MARCELO ANTÔNIO, e mais, assevera com veemência que assim que "descobriu" a conduta de utilização de identidade falsa por ENOQUE, segundo ele, quando este se identificou como MARCELO ALENCAR, na ocasião do acidente automobilístico com vítima fatal, em 14/12/2013 (fls. 730/732 do IPL), não mais assentiu em dar seguimento à representação.
Dito de outra forma, alega que sempre defendeu MARCELO ANTÔNIO, nos processos em que este respondeu por tráfico de drogas, sem saber que era ENOQUE ou MARCELO ALENCAR.
Tal assertiva de logo cai por terra, quando da simples leitura dos trechos acima descritos e comparativo de datas (consoante conjunto probatório dos autos), ou seja, não apenas sabia que ENOQUE era a mesma pessoa que MARCELO ANTÔNIO e MARCELO ALENCAR, que os representou em diversas ocasiões em processos variados."
"Como experiente advogado criminal jamais aceitaria representar quem quer que fosse sem que antes analisasse provas e fatos (ao menos), de modo que fulcrada no vazio está sua alegação de que não sabia serem ENOQUE, MARCELO ANTÔNIO e MARCELO ALENCAR a mesma pessoa."
"Não somente isso, aclara que existia um acordo financeiro com repercussões mensais, cujo valor era recebido "em espécie", apesar de residirem em estados diversos e ambos terem contas bancárias. "
"Se era tão ocupado e cheio de atribuições, agora alegar que tinha que ir "pessoalmente" na suposta loja, casa ou comércio de ENOQUE para receber das mãos dele seus honorários "em dinheiro" é um pouco demais para uma simples transação profissional. "
"E mais, a suposta simples tratativa profissional progrediu para a inclusão de automóveis no "negócio", mas não eram carros comuns, antes carros de luxo, quais sejam, Audi Q5 e uma Sportage."
"Ademais, os valores concernentes aos automóveis também estavam incluídos na entrega constante e periódica de numerário, "em espécie", a MARCELO TIGRE, posto que as parcelas permaneciam sendo pagas por ele e não pelo suposto comprador, representando mais uma justificativa para receber valores diretamente de ENOQUE e assim garantir que este usufruísse dos bens ainda que ocultadas e dissimuladas a origem, a localização, a disposição e propriedade de bens, direitos e valores dos mesmos. "
"Outrossim, note-se que ENOQUE esteve preso até 2011, depois de vários anos encarcerado ou procurado pelas autoridades (porque evadido por um tempo), todos esses pormenores conhecidos por MARCELO TIGRE, mas ainda assim este alega que ele tinha renda estável e confiável a ponto de ceder negócio em seu nome, envolvendo veículos de luxo, que resultou no cometimento de mais um crime, desta feita, homicídio de uma jovem grávida de 08 meses, durante a condução do referido Audi Q5."
"E mais, desse evento, outro mais surpreendente surgiu, qual seja, em face do acidente automobilístico grave, resolveu "premiar" ENOQUE com um carro quase zero de luxo até então somente utilizado por sua esposa (segundo defende), que foi comprado zero para presenteá-la.
Então, em face de ENOQUE ter conduzido embriagado um outro carro de luxo e ceifado a vida de uma jovem, entregou-lhe outro e ficou com o carro acidentado em lugar do quase zero.
De fato, nada crível."
"Por fim, o argumento de que a compra dos carros se deu mediante contratos lícitos em que figurou como adquirente em nada altera a configuração do delito de lavar ou branquear, até mesmo porque, consoante acima referido, o crime de lavagem se desdobra em um processo (conjunto de atos), que em sua maioria envolve transações lícitas, muitas vezes com prejuízo para as partes, mas que ao final garanta a aparência de licitude ao capital originalmente ilícito e assim permita o uso e fruição do proveito do crime. "
"Sua atuação foi importante e decisiva no esquema delituoso que contava com a necessidade de lavar/branquear o capital oriundo de crimes, nomeadamente tráfico de drogas comprovado, e assim possibilitar aos seus autores a fruição de tais valores, permitindo que o ciclo criminoso permanecesse em movimento, posto que esses valores servem tanto para fruição de seus autores quanto para a manutenção do crime."
"Então, restaram perfeitamente delineadas e confirmadas pelo largo acervo probatório a prática do crime de lavagem de dinheiro por parte de MARCELO TIGRE, em duas ocasiões (referentes aos automóveis Kia Sportage, cor branca, placa PGC 7247, e Audi Q5, placa NXU 0050)."
LEIA AQUI A ÍNTEGRA DA SENTENÇA
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