sexta-feira, 26 de abril de 2019

Subprocurador questiona MP que retira da Funai demarcação de terras indígenas


Representantes dos povos indígenas vaiaram representantes do governo. Presidente do Incra defendeu o fim de intermediários entre indígenas e o governo federal
Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
Audiência pública sobre o papel dos povos indígenas na proteção do meio ambiente e desenvolvimento sustentável
A audiência pública conjunta de três comissões teve a presença de lideranças indígenas e de representantes do governo e do Ministério Público Federal
O subprocurador-geral da República Antonio Bigonha questionou nesta quinta-feira (25) a decisão do governo federal de transferir a Fundação Nacional do Índio (Funai) do Ministério da Justiça para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, comandado por Damares Alves.
Na avaliação de Bigonha, a primeira medida provisória editada pelo presidente Jair Bolsonaro (MP 870/19) desconsidera diferenças explícitas na Constituição entre a atividade produtiva indígena e a atividade econômica em geral.
Segundo a medida provisória, a Funai também deixa de ter como atribuição a demarcação de terras indígenas, que passará a ser feita pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), vinculado à pasta da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que tem como ministra Tereza Cristina.
Sobre esse ponto, Bigonha citou um inquérito concluído em 1967 sobre a atuação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) – órgão que antecedeu à Funai e era vinculado ao Ministério da Agricultura. “Eram terríveis as atividades do SPI contra os indígenas. O índio era vítima de criminosos, que impuseram a eles escravidão e torturas contra adultos e crianças”, disse.
Os deputados Edmilson Rodrigues (Psol-PA) e Joenia Wapichana (Rede-RR), que sugeriram o debate, acusaram o governo de querer, com a MP 870/19, eliminar os povos indígenas. “Acabar com essas etnias é permitir que eles dominem, explorem, e obtenham lucro”, disse Rodrigues. “A resistência permanecerá enquanto houver um único indígena vivo”, desafiou Rodrigues.
Como a primeira deputada indígena do País, Joenia Wapichana disse que a MP 870/19 desmantelou o órgão indigenista nacional. “Enquanto houver resistência, haverá existência”, disse Wapichana.
Vaias
Representando a Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Davi Calazans, que substituiu Damares Alves, justificou a mudança na Funai argumentado que “um ministério que tem como função combater o crime” não poderia “gerir a Funai”.
Por diversas vezes, ao citar a ministra como defensora dos povos indígenas, Calazans foi vaiado por índios de diversas etnias que acompanhavam a audiência pública conjunta das comissões de Direitos Humanos e Minorias; de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia; e de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. “Nunca na história deste País os povos indígenas tiveram tanto protagonismo. A ministra tem uma paixão pelas comunidades originárias”, disse Calazans, seguido por vaias.
O presidente do Incra, general João Carlos Corrêa, por sua vez, disse que a MP 870/19 reorganiza o Estado brasileiro. Ele defendeu o caráter técnico e especializado do instituto em questões fundiárias. “Por isso, todas as demarcações, incluindo as terras dos povos quilombolas, estão concentradas no órgão”, disse. Corrêa declarou ainda que o Incra está à disposição de todos os povos indígenas legítimos. “Não queremos intermediários entre indígenas e o governo federal”, disse.
Coordenadora executiva da Articulação Nacional dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sonia Guajajara rebateu as declarações do governo e lembrou que o presidente Jair Bolsonaro já declarou que não pretende demarcar terras indígenas. “Temos centenas de iniciativas próprias de produzir, mas vocês não querem conhecer. Estão adotando apenas um único modelo que interessa a vocês, da mineração, da monocultura. Queremos a garantia do nosso modo de vida”, disse Guajajara, que foi aplaudida de pé pela plateia, aos gritos de “demarcação já” e “quem não pode com a formiga, não assanha o formigueiro”.
Via Judicial
Líder da oposição, o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) disse que a medida provisória está marcada por desvio de finalidade. “Vamos tentar reverter isso durante a análise da MP na comissão especial. E, se não for possível, voltaremos ao Supremo, que haverá de reafirmar o que o constituinte originário estabeleceu na Constituição”, disse.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, considera mais racional a permanência da Funai no Ministério da Justiça. Maia se ofereceu para auxiliar no diálogo entre os povos indígenas e os ministérios.
Ontem, quarta-feira (24), o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), rejeitou pedido do PSB para devolver à Funai a atribuição de demarcar terras indígenas.
Com informações da Agência Câmara Notícias

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