Por Noélia Brito, especial para o Blog de Jamildo
Repete-se, desta feita, em versão ampliada, a batalha judicial entre dirigentes da Prefeitura do Recife, construtoras e o Ministério Público, para que o Judiciário decida se interesses privados devem ou não se sobrepor aos públicos, nem que para isso travistam-se das vestimentas destes últimos.
Muitos lembram do rumoroso caso das “Torres Gêmeas”, edifícios Pier Maurício de Nassau e Pier Duarte Coelho, que reinam absolutas, ali no Cais de Santa Rita, obra da mesma Construtora Moura Dubeux, que hoje integra o Consórcio Novo Recife, juntamente com a Queiroz Galvão e que pretende levar adiante um empreendimento em outro Cais, o José Estelita, composto de várias torres, residenciais e comerciais.
Naquela oportunidade, o Ministério Público Federal ingressou com uma Ação Civil Pública e obteve liminar, na oportunidade, deferida pelo Juiz Federal Hélio Ourem. A leitura do processo é de arrepiar e mostra bem o porquê de todas as desconfianças da sociedade civil quanto aos reais motivos do afastamento da Promotora de Justiça Belize Câmara, após ter cometido o “atrevimento” de mexer com interesses tão “relevantes” como os “Interesses públicos” representados por construtoras como a Moura Dubeux.
Aqui, só vou falar de documentos oficiais e de processos judiciais devidamente publicados, para não correr o risco de que desapareçam misteriosamente. Que fique de logo registrado.
Pois muito bem. Para se ter uma ideia da gravidade do que fez a Promotora Belize, ao entrar com uma Ação Civil Pública e ainda obter uma liminar impedindo a continuidade de um empreendimento tão relevante aos interesses de certo público, quero dizer, do interesse público, basta fazer a leitura da transcrição de um telefonema dado pelo sr. Gustavo Dubeux, um dos proprietários do empreendimento Novo Recife, para o Juiz Federal Hélio Ourem, que também se atreveu a dar uma liminar mandando suspender a construção das Torres Gêmeas, telefonema este que foi testemunhado por várias pessoas e confirmado por quebra de sigilo telefônico, segundo registro nos autos da Ação Cautelar apensa à ACP 2005.83.00.004462-1: “29. Insistia o Sr. GUSTAVO JOSÉ MOURA DUBEUX que eu não desligasse. 30. A minha primeira atitude foi a de dizer-lhe que se dirigisse, conjuntamente com o seu advogado, até o meu Gabinete, pois, sem nenhum problema, o atenderia. Insisti bastante nisto, inclusive em atenção à referida Juíza desta Seção Judiciária. Eles não compareceram. 31. Depois, insisti para que me dissesse como conseguiu o meu telefone funcional. A resposta que tive foi a de que ele possuía muitos meios, pois era uma pessoa de forte influência política em vários setores da sociedade pernambucana, e que me faria sofrer o peso das suas relações sociais.”
“Uma pessoa de forte influência política” e capaz de fazer com que aqueles que se interponham em seu caminho, sejam juízes federais, promotores de justiça ou qualquer um do povo, sofram o “peso das suas relações sociais”, esse, pelo que se denota dos autos da ação que, com o auxílio luxuoso da procuradoria do Município do Recife, garantiu o erguimento das Torres Gêmeas do Cais de Santa Rita, é o cartão de visitas apresentado pelo hoje representante do Consórcio Novo Recife.
Por que falo em auxílio luxuoso? Devo me explicar antes de ser mal interpretada. É que ali como aqui, no caso do empreendimento Novo Recife, também houve a intervenção da procuradoria do Município do Recife, com pedidos de suspensão de liminares, medida judicial exclusiva do Poder Público, porque só cabível quando presente interesse público manifesto e que é requerida diretamente ao presidente do Tribunal competente para julgar o caso.
Mas o fato é que por causa desse pedido feito pelo Município, para que o presidente do Tribunal Regional Federal suspendesse a liminar que sobrestava o processo de licenciamento do Novo Recife, o presidente da Corte se manifestou em uma decisão que é o retrato exato de Pernambuco dos dias atuais.
Em sua decisão, o eminente desembargador federal presidente, afirma que o Poder Judiciário, através da liminar do douto Juiz da 12ª Vara Federal estaria a interferir “violentamente na gestão administrativa municipal, impondo ritos e rigores que, à margem da legislação do próprio Recife causam embaraços a projeto importante para o desenvolvimento urbano da cidade”. Mais adiante, o presidente do TRF da 5ª Região chega a vaticinar que o empreendimento do Sr. Gustavo Dubeux, aquele do cartão de visitas acima mencionado, é um projeto “há tempo aguardado – sem exageros – por toda a sociedade recifense.”
Após ler a assertiva do presidente do TRF da 5ª Região sobre a importância do Novo Recife fui tomada por uma desconfiança de que talvez ele tenha ciência de coisas que os demais cidadãos não tenham e que, talvez, só talvez, seja por isso que a prefeitura tenha se recusado a fornecer ao Blog de Jamildo, o inteiro teor de sua peça de defesa do empreendimento, pois afirmar que um empreendimento privado, a construção de alguns prédios de luxo, que sequer são destinados a resolver o gravíssimo déficit habitacional da cidade, é algo esperado pela totalidade da sociedade dessa metrópole, uma das principais do país, como ele mesmo fez questão de destacar, só pode ser um grande deboche com a cara dessa mesma sociedade ou então o projeto prevê, na verdade, a construção de milhares de casas populares para a população de baixa renda, por isso que se fala tanto em interesse público manifesto e nós é que não sabemos de nada. Se for isso, mil perdões por estragar a surpresa.
Mas o que me causou mais preocupação do que a já preocupante e reiterada utilização de pedidos de suspensão de liminares para a defesa de interesses eminentemente privados, foi o argumento utilizado pelo presidente do Tribunal de que tanto o Ministério Público, quanto o Judiciário estariam “violentamente” se intrometendo nos assuntos do Executivo municipal e tudo à margem da própria legislação municipal.
Ora, esse mesmo argumento, amanhã servirá, por exemplo, para justificar que nada se possa fazer para barrar a aplicação do teratológico Decreto nº 26.723, de 10 de outubro de 2012, que o ex-prefeito João da Costa assinou nos últimos dias de seu famigerado mandato e pelo qual autoriza a exploração da Ilha do Zeca, uma Área de Preservação Permanente, pela especulação imobiliária, inclusive, não só com a construção de torres residenciais de até 28 pavimentos, mas até casas de espetáculos, museus e auditórios, como está dito expressamente no decreto, de uma minúcia redacional que só dispensou nomes, CPFs e CNPJs, pois isso poderá ser considerado uma intromissão “violenta na gestão administrativa municipal”, ainda mais quando sabemos que no http://www.moreiralima.arq.br/projetos/ já está o projeto anunciado e que este se encontra em análise nos órgãos de controle da Prefeitura do Recife.
A inversão de valores no “absurdistão” em que se transformou Pernambuco chegou a níveis tais, que semana passada a Câmara devolveu e a Prefeitura recebeu, sem nenhum questionamento, o projeto de lei de regulamentação do chamado Polo Jurídico. Trata-se de um empreendimento de impacto, este sim, público, onde se reuniria numa mesma área, na Ilha Joana Bezerra, vários prédios de órgãos essenciais à justiça, Fóruns, Tribunal de Justiça, Ministério Público, Defensoria Pública e OAB, por exemplo. Não entro no mérito do projeto, nem na forma de sua execução, ainda. A finalidade, em princípio seria a de facilitar o acesso da população à justiça, mediante a reunião desses órgãos num mesmo espaço.
A Câmara do Recife e a Prefeitura chegaram à conclusão de que deveriam tirar o projeto que regulamenta o Polo Jurídico de pauta porque continha algumas irregularidades formais que deveriam ser sanadas, tal preocupação é louvável, mas não foi demonstrada quando no trato dos empreendimentos privados, segundo demonstram, pelo menos, as ações do Ministério Público. Mas, principalmente, o projeto foi devolvido porque era um projeto de impacto e já existem outros projetos de impacto para a região, em andamento, que são mais prioritários, todos privados, por mais incrível que isso possa parecer. Falaram justamente do Novo Recife, esse que é o anseio de “toda a sociedade recifense”, segundo o presidente do TRF, a Arena do Sport e por que não dizer, a Ilha do Zeca, não é mesmo?
Noelia Brito é advogada e procuradora do Município do Recife
Repete-se, desta feita, em versão ampliada, a batalha judicial entre dirigentes da Prefeitura do Recife, construtoras e o Ministério Público, para que o Judiciário decida se interesses privados devem ou não se sobrepor aos públicos, nem que para isso travistam-se das vestimentas destes últimos.
Muitos lembram do rumoroso caso das “Torres Gêmeas”, edifícios Pier Maurício de Nassau e Pier Duarte Coelho, que reinam absolutas, ali no Cais de Santa Rita, obra da mesma Construtora Moura Dubeux, que hoje integra o Consórcio Novo Recife, juntamente com a Queiroz Galvão e que pretende levar adiante um empreendimento em outro Cais, o José Estelita, composto de várias torres, residenciais e comerciais.
Naquela oportunidade, o Ministério Público Federal ingressou com uma Ação Civil Pública e obteve liminar, na oportunidade, deferida pelo Juiz Federal Hélio Ourem. A leitura do processo é de arrepiar e mostra bem o porquê de todas as desconfianças da sociedade civil quanto aos reais motivos do afastamento da Promotora de Justiça Belize Câmara, após ter cometido o “atrevimento” de mexer com interesses tão “relevantes” como os “Interesses públicos” representados por construtoras como a Moura Dubeux.
Aqui, só vou falar de documentos oficiais e de processos judiciais devidamente publicados, para não correr o risco de que desapareçam misteriosamente. Que fique de logo registrado.
Pois muito bem. Para se ter uma ideia da gravidade do que fez a Promotora Belize, ao entrar com uma Ação Civil Pública e ainda obter uma liminar impedindo a continuidade de um empreendimento tão relevante aos interesses de certo público, quero dizer, do interesse público, basta fazer a leitura da transcrição de um telefonema dado pelo sr. Gustavo Dubeux, um dos proprietários do empreendimento Novo Recife, para o Juiz Federal Hélio Ourem, que também se atreveu a dar uma liminar mandando suspender a construção das Torres Gêmeas, telefonema este que foi testemunhado por várias pessoas e confirmado por quebra de sigilo telefônico, segundo registro nos autos da Ação Cautelar apensa à ACP 2005.83.00.004462-1: “29. Insistia o Sr. GUSTAVO JOSÉ MOURA DUBEUX que eu não desligasse. 30. A minha primeira atitude foi a de dizer-lhe que se dirigisse, conjuntamente com o seu advogado, até o meu Gabinete, pois, sem nenhum problema, o atenderia. Insisti bastante nisto, inclusive em atenção à referida Juíza desta Seção Judiciária. Eles não compareceram. 31. Depois, insisti para que me dissesse como conseguiu o meu telefone funcional. A resposta que tive foi a de que ele possuía muitos meios, pois era uma pessoa de forte influência política em vários setores da sociedade pernambucana, e que me faria sofrer o peso das suas relações sociais.”
“Uma pessoa de forte influência política” e capaz de fazer com que aqueles que se interponham em seu caminho, sejam juízes federais, promotores de justiça ou qualquer um do povo, sofram o “peso das suas relações sociais”, esse, pelo que se denota dos autos da ação que, com o auxílio luxuoso da procuradoria do Município do Recife, garantiu o erguimento das Torres Gêmeas do Cais de Santa Rita, é o cartão de visitas apresentado pelo hoje representante do Consórcio Novo Recife.
Por que falo em auxílio luxuoso? Devo me explicar antes de ser mal interpretada. É que ali como aqui, no caso do empreendimento Novo Recife, também houve a intervenção da procuradoria do Município do Recife, com pedidos de suspensão de liminares, medida judicial exclusiva do Poder Público, porque só cabível quando presente interesse público manifesto e que é requerida diretamente ao presidente do Tribunal competente para julgar o caso.
Mas o fato é que por causa desse pedido feito pelo Município, para que o presidente do Tribunal Regional Federal suspendesse a liminar que sobrestava o processo de licenciamento do Novo Recife, o presidente da Corte se manifestou em uma decisão que é o retrato exato de Pernambuco dos dias atuais.
Em sua decisão, o eminente desembargador federal presidente, afirma que o Poder Judiciário, através da liminar do douto Juiz da 12ª Vara Federal estaria a interferir “violentamente na gestão administrativa municipal, impondo ritos e rigores que, à margem da legislação do próprio Recife causam embaraços a projeto importante para o desenvolvimento urbano da cidade”. Mais adiante, o presidente do TRF da 5ª Região chega a vaticinar que o empreendimento do Sr. Gustavo Dubeux, aquele do cartão de visitas acima mencionado, é um projeto “há tempo aguardado – sem exageros – por toda a sociedade recifense.”
Após ler a assertiva do presidente do TRF da 5ª Região sobre a importância do Novo Recife fui tomada por uma desconfiança de que talvez ele tenha ciência de coisas que os demais cidadãos não tenham e que, talvez, só talvez, seja por isso que a prefeitura tenha se recusado a fornecer ao Blog de Jamildo, o inteiro teor de sua peça de defesa do empreendimento, pois afirmar que um empreendimento privado, a construção de alguns prédios de luxo, que sequer são destinados a resolver o gravíssimo déficit habitacional da cidade, é algo esperado pela totalidade da sociedade dessa metrópole, uma das principais do país, como ele mesmo fez questão de destacar, só pode ser um grande deboche com a cara dessa mesma sociedade ou então o projeto prevê, na verdade, a construção de milhares de casas populares para a população de baixa renda, por isso que se fala tanto em interesse público manifesto e nós é que não sabemos de nada. Se for isso, mil perdões por estragar a surpresa.
Mas o que me causou mais preocupação do que a já preocupante e reiterada utilização de pedidos de suspensão de liminares para a defesa de interesses eminentemente privados, foi o argumento utilizado pelo presidente do Tribunal de que tanto o Ministério Público, quanto o Judiciário estariam “violentamente” se intrometendo nos assuntos do Executivo municipal e tudo à margem da própria legislação municipal.
Ora, esse mesmo argumento, amanhã servirá, por exemplo, para justificar que nada se possa fazer para barrar a aplicação do teratológico Decreto nº 26.723, de 10 de outubro de 2012, que o ex-prefeito João da Costa assinou nos últimos dias de seu famigerado mandato e pelo qual autoriza a exploração da Ilha do Zeca, uma Área de Preservação Permanente, pela especulação imobiliária, inclusive, não só com a construção de torres residenciais de até 28 pavimentos, mas até casas de espetáculos, museus e auditórios, como está dito expressamente no decreto, de uma minúcia redacional que só dispensou nomes, CPFs e CNPJs, pois isso poderá ser considerado uma intromissão “violenta na gestão administrativa municipal”, ainda mais quando sabemos que no http://www.moreiralima.arq.br/projetos/ já está o projeto anunciado e que este se encontra em análise nos órgãos de controle da Prefeitura do Recife.
A inversão de valores no “absurdistão” em que se transformou Pernambuco chegou a níveis tais, que semana passada a Câmara devolveu e a Prefeitura recebeu, sem nenhum questionamento, o projeto de lei de regulamentação do chamado Polo Jurídico. Trata-se de um empreendimento de impacto, este sim, público, onde se reuniria numa mesma área, na Ilha Joana Bezerra, vários prédios de órgãos essenciais à justiça, Fóruns, Tribunal de Justiça, Ministério Público, Defensoria Pública e OAB, por exemplo. Não entro no mérito do projeto, nem na forma de sua execução, ainda. A finalidade, em princípio seria a de facilitar o acesso da população à justiça, mediante a reunião desses órgãos num mesmo espaço.
A Câmara do Recife e a Prefeitura chegaram à conclusão de que deveriam tirar o projeto que regulamenta o Polo Jurídico de pauta porque continha algumas irregularidades formais que deveriam ser sanadas, tal preocupação é louvável, mas não foi demonstrada quando no trato dos empreendimentos privados, segundo demonstram, pelo menos, as ações do Ministério Público. Mas, principalmente, o projeto foi devolvido porque era um projeto de impacto e já existem outros projetos de impacto para a região, em andamento, que são mais prioritários, todos privados, por mais incrível que isso possa parecer. Falaram justamente do Novo Recife, esse que é o anseio de “toda a sociedade recifense”, segundo o presidente do TRF, a Arena do Sport e por que não dizer, a Ilha do Zeca, não é mesmo?
Noelia Brito é advogada e procuradora do Município do Recife
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