terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Dom Helder, o injustiçado

Dom Helder: difamado pela ditadura brasileira e impedido de receber o Nobel da Paz


Paulo Emanuel Lopes
Adital

Dom Helder Câmara, um dos fundadores da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e signatário do Pacto das Catacumbas, documento que contribuiu para a formação da Teologia da Libertação na América Latina, foi difamado pelo governo ditatorial brasileiro [1964-85], através do ministério das relações exteriores, com o objetivo de impedi-lo de receber o prêmio Nobel da Paz. O ato teria sido uma represália pela sua atuação em prol dos direitos humanos dos perseguidos políticos no Brasil.

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Helder Câmara, um religioso que conseguiu denunciar as agressões promovidas pela ditadura militar, no Brasil. Foto: reprodução.

Câmara, então arcebispo de Olinda e Recife [Estado de Pernambuco], mesmo indicado quatro vezes ao Nobel da Paz, entre os anos de 1970 e 1973, não pôde alcançar o reconhecimento, graças à atuação difamatória do governo brasileiro. Este produziu e difundiu entre os membros do comitê gestor do Prêmio informações que distorciam fatos de sua vida pessoal e religiosa.
A manobra foi revelada a partir de documentos obtidos pela Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara de Pernambuco (CNV-PE), disponibilizados pelo Itamaraty. A Comissão divulgou o conteúdo inédito dessa documentação na última sexta-feira, 18 de dezembro, em solenidade no Palácio do Campo das Princesas, sede do governo executivo pernambucano.
Dom Helder faleceu de causas naturais, em 1999, aos 90 anos.
"No Brasil, se mata e tortura em nome da segurança nacional”
"Isso [a perseguição e difamação a dom Helder] nós já sabíamos. Mas a partir da liberação desses documentos, pudemos reunir provas da atuação da ditadura brasileira para silenciar Dom Helder”, explica em entrevista à Adital a historiadora Lucy Pina Neta, membro do Instituto Dom Helder Câmara (IDHeC), sediado em Recife.

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Lucy Pina Neta é historiadora e membro do Instituto Dom Helder Câmara (IDHeC). Foto: arquivo pessoal
Lucy explica que a perseguição a Dom Helder teria se intensificado a partir de um convite para ele ir à França proferir uma palestra. Era o dia 26 de maio de 1970, e se comemorava o aniversário da Revolução Francesa. Na ocasião, sob os ideais de "liberdade, igualdade e fraternidade”, propostos pela revolução, Helder Câmara falou abertamente sobre a tortura e as perseguições políticas aplicadas pelo regime ditatorial brasileiro. Exemplificando os casos do religioso Frei Tito, covardemente torturado, e de um estudante pernambucano, que teria "se suicidado”, na Casa do Estudante, em Recife. "No Brasil, se mata e tortura em nome da segurança nacional”, vociferou.
"Aquele foi um ato revolucionário de um pacifista. Foi a primeira vez em que se falava sobre os casos de tortura [do governo militar] fora do Brasil. Por isso Câmara a nomeou [a palestra] ‘Quaisquer que sejam as consequências’, pois não se sabia o que ia acontecer. Um padre muito próximo seu já havia sido assassinado [padre Henrique, torturado e assassinado, em 1969], e havia o risco de não ser aceito de volta ao Brasil”, explica a ativista.

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Frei Tito de Alencar, que foi preso e torturado pela ditadura militar brasileira. Seu caso conseguiu mostrar ao mundo as incoerências e a violência da ditadura brasileira. Foto: reprodução.

O governo brasileiro impôs um silêncio forçoso à mídia nacional, que foi impedida de citar o nome do bispo. A medida drástica funcionou no Brasil, mas, no mundo, a a figura de Dom Helder Câmara era cada vez mais citada como defensor dos direitos humanos.

Uma política para silenciar os defensores de direitos
O sociólogo e professor universitário Manoel Moraes, relator da CNV-PE e membro do Instituto Dom Helder Câmara (IDHeC), em entrevista à Adital defende que a maior conquista celebrada pela Comissão, neste momento, é a prova de que o governo militar agiu na escuridão diplomática, para silenciar defensores dos direitos humanos, no Brasil. Eles/as eram acusados/as de promoverem uma "campanha de desprestígio” contra o Brasil, no exterior.
"Não estamos discutindo se Dom Helder tinha ou não o direito ao Prêmio [Nobel da Paz], pois esta [Comissão que elege os vencedores] se trata de uma instância privada, não é esta a questão. O que estamos discutindo aqui é a ação difamatória do Estado brasileiro contra um cidadão nacional, que teve sua vida voltada para a proteção e denúncia contra as violações dos direitos humanos”, defende Moraes.

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Manoel Moraes, professor e ativista de direitos humanos, acredita que a campanha difamatória promovida contra Dom Helder Câmara é motivo de vergonha para o Estado brasileiro. Foto: Arquivo pessoal
A ação do estado brasileiro teria violado princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos, como no que se refere à liberdade de expressão.
"Dom Helder denunciou as agressões da ditadura, o que os militares queriam era impedir que sua voz obtivesse mais espaço, silenciá-lo (...). O embaixador brasileiro em Oslo [capital da Noruega, país que outorga o Prêmio Nobel] mantinha o governo brasileiro informado. Por exemplo, há um documento que diz ‘ele não foi indicado este ano, mas no próximo [1971] ele terá grandes chances. [para impedir] Precisamos de recursos, de jornalistas...’”, afirma Moraes.
Na terceira parte do Relatório, nas "Cartas conciliares”, o leitor pode conferir como o religioso brasileiro reagiu ao processo de contrainformação que seu nome despertou. "Helder não se vitimava, acreditava que a sua luta era maior [que receber o Nobel]. Afirmava que sua não indicação era muito mais pelos seus acertos que pelos erros”, afirma o relator da CNV-PE.
Helder Câmara foi agraciado, entre outros, com o norueguês Prêmio Popular da Paz, espécie de "Nobel alternativo”, e com o Prêmio Martin Luther King, nos Estados Unidos.

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