O VOTO E O
"SIGILOSO" EXERCÍCIO DO PODER
Pressionado
e vilipendiado dentro e fora das redes
sociais, assim como o STF, como instituição, e os ministros Toffoli e
Lewandovsky - e sem reagir ou interpelar judicialmente quem quer que seja - o Ministro Edson Fachin indeferiu, ontem, a
maioria dos recursos interpostos por partidos da base aliada, entre eles os que
questionavam a parcialidade do
Presidente da Câmara na condução do impeachment, e o voto secreto por parte da
Comissão Especial que irá avaliar a procedência do processo de impedimento da Presidente
Dilma Roussef.
Com todo o
respeito pelo Ministro Edson Fachin, a parcialidade do Presidente da Câmara dos
Deputados, não é questionável pelo fato
de ele, eventualmente estar, políticamente, em uma atitude de oposição à
Presidente da República. em nome de seus representados, mas pela possibilidade, mais do que real, de
seu comportamento poder vir a ser influenciado e contaminado pelo fato de estar
sendo, o Deputado Eduardo Cunha, investigado em um processo de corrupção e de
ter tido milhões de dólares descobertos em contas na Suíça.
Quanto à
possibilidade de adoção do voto secreto na Comisão Especial - que poderá ser
indicada por partidos ou por "blocos" parlamentares - em um
raciocínio que não afastou o uso da ideia do "sigiloso exercício do
poder", em benefício da "necessidade de resguardar o exercício
independente do voto parlamentar", somos obrigados a discordar, também, da
abordagem adotada pelo Ministro Edson Fachin.
Principalmente
quando a escolha de cinco ou seis dezenas de cidadãos terá implicações diretas
sobre o voto de 141.824.607 eleitores que sufragaram, majoritariamente, nas
últimas eleições, não apenas o nome da Presidente da República, mas também os
dos deputados que irão escolher, nessa primeira etapa, o seu destino político.
De nada
adianta que a votação final seja aberta, se a inicial, da qual depende a
realização da segunda, for fechada.
O princípio
da publicidade deveria ser amplo e inquestionável quando se decide o futuro do
país.Legum servi sumus ut liberi esse possimus, Ministro.
Somos todos
escravos das leis para que possamos ser livres.
O cidadão
não pode delegar a outrem a sua liberdade de escolha, as suas convicções e a
sua representação política, a não ser que possa, de forma pública,
transparente, saber se a escolha desse outrem é a que corresponde à sua.
A
interpretação da Constituição - que pode admitir, eventual e generosamente, a
subjetividade - deve servir, e não se sobrepor, à cidadania.
Todas as
prerrogativas da Câmara dos Deputados, a possibilidade de estabelecer
comissões, de se auto-regulamentar, de organizar e de fiscalizar seu
funcionamento, os seus salários e benesses, e até mesmo os defeitos, a arrogância e a caradura de alguns
de seus membros, emanam de uma única e exclusiva fonte: o voto e o poder que
foi conferido a deputados, lideranças, e ao Presidente da Casa, por meio da
soberania popular.
Sem a
licença do Povo, o Parlamento, com todas suas regras, pormenores, ritos, não
existiria, assim como não existiriam, como agentes públicos, os seus eventuais
ocupantes de ocasião.
Da mesma
forma que o que existe de pior no Estado - dos expurgos stalinistas aos campos
de extermínio, passando pelas experiências dos médicos nazistas; os massacres
de populações inteiras pelos Einzatsgrupen, sob as sombras das florestas do
Leste da Europa; os estupros nas masmorras e em carros de polícia; o seqüestro,
tortura e assassinato de pessoas sob a mira ou a tutela de agentes do Estado;
até chegar à corrupção, propriamente dita, teoricamente tão combatida nos dias
de hoje - não existiria sem o segredo e acobertamento, já que tudo isso emana, também, de uma única
e exclusiva fonte: a do “sigiloso” exercício do poder, a que o Ministro Edson
Fachin se referiu ontem em seu voto.
*Mario Santayana é jornalista
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