Por Noélia Brito para o Blog de Jamildo
Lastreada nos mais de 20 milhões de votos conquistados na última eleição presidencial, a ex-ministra do Meio Ambiente do governo Lula, Marina Silva, passou os últimos dois anos propagandeando a criação de um partido político diferente, que teria como supedâneo o chamado Movimento Nova Política, cujo princípio fundamental seria a horizontalidade, ou seja, nada mais se aproveitaria do velho modelo, segundo o qual, manda quem pode e obedece quem tem juízo.
Para Marina, na Nova Política, não há mais lugar para o caciquismo, para os partidos personalistas, pautados em figuras carismáticas e centralizadoras, razão pela qual, o novo partido, o partido dessa Nova Política, vai se chamar Rede Sustentabilidade, já que a política pós-moderna, que diz seguir, tem suas estratégias de ação formuladas através de redes.
A rede seria o instrumento pelo qual a participação popular na vida político-partidária dar-se-ia de maneira horizontal, ou seja, não ascendente, sem líderes, portanto, admitindo-se, no máximo, a presença de mediadores ou facilitadores, para os debates que precedessem às tomadas de decisões.
Mas na rede há, também, um aspecto fundamental que é a transversalidade, quer dizer, a interseção de direitos de diversas naturezas. Assim, através das redes, os movimentos sociais que hoje se organizam dessa forma, através de redes, interconectam ações de combate ao racismo, ao machismo, à homofobia, à prostituição infantil, à intolerância religiosa, apenas para citar alguns exemplos.
Pois muito bem! A realidade do Rede Sustentabilidade, porém, é bem outra. O novo partido não é, em absoluto, nada do que se proclama. Primeiro, porque já é, desde sua concepção, um partido personalista: o partido da Marina, é como já é chamado.
Um partido que se diz vazio de ideologia – não é de esquerda, nem é de direita, não é governo, nem faz oposição, afirma Marina – é o que, afinal? Respondo eu: É rede que balança ao sabor das conveniências de seus dirigentes, como, aliás, já é a prática corrente em nosso sistema partidário que, por sinal, Marina afirma querer reformar. Então, não há, de fato, nada de novo debaixo do sol, diria o Eclesiastes.
Nem vou me ocupar dos patrocinadores do novo partido de Marina, selecionados entre empresários, como o dono da Natura e uma das herdeiras do Banco Itaú, instituição financeira que também forneceu a cor laranja do novo partido, pois uma agremiação sem ideologia definida claramente, já deixa antever que sua defesa será a das classes dominantes, então, nada mais natural que venha dessas classes o seu financiamento.
Provocada para que se pronunciasse sobre qual seria o posicionamento desse novo Partido, quanto ao casamento civil igualitário, ou seja, aquele entre pessoas do mesmo sexo, Marina Silva avisou que defendia a realização de um plebiscito. A declaração desgostou o deputado Jean Wyllys, diga-se de passagem, um aliado seu do Movimento Nova Política de primeira hora, inclusive cogitado, nos momentos iniciais do tal movimento, como sendo um dos parlamentares que ingressariam no novel partido. E não é para menos. O deputado, afinal, é um conhecido e aguerrido ativista da causa LGBT. Além de ser dele o projeto que institucionaliza o casamento civil igualitário que tramita no Congresso Nacional.
Instigada por Jean Wyllys a se pronunciar se também defenderia um plebiscito sobre o fim da imunidade tributária para entidades religiosas, Marina Silva, porém, não demonstrou o mesmo ímpeto em mandar o assunto para o povo decidir dentro dos critérios da horizontalidade. E por que não? Afinal, o Estado é laico, não tem que custear nenhuma religião.
O ativista Marcelo Gerald, em artigo publicado no site “Eleições Hoje”, ainda em 2011, portanto, muito antes da polêmica que ora se instalou entre Marina Silva e Jean Wyllys, foi quem melhor e mais objetivamente tratou da questão. Segundo Marcelo Gerald, “definir o Casamento Gay por plebiscito, para atender a vontade de uma maioria, seria o mesmo que propor um plebiscito que negasse o reconhecimento a todos casamentos realizados em igrejas evangélicas, alegando que católicos são a maioria e somente estes seriam válidos.”
O exemplo pode parecer absurdo à primeira vista, mas é perfeito, pois retrata exatamente a essência da proposta de Marina Silva. Ele lembra, ainda, uma decisão de agosto de 2010, da Suprema Corte da Costa Rica, que proibiu um plebiscito do mesmo tipo do pretendido por Marina Silva. Isso quer dizer que a Costa Rica, em termos de defesa dos Direitos Civis, é bem mais avançada no que a pós-modernidade apregoada pela Rede de Marina Silva, que quando confrontada com suas contradições e superficialidades não se sustenta em pé. Diferentemente de Marina Silva e sua Rede de insustentáveis contradições, na Costa Rica não se admitiu a realização de plebiscitos limitadores de direitos das minorias, quando as maiorias já dispunham desses mesmos direitos, pois isso não seria democracia e sim, ditadura da maioria.
Conforme se percebe, Marina Silva, balança sua Rede ao sabor de suas conveniências. Utiliza-se da horizontalidade para se esquivar de tomar posições em temas espinhosos do ponto de vista da moral religiosa, como quando remete a decisão sobre o casamento civil igualitário a plebiscitos, “esquecendo-se” de que com isso deixa de lado a transversalidade, que também é indissociável da atuação por intermédio de redes.
Por outro lado, recusa-se a submeter a questão da imunidade tributária das entidades religiosas também à aprovação horizontal, mesmo que esse fator, o da imunidade, em nada venha a repercutir na questão da liberdade religiosa, essa sim, afeta ao aspecto da transversalidade, uma vez que também a intolerância religiosa deve ser rechaçada com o vigor que se dedica ao combate à homofobia, ao racismo, ao machismo e à pedofilia, por exemplo, pois em nome da fé ou da falta dela, tem-se praticado todo tipo de barbárie contra a humanidade.
A fé se tornou um grande negócio. Inverteram-se, então, todos os valores. A imunidade tributária, que um dia foi um meio para se garantir um fim, que era a liberdade religiosa, passou a ser um meio para garantir outro meio. É que a própria liberdade religiosa, hoje, passou a ser um meio para que o grande negócio da exploração econômica da fé possa se estabelecer sem quaisquer limitações, inclusive de natureza tributária. É até mais fácil fundar uma igreja do que fundar um partido, mesmo um partido como o de Marina Silva, vazio de conteúdo e de qualquer ideologia.
Ora, se o Estado é laico e se a imunidade tributária não funciona como elemento garantidor da liberdade religiosa, única justificativa para sua manutenção, nada mais natural que toda a sociedade, mediante um plebiscito, pudesse decidir, horizontalmente e em rede, para utilizar as expressões tão caras à Nova Política supostamente defendida por Mrs. Silva, se quer ou não, manter esse privilégio de poucos, mas para isso, não poderemos contar com o novo Partido de Marina, que, na roupagem, fantasia-se do que há de mais vanguarda no “fashionismo” político-partidário, mas que, no conteúdo, mergulha nas profundezas de seu próprio vazio.
Noelia Brito é advogada e procuradora do Município do Recife
Para Marina, na Nova Política, não há mais lugar para o caciquismo, para os partidos personalistas, pautados em figuras carismáticas e centralizadoras, razão pela qual, o novo partido, o partido dessa Nova Política, vai se chamar Rede Sustentabilidade, já que a política pós-moderna, que diz seguir, tem suas estratégias de ação formuladas através de redes.
A rede seria o instrumento pelo qual a participação popular na vida político-partidária dar-se-ia de maneira horizontal, ou seja, não ascendente, sem líderes, portanto, admitindo-se, no máximo, a presença de mediadores ou facilitadores, para os debates que precedessem às tomadas de decisões.
Mas na rede há, também, um aspecto fundamental que é a transversalidade, quer dizer, a interseção de direitos de diversas naturezas. Assim, através das redes, os movimentos sociais que hoje se organizam dessa forma, através de redes, interconectam ações de combate ao racismo, ao machismo, à homofobia, à prostituição infantil, à intolerância religiosa, apenas para citar alguns exemplos.
Pois muito bem! A realidade do Rede Sustentabilidade, porém, é bem outra. O novo partido não é, em absoluto, nada do que se proclama. Primeiro, porque já é, desde sua concepção, um partido personalista: o partido da Marina, é como já é chamado.
Um partido que se diz vazio de ideologia – não é de esquerda, nem é de direita, não é governo, nem faz oposição, afirma Marina – é o que, afinal? Respondo eu: É rede que balança ao sabor das conveniências de seus dirigentes, como, aliás, já é a prática corrente em nosso sistema partidário que, por sinal, Marina afirma querer reformar. Então, não há, de fato, nada de novo debaixo do sol, diria o Eclesiastes.
Nem vou me ocupar dos patrocinadores do novo partido de Marina, selecionados entre empresários, como o dono da Natura e uma das herdeiras do Banco Itaú, instituição financeira que também forneceu a cor laranja do novo partido, pois uma agremiação sem ideologia definida claramente, já deixa antever que sua defesa será a das classes dominantes, então, nada mais natural que venha dessas classes o seu financiamento.
Provocada para que se pronunciasse sobre qual seria o posicionamento desse novo Partido, quanto ao casamento civil igualitário, ou seja, aquele entre pessoas do mesmo sexo, Marina Silva avisou que defendia a realização de um plebiscito. A declaração desgostou o deputado Jean Wyllys, diga-se de passagem, um aliado seu do Movimento Nova Política de primeira hora, inclusive cogitado, nos momentos iniciais do tal movimento, como sendo um dos parlamentares que ingressariam no novel partido. E não é para menos. O deputado, afinal, é um conhecido e aguerrido ativista da causa LGBT. Além de ser dele o projeto que institucionaliza o casamento civil igualitário que tramita no Congresso Nacional.
Instigada por Jean Wyllys a se pronunciar se também defenderia um plebiscito sobre o fim da imunidade tributária para entidades religiosas, Marina Silva, porém, não demonstrou o mesmo ímpeto em mandar o assunto para o povo decidir dentro dos critérios da horizontalidade. E por que não? Afinal, o Estado é laico, não tem que custear nenhuma religião.
O ativista Marcelo Gerald, em artigo publicado no site “Eleições Hoje”, ainda em 2011, portanto, muito antes da polêmica que ora se instalou entre Marina Silva e Jean Wyllys, foi quem melhor e mais objetivamente tratou da questão. Segundo Marcelo Gerald, “definir o Casamento Gay por plebiscito, para atender a vontade de uma maioria, seria o mesmo que propor um plebiscito que negasse o reconhecimento a todos casamentos realizados em igrejas evangélicas, alegando que católicos são a maioria e somente estes seriam válidos.”
O exemplo pode parecer absurdo à primeira vista, mas é perfeito, pois retrata exatamente a essência da proposta de Marina Silva. Ele lembra, ainda, uma decisão de agosto de 2010, da Suprema Corte da Costa Rica, que proibiu um plebiscito do mesmo tipo do pretendido por Marina Silva. Isso quer dizer que a Costa Rica, em termos de defesa dos Direitos Civis, é bem mais avançada no que a pós-modernidade apregoada pela Rede de Marina Silva, que quando confrontada com suas contradições e superficialidades não se sustenta em pé. Diferentemente de Marina Silva e sua Rede de insustentáveis contradições, na Costa Rica não se admitiu a realização de plebiscitos limitadores de direitos das minorias, quando as maiorias já dispunham desses mesmos direitos, pois isso não seria democracia e sim, ditadura da maioria.
Conforme se percebe, Marina Silva, balança sua Rede ao sabor de suas conveniências. Utiliza-se da horizontalidade para se esquivar de tomar posições em temas espinhosos do ponto de vista da moral religiosa, como quando remete a decisão sobre o casamento civil igualitário a plebiscitos, “esquecendo-se” de que com isso deixa de lado a transversalidade, que também é indissociável da atuação por intermédio de redes.
Por outro lado, recusa-se a submeter a questão da imunidade tributária das entidades religiosas também à aprovação horizontal, mesmo que esse fator, o da imunidade, em nada venha a repercutir na questão da liberdade religiosa, essa sim, afeta ao aspecto da transversalidade, uma vez que também a intolerância religiosa deve ser rechaçada com o vigor que se dedica ao combate à homofobia, ao racismo, ao machismo e à pedofilia, por exemplo, pois em nome da fé ou da falta dela, tem-se praticado todo tipo de barbárie contra a humanidade.
A fé se tornou um grande negócio. Inverteram-se, então, todos os valores. A imunidade tributária, que um dia foi um meio para se garantir um fim, que era a liberdade religiosa, passou a ser um meio para garantir outro meio. É que a própria liberdade religiosa, hoje, passou a ser um meio para que o grande negócio da exploração econômica da fé possa se estabelecer sem quaisquer limitações, inclusive de natureza tributária. É até mais fácil fundar uma igreja do que fundar um partido, mesmo um partido como o de Marina Silva, vazio de conteúdo e de qualquer ideologia.
Ora, se o Estado é laico e se a imunidade tributária não funciona como elemento garantidor da liberdade religiosa, única justificativa para sua manutenção, nada mais natural que toda a sociedade, mediante um plebiscito, pudesse decidir, horizontalmente e em rede, para utilizar as expressões tão caras à Nova Política supostamente defendida por Mrs. Silva, se quer ou não, manter esse privilégio de poucos, mas para isso, não poderemos contar com o novo Partido de Marina, que, na roupagem, fantasia-se do que há de mais vanguarda no “fashionismo” político-partidário, mas que, no conteúdo, mergulha nas profundezas de seu próprio vazio.
Noelia Brito é advogada e procuradora do Município do Recife
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