Por Noelia Brito, advogada e procuradora do Recife
Em “O outono do patriarca”, obra-prima da Literatura universal, o prêmio Nobel de Literatura Gabriel Garcia Marquez, descreve o ocaso de um ditador latino-americano em um país fictício do mar das Caraíbas, atordoado por fantasias sobre conspirações tramadas por inimigos, sempre empenhados em destruí-lo e tomar-lhe o poder, do qual usa e abusa para tentar, por exemplo, canonizar a própria mãe. O ditador, personagem da obra ficcional de Garcia Marquez, distribui condecorações a militares, a quem utiliza para impor sua vontade com truculência, do alto de seu palácio suntuosamente encravado em meio às miseráveis habitações de seus governados.
Outra prática comum ao “patriarca” de Garcia Marquez, é a proposital distorção dos fatos, para passar a ideia de que ele, o ditador, é um homem lendário, mítico e presente. Um governante que tudo vê e tudo pode, muito embora, na realidade, esteja sempre ausente, trancado em seu quarto isolado no palácio, por temer de maneira quase patológica seus inimigos, muitos deles imaginários.
No governo do “patriarca”, o que se cumpre não são decisões de Estado, mas caprichos pessoais, com reflexos sobre as vidas de todos os que estão sob seu domínio e, o que é pior, normalmente com consequências nefastas.
Na verdade, Garcia Marquez, para escrever “O outono do patriarca”, pesquisou a vida de vários ditadores e caudilhos latino-americanos, de modo que qualquer semelhança com fatos da vida real, mesmo fatos recentemente vivenciados, não será mera coincidência, pois o “modus operandi”, inclusive do ponto de vista das patologias que assombram essas mentes ditadoras, não diferem de maneira marcante, de um usurpador das garantias democráticas de outros.
Quando observamos, por exemplo, o que tem ocorrido em estados como o Rio de Janeiro e Pernambuco, impossível não perceber similitudes entre as práticas do patriarca do mar das Caraíbas e as dos governadores desses Estados.
Ambos estão no final de seus segundos mandatos, onde reinaram com altos índices de popularidade, conquistados muito mais pela força do marketing institucional e altíssimos gastos com publicidade, do que pela qualidade de seus governos, pautados no favorecimento de empresários, por meio de benesses fiscais de toda sorte. Os resultados em Educação, Saúde, Mobilidade, Saneamento, por exemplo, são pífios e começam a assombrar o sono dos patriarcas de Pernambuco e do Rio de Janeir,o que já se veem daqui a poucos meses sem a força da máquina pública para lhes assegurar a ocultação de suas verdadeiras faces que são da mais absoluta incompetência.
Para os “patriarcas”, cujo personalismo é muito bem descrito na obra de Garcia Marquez, a saída do poder corresponde à própria morte. Morte em vida, pois tudo, tudo mesmo, no governo de um “patriarca” gira em torno de decisões pessoais, caprichosas, que não se satisfazem através de sucessores. A ditadura é o governo do ditador, é o governo do patriarca, cuja sucessão só se abre, a rigor, com a morte do ditador, daí porque a democracia jamais se compatibiliza com projetos de poder como os de pessoas como Eduardo Campos e Sergio Cabral.
Para acossar os “atrevidos” que ousam criticar ou reivindicar o que quer que seja, durante seus governos, expondo ainda mais suas verdadeiras faces inoperantes e farsantes, Eduardo e Cabral colocam a força policial para intimidar estudantes e trabalhadores de maneira virulenta, seja por meio de agressões físicas, pela utilização de armas, mesmo que pelas chamadas não letais (na Favela da Maré, as armas foram as tradicionalmente utilizadas contra os pobres, vítimas de sempre da política higienista de governos adeptos do fascismo), seja por meio de agressões morais, através de inquéritos instaurados a toque de caixa e sem qualquer fundamento ou razão de ser, sob as já manjadas e improvadas acusações de danos ao patrimônio público, desacato à autoridade, resistência e por aí vai, quando, na verdade, por trás de si, tais procedimentos ocultam e muito mal, verdadeiros crimes de abuso de autoridade cometidos pelos vassalos dos “patriarcas”, sempre alertas, como cães de guarda que são, prontos a servir a qualquer um que estiver assentado no trono do palácio.
E isso é o que mais transtorna o sono – se é que eles conseguem dormir – dos “patriarcas”. É saber que os vassalos que hoje lhes servem, não o fazem por lealdade, mas por interesse, conveniência, ganância e até e, principalmente, por medo.
Cercado por asseclas e vassalos, seguranças e assessores, marqueteiros e puxa-sacos, os “patriarcas” em seu ocaso e em seu outono sabem que estão sós.
Perguntado sobre o que tratava, de fato, sua obra, o colombiano Garcia Marquez respondeu: “É um poema. Um poema sobre a solidão do poder”. Todo ditador nada mais é que um egoísta e como disse Lygia Fagundes Telles em sua “Ciranda de Pedra”, os egoístas morrem sós.
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