quarta-feira, 3 de julho de 2013

Se a população virou refém dos tubarões do transporte público, de quem é a culpa?

 
 

Por Noelia Brito, especial para o Blog de Jamildo

Todos os anos assistimos às mesmas cenas em todas as capitais e grandes cidades do país: greves no transporte coletivo rodoviário onde são registradas imagens de terminais de passageiros abarrotados de pessoas a espera do transporte que não vem, de ruas apinhadas de carros e paradas de ônibus lotadas ou mesmo de pessoas que se queixam de chegarem atrasadas em seus empregos ou até na inviabilidade de neles conseguirem chegar. Como se essas cenas também não fossem a realidade dos dias em que não há greve.

Tudo isso demonstra que a mobilidade é ponto nevrálgico para qualquer cidade. Tanto é verdade que o direito de ir e vir da população é muitas vezes utilizado como contraponto ao direito de greve dos trabalhadores rodoviários.

Ocorre que a questão é muito mais profunda e, infelizmente, só vem à baila quando, no momento da mobilização anual dos trabalhadores rodoviários, por suas justas reivindicações, todos se atentam para a existência do elemento humano que há de ser considerado e não é, nessa questão da chamada mobilidade. Todos passam o ano inteiro discutindo se se deve ou não construir viadutos, se se deve ou não construir um túnel aqui ou outro ali, mas poucos, muito poucos, preocupam-se em discutir e investigar e exigir melhorias para a situação de vida, das condições de trabalho dos milhares de trabalhadores que conduzem, diariamente, os milhões de usuários do sistema de transporte coletivo rodoviário.

No dia em que esses trabalhadores param, porque cansados de não contarem nem com seu sindicato, rendido à patronal, nem com o Ministério Público do Trabalho que, mesmo provocado, não toma medidas efetivas para coibir todos os abusos de que tem ciência que são cometidos pelos donos das empresas de ônibus, muitos, inclusive, registrados em reportagens de Redes nacionais de televisão e da própria Justiça do Trabalho, que é rápida para conceder liminares que ofendem a lei de greve, mas letárgica para julgar reclamações trabalhistas contra os patrões, ainda se vê questionamentos egoístas contra o exercício de um direito que a própria Constituição reconhece a esses trabalhadores, hoje pra lá de exauridos, inclusive em suas paciências.

Vejo algumas pessoas “esclarecidas” afirmando que as cidades, durante a greve dos trabalhadores rodoviários, ficam reféns dessa categoria. Será que isso é verdade? Penso que uma afirmação dessa natureza, partindo especialmente das chamadas pessoas “esclarecidas” não passa de uma grande leviandade ideológica e eu explico o porquê. Ora, não são os trabalhadores que decidem quais os modais ou tipos de transportes que serão postos à disposição da população de modo a garantir seu sagrado direito de ir e vir. Essa é uma política pública que cabe aos governantes decidirem. Para isso são eleitos. Assim, no momento em que governantes como o ex-prefeito João Paulo, por exemplo, expulsaram os chamados Kombeiros, para felicidade geral da classe média de Boa Viagem, mas não regulamentam nenhum tipo de transporte alternativo para substituir aquele transporte clandestino, regulamentação, que, aliás, foi feira em muitas cidades, entregando, ele João Paulo e seu fiel escudeiro à época, o secretário de Serviços Públicos, Dilson Peixoto, todo o transporte rodoviário de passageiros nas mãos do donos de empresas de ônibus, foi a decisão político-administrativa tomada ainda lá atrás pelo ex-prefeito João Paulo, que tinha dentre seus maiores aliados na Câmara do Recife, o proprietário de empresas de ônibus vereador Carlos Gueiros, quem, de início, tornou a população refém dos proprietários das empresas de ônibus e não, como querem fazer crer os levianos de plantão, dos trabalhadores dessas empresas.

Por outro lado, o governo do Estado, à época comandado pelo ex-governador Jarbas Vasconcelos, hoje fiel aliado do governado Eduardo Campos, ao não fazer uma licitação para regulamentar a prestação dos serviços por essas empresas, na Região Metropolitana do Recife, deixou todo o setor de transportes públicos de passageiros ao Deus dará, fazendo com que os proprietários não estivessem submetidos a regras quaisquer de condições de trabalho para seus empregados ou de conforto para os usuários. Além disso, nenhum projeto para diversificação dos meios de transporte para que carros e ônibus não fossem as únicas alternativas de deslocamento foi estudado, iniciado, nada, rigorosamente nada que pusesse em risco a escalada lucrativa dos donos da empresas de ônibus. Nenhum projeto de diversificação de “modais”. O melhor dos mundos para as empresas de ônibus sempre. Estranho isso, não acham? Então, quem nos mantém encarcerados e reféns em nossas cidades? Os trabalhadores? Sejamos um pouco mais honestos.

Os empresários do transporte coletivo de passageiros contam ainda, com um representante no parlamento estadual e da base do governo Eduardo, é bom que se diga. Trata-se do proprietário da empresa Rodoviária Metropolitana (Área 9), Deputado José Chaves e cujo irmão, Paulo Chaves, também é bem sucedido no ramo, pois, além de ser dono da Empresa Caxangá, de tão lucrativo o negócio, adquiriu empresas em Natal e até em São Paulo. Esses são só alguns exemplos da pujança de um negócio que envolve, por mais incrível que possa parecer, a prestação de um serviço público que a própria Constituição Federal diz que é essencial. Se é essencial, como pode estar entregue nas mãos de tubarões que só visam lucros e que não prestam contas a rigorosamente ninguém? Em alguns Estados já se começam a exigir CPIs, mas não acredito em CPIs com nosso Parlamento dominado pelos donos das empresas de ônibus. Melhor seria uma auditoria feita pela Receita Federal e pela Previdência Social, pois há denúncias de que nem o FGTS depositam. Assim fica fácil expandir os negócios. Uma auditoria nas planilhas de custos e lucros dessas empresas deveria contar com o apoio da Polícia Federal e sob o olhar atendo de entidades da sociedade civil.

Esse compadrio entre o Poder Público e o setor de transporte coletivo de passageiros segue até hoje, com licitações esvaziadas, TACs que não são assinados, ações civis públicas que não são ajuizadas, liminares que esvaziam o direito de greve dos trabalhadores e que são concedidas por desembargadores que já advogaram para as empresas de transporte, sindicatos pelegos, isenções tributárias que não se revertem em benefício da população e por aí segue o rosário de aberrações que cercam tudo que diz respeito a esse setor. A sociedade civil não pode mais ser servil a um setor que a tornou refém de sua ganância sem limites.

A população que ganha as ruas e que já conquistou uma redução da tarifa, redução mínima, é verdade e que também será bancada por nós, pois sairá exclusivamente dos impostos que foram retirados dos empresários, que não diminuirão nem um centavo os seus lucros. Em Pernambuco, o caso é ainda mais grave, pois, segundo divulgou o próprio Palácio do Planalto, a redução da tarifa poderia chegar a R$ 0,18, entretanto, o governador Eduardo Campos, e os prefeitos Geraldo Julio, do Recife, que têm empresários do transporte nas suas bases de apoio, deram redução de apenas R$ 0,10 na tarifa e isso, após ambos terem reduzido, a zero, o ISS e o ICMS para esses empresários. Para onde afinal, está indo todo o dinheiro dessas isenções e que deveria estar sendo aplicado na redução das passagens, na melhoria dos ônibus e mesmo da concessão de reajustes dignos para os trabalhadores rodoviários? Só uma profunda auditoria nas contas dos tubarões do transporte coletivo nos responderá.

Noelia Brito é advogada e procuradora do Município do Recife

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