Com quem andas e para onde vais
Por Ricardo Alcântara*
Lula – mais novo amigo de infância de José Sarney – disse à imprensa que
pretende “percorrer o país com um discurso em defesa da [relevância da]
política”, algo que ele viu ser negado pelas manifestações de rua de junho
passado. Desconcordo dele.
As manifestações populares não negavam a política. Fizeram-na, isto sim,
em sua expressão mais genuína e com soberana legitimidade. Reagiam aos efeitos,
nocivos ao interesse comum, dos métodos espúrios adotados pelos profissionais
do ramo.
Prova disso? Em meio àquela profusão espontânea de faixas e cartazes,
onde se reivindicava tantas coisas que mais pareciam exigir um novo país para
habitar, frequentes eram aqueles que apelavam em favor de uma Reforma Política.
Ora, não se pede que seja reformado aquilo que se rejeita. O que se nega
– fome, violência, corrupção – pede-se simplesmente o seu fim. Não havia ali
ninguém pedindo o fim da política: apelava-se por um novo começo.
Democraticamente.
Pedia-se ali, portanto, a restauração da política em bases de representatividade
mais efetivas. Ali, a política não foi somente defendida: foi celebrada como
valor, reafirmada mesmo sobre os escombros legados pelos piores exemplos.
É compreensiva, a dor de cotovelo do Lula. Afinal, foi ele, em pessoa e
durante três décadas, o regente dessa orquestra que, de uma hora para outra,
negou-se a executar as partituras do fisiologismo e decidiu ensaiar sem o sinal
de sua batuta.
Se aquilo tudo se deu à margem dos canais convencionais de expressão,
veja-se aí o vácuo deixado pelo abandono de certas noções de limite e pelo
recuo diante de expectativas centrais. Lula é o titular da conta de onde tudo
deveria ser debitado.
Quando ele dizia lutar “contra tudo isso que está aí”, o que estava aí
era Renan Calheiros, Romero Jucá e Collor de Melo. Quando chegou ao poder,
continuaram lá Renan Calheiros, Romero Jucá e Collor de Melo. O poder não muda
o poder.
Se Lula vai sair por aí com essas geladeiras nas costas, defendendo o
conluio como uma fatalidade incontornável, a oposição teria, fosse uma
representação menos comprometida, algo a festejar com o providencial auxílio
oferecido.
Não é outro, o problema da oposição: adversários da presidente Dilma,
Eduardo Campos e Aécio Neves têm suas digitais espalhadas pelos objetos da cena
periciada. Não falam, com a força de sua pureza súbita, pelo sentimento das
ruas.
As contradições terríveis
Quer saber? Estarrecido fiquei eu com a surpresa que a muitos
causou o desprezo manifestado pelo compositor Chico Buarque à liberdade de
expressão no debate sobre o direito de publicar biografias não autorizadas.
Qual é mesmo a novidade?
A posição do velho Chico não deveria surpreender porque não é de hoje
que o autor de “Vai passar” relativiza o que para muitos é direito inalienável,
a liberdade de dizer o que pensa: Chico Buarque sempre foi solidário à ditadura
cubana.
Aliás, não somente ele, mas também alguns biógrafos que agora estrilam.
Fernando de Moraes, por exemplo, nunca disfarçou sua adesão essencial aos
argumentos com que os Castros justificam 50 anos de excepcionalidade
revolucionária.
Veja: não é simplória a minha leitura das circunstâncias
que condicionam os fatos históricos e, por isso, não condeno aqui Fidel, Chico
e Moraes. Apenas constato dissonâncias que a realidade não confirma. Apaguem as
velas: são santos de barro.
Ricardo Alcântara é escritor e publicitáiro
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