Diario de Pernambuco
UM FILÓSOFO EM MISSÃO JUNTO AOS PRESOS
por Marcionila Teixeira
O Complexo Prisional do Curado, antigo Presídio Aníbal Bruno, é a mais exata representação do lugar onde ninguém deseja estar. O filósofo e professor universitário Marcelo Pelizzoli desafia o senso comum. Diz sim onde muitos dizem não. Todas as quartas-feiras, cruza tranquilamente o pátio do Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros (Pjallb), uma das unidades do complexo, para enxergar o humano onde a maioria vê monstros. Na biblioteca apertada e quente, recheada com mais de mil livros doados, ele forma um círculo de pessoas, não de presos. Em um canto da sala, um jovem chora. A atividade daquele dia fala sobre a presença do pai e da mãe na vida de cada um.
– Por que você chorou? Pergunto a um dos presos participantes do círculo de diálogos, como é chamado o encontro promovido por Marcelo.
– Lembrei dos meus pais. Eles sempre me ensinaram o bem, mas o fato de eu estar aqui choca muito com tudo o que me ensinaram. Meus pais são uma parte sensível em mim. E eles não são vivos, desabafa Jéferson da Conceição, 27 anos.
Estudante universitário, Jéferson diz estar em depressão. Reflexo do arrependimento pelo crime cometido, explica. Para ele, os encontros com o professor Marcelo são uma forma de enfrentar a longa e dura permanência que o espera no presídio.
Na biblioteca, resquício de dignidade em um ambiente dominado pelo descumprimento aos direitos humanos mais básicos, o detento Walmir José da Silva, 39, fala sobre suas impressões da obra Se eu ficar, de Gayle Forman, caçada entre as centenas de volumes distribuídos na biblioteca. “O livro fala da força da superação. A personagem do livro não ficou dando uma de coitada depois que a família morreu em um acidente. Às vezes a gente insiste nisso”, reflete junto aos companheiros. Recebe aplausos no final da fala.
Historicamente, a população carcerária não é prioridade no que se refere à aplicação de políticas públicas porque a sociedade, de forma geral, costuma julgá-la sob um único ponto de vista, como a escória da sociedade. E só. A garantia de direitos, no entanto, vale para todos. Vítimas e algozes. E cabe somente à Justiça definir a pena do acusado de um crime. Ao estado, resta a função de garantir esse cumprimento de forma digna. E essa é a questão. Marcelo não deseja levar nenhum deles para casa, como costumam sugerir algumas pessoas. Deseja a humanização das cadeias. Acredita na justiça restaurativa. E isso sim deveria interessar a todos nós. Porque diz respeito aos presos. E, antes de tudo, diz respeito às nossas vítimas.
Há oito meses, o professor encontra-se com os presos, também atendidos pela psicóloga Graça Sousa. No círculo de diálogos, ouve histórias de vida e arrependimento. De injustiças. Vê pessoas consideradas violentas chorarem como crianças. Muda junto com elas. O modelo de justiça restaurativa já é aplicado em alguns estados brasileiros há dez anos. É uma técnica de solução de conflitos que prima pela criatividade e sensibilidade na escuta de ofensores, mas principalmente das vítimas.
“No presídio, nossa meta é incluir círculos de vítimas e ofensores, para beneficiá-las, principalmente. O sistema convencional não tem incidido no cuidado às vítimas; já no modelo restaurativo, a necessidade delas é algo sempre fundamental. A vítima se beneficia quando vê o arrependimento do algoz”, ressalta Marcelo, que também é coordenador do Espaço de Diálogo e Reparação da UFPE, que iniciou projeto para implementação da Justiça Restaurativa em Pernambuco, e professor do mestrado em direitos humanos da UFPE.
Nos encontros, Marcelo acrescenta algumas constelações familiares, algo inédito em prisões. “É um trabalho terapêutico que atua junto às imagens e emoções que temos dentro de nós, que são determinadas pelos acontecimentos dolorosos, traumáticos, amorosos ou marcantes do sistema familiar e que atuam em nossas vidas presentes sem que saibamos. Então se abre a constelação do problema da pessoa em um set específico”, explica o professor, com formação em constelações familiares pelo Instituto da Alemanha.
Cerca de noventa presos do Pjallb vivem a experiência hoje, divididos em grupos de trinta. Se os planos de incluir as vítimas der certo, serão noventa histórias que certamente ganharão um outro final. No novo enredo haverá chances para o perdão, a reparação, a humanização. Juntos, algozes e vítimas, trilharão o caminho possível da ressocialização.
Foto: Hesíodo Góes/DP
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