PMDB se move como se não existisse Lava Jato
Blog do Josias:
No meio de tantas investigações, delações e desmoralizações, o PMDB ilustra, de forma paradigmática, o estágio a que chegou a política brasileira. O partido está em ebulição. Prepara-se para uma convenção nacional que definirá quem serão seus dirigentes a partir de março. E articula a escolha do líder que indicará na Câmara os representantes da legenda na comissão incumbida de analisar o pedido de impeachment de Dilma Rousseff, depois do Carnaval. No comando das maquinações estão caciques investigados, delatados e desmoralizados. O PMDB se move como se não houvesse Operação Lava Jato.
Nesta terça-feira, o vice-presidente Michel Temer reuniu-se com o presidente da Câmara, o notório deputado Eduardo Cunha. Os dois dividiram a mesa do almoço. “Eu falo com Michel Temer toda semana”, desconversou Cunha ao ser confrontado com a curiosidade dos repórteres. Espanto!
Ao voltar das férias, nos primeiros dias de fevereiro, os ministros do Supremo Tribunal Federal terão de analisar uma petição do procurador-geral da República Rodrigo Janot. Na peça, o chefe do Ministério Público Federal pede o “afastamento cautelar” de Cunha do comando da Câmara. Acusa-o de utilizar o cargo para atrapalhar investigações e constranger o Conselho de Ética da Casa.
Relator da Lava Jato no STF, o ministro Teori Zavascki poderia decidir sozinho, monocraticamente, sobre o pedido de Janot. Mas ele sinaliza a intenção de levar o caso ao plenário da Corte, dividindo o abacaxi com os outros dez ministros. Respira-se no Supremo uma atmosfera de aversão a Cunha. Não são negligenciáveis as chances de atendimento à demanda do procurador-geral.
A despeito de todas as certezas que assediam Cunha e da incerteza quanto à sua permanência na presidência da Câmara, Temer continua conversando com o deputado “toda semana”. Por quê? A resposta é tragicamente simples: embora ninguém tenha a menor dúvida de que Eduardo é mesmo o Cunha que as evidências denunciam, o vice-presidente da República não pode se dar ao luxo de excluir a imoralidade de suas articulações.
Paradoxalmente, o poder de Cunha na Câmara e no PMDB é evidenciado diariamente por sua capacidade de sobrevivência. E Temer utiliza-o como contraponto ao poderio exibido pelo presidente do Senado, o também notório senador Renan Calheiros. Temer almoça com Cunha porque Renan trama jantar-lhe o fígado, afastando-o da presidência do PMDB na convenção de março. Assombro!
Assim como Cunha, Renan está envolvido na Lava Jato até as raízes de seus cabelos implantados. Na penúltima complicação, o senador foi mencionado na delação premiada de Nestor Cerveró. O ex-diretor da Petrobras disse ter conversado diretamente com o todo-poderoso do Senado sobre jabaculês. Disse que, numa conversa ocorrida em 2012, já sob Dilma, Renan “reclamou da falta de repasse de propina.''
Cerveró disse ter sido chamado ao gabinete de Renan. Pressionado, alegou que não estava conseguindo coletar propinas na diretoria financeira da BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras. Em reação, Renan respondeu que deixaria de prestar-lhe “apoio político”. Investigado em seis inquéritos da Lava Jato, sempre sob a acuação de recebimento de propinas, Renan nega, como de hábito, a acusação. Em depoimento à PF, o senador já havia reconhecido que esteve “duas ou três vezes'' com Cerveró. Para quê? Apenas para tratar de assuntos “institucionais''.
Protegido pelo silêncio da banda muda do Senado e do seu PMDB, Renan desafia o senso comum. Seu poder político aumenta na proporção direta do derretimento do prestígio de Dilma. Ao fixar o rito de julgamento do impeachment, atribuindo ao Senado poderes para arquivar um processo eventualmente aberto pela Câmara, o STF transformou Renan em heroi da resistência do governo petista.
Vitaminado, Renan animou-se a comprar briga com Temer, a quem chama de “mordomo de filme de terror.” No comando do PMDB desde 2001, Temer convive com a ameaça de ser apeado do posto. Nos subterrâneos, Renan insufla a candidatura do senador Romero Jucá à presidência do PMDB na convenção de março. Estupefação!
A exemplo de Cunha e Renan, Jucá também é investigado no STF por suspeita de envolvimento na rapinagem da Petrobras. Quer dizer: prevalecendo os desejos de Renan, o PMDB passaria a ser presidido pela suspeição. Não é só. O bloco peemedebista do Senado sente-se tão fortalecido que tenta interferir na rotina do PMDB da Câmara, apoiando a recondução de Leonardo Picciani à liderança da bancada do PMDB na Casa legislativa vizinha.
Ex-aliado de Cunha, eleitor de Aécio Neves na disputa presidencial de 2014, Picciani retribui o apoio dos senadores afirmando que, se o adversário de Temer na convenção for o próprio Renan, arrastará os votos da delegação do diretório do seu Estado, o Rio de Janeiro do governador Luiz Fernando Pezão e do prefeito Eduardo Paes —ambos fechados com Dilma. Nessa hipótese, seria alçada à presidência do PMDB a suspeição elevada ao cubo.
A nova realidade faz murchar o balão do impeachment e impõe a Temer novas prioridades. De potencial beneficiário do afastamento de Dilma, o vice-presidente vê-se obrigado a cuidar de sua própria sobrevivência. Antes, sua agenda estava apinhada de encontros com oposicionistas e empresários anti-Dilma. Hoje, está atulhada de conversas com emissários da presidente, como o chefe da Casa Civil Jaques Wagner, e diálogos domésticos.
Nesta terça-feira, além do almoço com Cunha, Temer recebeu a visita do deputado Mauro Lopes, do PMDB de Minas Gerais. Numa manobra para evitar que os peemedebistas mineiros ameacem a liderança de Picciani, Dilma autorizou o ministro Ricardo Berzoini, seu coordenador político, a oferecer ao inexpressivo Mauro Lopes a expressiva pasta da Aviação Civil, antes ocupada por um aliado de Temer, Eliseu Padilha. E o novo candidato a ministro foi consultar o vice sobre a conveniência de aceitar a poltrona na Esplanada.
Mauro Lopes deixou o encontro alardeando o apoio de Temer. Animou-se a declarar que, se a sondagem for convertida em convite, não hesitará em aceitá-lo. Assim, o que poderia ser classificado como interferência indevida do Planalto nos assuntos internos do PMDB virou mais um mero lance covencional de fisiologismo, praticado com a anuência explícita do principal representante da ala que ameaçava romper com o governo petista.
Considerando-se a tradição do PMDB, a aparente guerra interna tende a terminar em armistício. Cavalgado pelo governo, Picciani deve se manter como líder na Câmara. Para assegurar a recondução de Temer, o grupo do vice-presidente acena com a hipótese de ceder ao investigado Jucá a primeira vice-presidência do PMDB. Nesse arranjo, Temer se licenciaria da presidência depois da convenção, convertendo o preposto de Renan em presidente interino do PMDB.
Todo o vento da Lava jato sopra a favor da necessidade de uma renovação das práticas políticas. Mas o PMDB, uma superestrutura pendurada no imponderável, habituou-se a semear seus próprios ventos. Não importa o tamanho da tempestade. O que interessa é a restauração de uma precária unidade que permita à legenda vender a tese de que ainda pode ser uma alternativa para 2018. Mesmo que lhe faltem os nomes e uma noção qualquer de apreço pelo interesse público e de compromisso com o bem comum.
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