Lockdown: primeira semana de adaptação e aprendizado
O Ceará já vive à sombra dos decretos de isolamento social a quase dois meses, desde o dia 19 de março. Fortaleza, em especial, completa hoje uma semana de determinações mais rígidas. Por ser o epicentro da epidemia no Estado, a Capital, e seus moradores, tiveram de se adequar à nova realidade para diminuir a velocidade de disseminação do vírus.
Entretanto, a quarentena imposta pelo Governo Estadual, mesmo com a intenção de mitigar os efeitos do novo coronavírus, acaba por gerar efeitos colaterais indesejados em algumas pessoas.
Aurélio da Silva Junior é um exemplo disso. O contador explica que a adaptação foi difícil durante toda a extensão do decreto. E garante que acolheu as orientações das autoridades, não saindo de casa em quase nenhuma hipótese. “Na última semana, a quarentena ficou ainda mais intensa do que nos outros dias”.
O autônomo afirma que o motivo de ficar em casa não é somente o decreto. Durantes os últimos dias, duas pessoas próximas a ele faleceram, possivelmente por conta da covid-19, o que gerou medo. “A perda delas fez com que o isolamento, para eu e minha família, fosse ainda mais acentuado. A doença chegou muito próximo de nós, aqui bem perto, no mesmo bairro”, expõe.
Desde o estabelecimento do lockdown, até saídas que antes Aurélio realizava, como ir ao comércio para comprar bens essenciais, não estão acontecendo mais. “Graças a Deus foram criados aplicativos de supermercados, pelos quais eu consegui solicitar todas as mercadorias de costume. Estou me virando bem”, afirma.
Uma das raras exceções que motivam o contador a sair de casa é a compra de carnes. No entanto, até a maneira de adquirir esse alimento mudou. “O açougue que vou é aqui perto. Vou lá, compro e volto, com objetividade. Faço isso de manhã bem cedo, para evitar qualquer tipo de contato com outras pessoas”. Além do horário e da agilidade, a família de Aurélio mudou também a quantidade de compras.
“Compramos para fazer um estoque, justamente para evitar ficar saindo constantemente”, diz. Segundo o contabilista, as compras são feitas, normalmente, em dois estabelecimentos. “Um maior, que pedimos entrega da maioria dos itens da nossa dispensa, e um menor, aqui perto, no qual encomendamos água mineral ou outras coisas do tipo”.
Psicológico
“Ter perdido pessoas próximas recentemente, fez com que a angústia e, até um sentimento de pânico, tenham tomado conta, por um período de tempo. A preocupação foi muito grande”, relata Aurélio. O contador diz ainda que, mesmo sofrendo com os efeitos colaterais, concorda com o isolamento. “Não sou cientista, nem tenho conhecimento suficiente na área para dizer se o isolamento realmente funciona, ou não, mas, se esse for o jeito de acabar com tudo isso, continuarei sendo muito obediente à quarentena”, declara.
Para combater os impactos negativos do lockdown, o trabalho de profissionais como Rô Cordeiro é essencial. A psicóloga, analista comportamental, especialista em inteligência emocional, com mais de 20 anos de carreira, conta que a demanda por atendimentos psicológicos subiu. “Faço parte de um grupo de 100 psicólogos que atendem online, e tenho notado um aumento muito grande de casos de transtorno de ansiedade e depressão”.
A especialista explica que muitas pessoas tem sofrido de um mal psicossomático, que se caracteriza por uma influência direta da dimensão psíquica no aspecto corporal da pessoa. “Há muitos casos de indivíduos que sentem falta de ar, calafrios e outros sintomas, acham até que é o vírus se manifestando. E isso é causado pelo medo exacerbado”, conta.
Rô Cordeiro explica que esse sentimento de temor é necessário, mas existem limites que, se quebrados, podem causar malefícios. “O medo, quando não é paralisante, é bom. Ele serve para nos proteger, mas, quando ele nos imobiliza, torna-se patológico”, afirma.
Lockdown
A psicóloga defende que o termo “isolamento social” não é o mais condizente com a realidade atual. Segundo a especialista, “isolamento físico” é mais apropriado, já que muitas pessoas continuam interagindo, até mais do que antes, só não podem fazer isso presencialmente.
Rô Cordeiro afirma também que a nova medida estabelecida em Fortaleza não demandou grande adaptação para os que já estavam obedecendo as orientações dadas desde o dia 19. “Para quem já estava em casa, não há uma grande percepção de diferença do lockdown”, explica.
Apesar disso, a profissional afirma que o mais importante a se refletir nesse período é sobre como cada pessoa tem lidado com ele. “É necessário pensar no que se tem feito durante esse momento. Esses dias tem se arrastado ou estão sendo dinâmicos?”, questiona.
Segundo a psicóloga, o olhar que é dado aos acontecimentos desses dias é decisivo. “Se a pessoa enxerga tudo isso e pensa: ‘estou sufocada, preciso sair, respirar’, ela vai acabar tendo falta de ar de verdade. Mas se ela muda o modo de observar as coisas para algo como: ‘poxa vida, que cidade maravilhosa; o cearense é show de bola, não tem ninguém na rua’, vai findar por se alegrar”, exemplifica.
Rô Cordeiro conta que entre os efeitos ruins da pandemia, existem várias realidades positivas, que devem ser miradas para ultrapassar o restante do lockdown e do “isolamento físico”. “É um tempo que nos convida ao autoconhecimento e a vivência mais intensa dos relacionamentos. Mesmo com o medo e as incertezas, podemos tornar esse tempo em algo positivo”, conclui.
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