Luis Nassif
Desde os tempos de Otávio Frias,
"o sábio que habita o sexto andar", Clóvis Rossi sempre foi o
jornalista mais antenado com os ventos presentes e futuros da Folha.
Mais do que qualquer outro, sempre
soube interpretar com notável maestria os menores sinais da casa.
Quando Otávio Frias Filho inaugurou a
fase bélica do jornal contra o governo Lula, Rossi tornou-se o colunista mais
agressivo. Durante um longo tempo, coluna após coluna, endossou o clima de
guerra santa recém-inaugurado.
Na sua coluna de hoje, antecipa o que
será a próxima orientação do jornal: não mais colunistas engajados em guerras
santas e uma tentativa de recuperar a pluralidade perdida.
Não se sabe apenas como ficará a
guerra de colunas da página 4.
Da Folha
Declaração de não voto
Por Clóvis Rossi
Como diria Dilma Rousseff, estou
estarrecido com a quantidade de amor e ódio que vertem sem parar as redes
sociais e alguns colunistas.
Não é apenas que não me comovem. É
que não entendo como seres racionais podem ter o cérebro dominado pelo fígado,
em relação aos adversários, ou pelo coração, em relação a seu próprio time.
Sou bicho raro a quem não assustava
minimamente a possibilidade nem de reeleição de Dilma nem de vitória de Aécio
Neves.
Antes de mais nada porque acho que os
governos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva foram os
melhores --ou, no mínimo, os menos ruins-- de toda a minha vida adulta, os
últimos 50 anos.
Tiveram defeitos? Incontáveis. Espero
tê-los apontado todos no devido momento. Os méritos, estes sim deixei de
apontar pela simples e boa razão de que fazer bem as coisas é a obrigação de
quem governa.
Elogiar o mero cumprimento da
obrigação seria aceitar a mediocridade como regra. Não dá.
Por tudo isso, me estarrece que haja
adultos, alguns deles veteranos na observação da cena política, capazes de
enrolar-se na bandeira de um partido e de deixar que ela os cegue em relação
aos seus defeitos.
Como me estarrece que se tornem em
uma espécie de "black-blogs", empenhados em destruir o inimigo, que
deveria ser só adversário, se o combate político fosse civilizado.
Nada contra a paixão, fique claro.
Mas quem ama não mata. Nem fica cego. Ainda mais que paixão e ódio giram em
torno de agendas vencidas.
Está vencida a agenda da
estabilização econômica, a grande marca do tucanato, conforme reconheceu Dilma,
na carta em que cumprimentou FHC pelo 80º aniversário.
Está pelo menos iniciada a inclusão
social, a grande marca de Lula, internacionalmente reconhecida.
O que deveria, agora, despertar
paixões incontroláveis é a a agenda das revoluções que o Brasil necessita. Não
deixo por menos: revoluções, sim, não meras reformas.
Revolução política, porque não há um
único país minimamente sério que tenha 28 partidos representados na Câmara de
Deputados, como ocorrerá no Brasil em 2015.
Não é sério um país em que quase dois
terços são pobres (24,5%) ou vulneráveis (37,5%).
Não é sério um país que passa tremenda
vergonha em rankings internacionais de educação, de competitividade ou de
corrupção.
Não é sério um país cujos habitantes
sufocam no trânsito cada vez que saem de casa. Não é sério um país em que a
atenção à saúde é o que todos sabemos.
Não é sério um país cujos habitantes
são submetidos diariamente a uma roleta russa, porque não sabem se a bala que
lhes está destinada chegará hoje ou amanhã.
Há alguém aí que acredita de verdade
que o PT ou o PSDB, os partidos em que a maioria dos brasileiros depositou suas
esperanças, é capaz de resolver essa ampla agenda?
Ou a sociedade se mobiliza para
empurrá-la para a frente ou acabará se afogando em fel.
Fonte: GGN
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