"Tudo ao seu tempo", costumava dizer Getúlio, diante de decisões fundamentais que lhe eram cobradas por aliados e adversários. Como ele, a presidente, no pouco que falou sobre a primeira tarefa decisiva que tem pela frente, igualmente já pediu tempo. Contra opinião dos que entendem que a presidente deveria escolher e empossar de imediato uma nova equipe econômica, Dilma disse com todas as letras que só o fará depois que a primeira quinzena de novembro passar.
Para que não restassem duvidas, antes de decolar para o litoral baiano, ela chamou ao seu gabinete o ministro Guido Mantega que entrou para a conversa como titular da Fazenda e saiu de lá com o mesmo status. Nem mesmo a reunião do G-20, marcada para os dias 15 e 16 próximos, na Austrália, fez a presidente se apressar. Mais do que mostrar ao mundo um novo ministro, Dilma quer que Mantega cumpra seu ciclo sem uma interrupção abrupta, em reconhecimento pelos resultados que, mesmo debaixo de críticas de todos os tipos, renderam a ela a reeleição.
Era assim, também, com Vargas. Com poderes ditatoriais ou democráticos, ele nunca demonstrou pressa em eliminar quadros de seu governo. Esperava por um acidente de percurso ou pelo desgaste natural mais extremo do auxiliar até removê-lo. E desde que tivesse um nome de substituto que lhe parecesse melhor.
CHAVE DO SUCESSO - Dilma vai indo por esse caminho. Ninguém na República pode afirmar que a presidente já escolheu seu futuro ministro da Fazenda. O que se sabe é que não será Mantega, mas entre os nomes ventilados até agora – do presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, do ex-presidente do BC Henrique Meirelles ou do ex-secretário executivo da Fazenda Nelson Barbosa – para o lugar dele, nenhum foi anunciado.
A presidente, por seu lado, não tem feito questão de emitir pistas, ao contrário. Sabe-se nos bastidores, apenas, que as restrições dela a Meirelles teriam ficado no passado, assim como a confiança, no presente, em Nelson Barbosa permanece. Sobre Trabuco, o que se tem é o desencorajamento da ideia, de maneira sutil, pelo próprio candidato involuntário, que tem um banco com quase 100 mil funcionários e 20 milhões de clientes para tocar para a frente pelos próximos dois anos. Uma surpresa não está descartada.
No livro que está lendo, de autoria do historiador Lira Neto, o derradeiro da trilogia de vida do ex-presidente, narram-se os acontecimentos de devolveram Vargas, de maneira espetacular, pelo voto democrático, ao poder. Houve na campanha de 1950, com posse em 31 de janeiro do ano seguinte, semelhanças com o pleito que reelegeu Dilma, em 2014, especialmente na dureza dos debates entre os partidos. A presidente tem tudo para estar se identificando cada vez mais com seu antecessor histórico.
Igualmente, Dilma parece estar dizendo que, como Vargas, pretende escolher nomes entre aliados que acelerem o processo de desenvolvimento econômico ao extremo. Logo em seus primeiros meses de poder redivivo, Getúlio, que já sabia os caminhos da burocracia estatal, avançou por atalhos que proporcionaram, ao longo da década de 1950, um grande salto de modernização ao País. Ele, que jogava com o tempo, sabia, paradoxalmente, que não tinha tempo a perder para corresponder às expetativas. Com Dilma o mesmo se dá. Ela prometeu, até mesmo com o aval de Lula, fazer um segundo mandato melhor do que o primeiro. Vargas tinha para si o mesmo desafio em relação a seus tempo de ditador no Estado Novo dos anos 1930-1940.
O livro na mão é o mesmo que tem sido citado por Lula nos últimos tempos, com admiração. O ex-presidente nunca, como agora, referiu-se com tanto carinho a Vargas. Neste ponto, o recado da presidente parece ser o de que, ainda que atribua-se a ela a frase de que "Dilma quer ser mais Dilma", a afinidade com Lula está cada vez mais profunda. Ambos estão bebendo da mesma fonte.
Sem um grande anteparo perto de si, Getúlio viu-se a tal ponto acuado pela rudeza das oposições que, em 24 de agosto de 1954, tirou sua própria vida para entrar para história. Dilma, é claro, não resistiu a torturas e reinventou-se na democracia para ter o mesmo fim. Mas ela também está cercada de indícios e fatos que mostram que a oposição pretende recrudescer nos ataques ao governo.
Para se vacinar contra os efeitos das cargas negativas da oposição, a presidente mandou dizer que vai montar "um ministério estrelado", de ampla sustentação política. Não quer, como Gegê, como o então presidente era carinhosamente chamado, ver-se numa situação sem saída. Nessa estratégia, contar com Lula seria abrir um guarda-chuva contra as intempéries previstas. Talvez a maior lição que a vida de Getúlio Vargas pode dar a ela é a de não se deixar isolar.
No melhor estilo getulista, Dilma deverá ver com bom grado a iniciativa de seu partido de transformar sua posse num evento de massas. Ela demonstrou em campanha que pretende governar próxima aos movimentos populares e aos sindicatos, assim como fazia o velho chefe trabalhista. Tal qual ele acreditava, soa possível, para ela, proteger o trabalho sem prejudicar o capital, e contar com os investidores sem abandonar os trabalhadores. Uma habilidade que distinguiu Getúlio entre todos os demais presidentes – e que Dilma, ao carregar com ela a biografia do homem que mudou o curso da história do Brasil, dá mostras de que está estudando.
Em meio a todo o mistério com que ela mesma faz questão de envolver a montagem de seu ministério, a pista dada pela presidente não foi pequena.
(Brasil 247)
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