CAMILA VASCONCELOS
Da Redação do O ESTADO
Recentemente, os agentes de trânsito da Autarquia de Trânsito, Serviços Públicos e Cidadania (AMC) criaram um sindicato próprio, no intuito de reivindicar interesses exclusivos da categoria. À frente do Sindicato dos Agentes de Trânsito (Sinatran) está Heberfran Mesquita Bruno. Entre as principais lutas da categoria atualmente, segundo ele, está a manutenção da AMC como único órgão habilitado a exercer a fiscalização, controle e operacionalização do trânsito, visto que a Prefeitura de Fortaleza está firmando convênio para que a Guarda Municipal passe a ter a mesma função da AMC.
O Sinatran considera o convênio como desvio de função da Guarda Municipal de Fortaleza (GMF), pois a atribuição deste órgão é resguardar o patrimônio e a segurança pública. Com a nova atuação, a categoria teme pela população que pode vir a sofrer fiscalização abusiva, abordagem incorreta e multas irregulares. Em entrevista ao jornal O Estado, Heberfran Mesquita também fala sobre o quantitativo insuficiente de agentes na cidade, a Operação Via Livre e sobre as outras atividades da categoria.
O que é o Sinatran e quais as principais ações?
Ele surgiu de uma demanda antiga que era a da criação de um sindicato próprio dos agentes de trânsito da AMC. Antes éramos afiliados ao Sindicato dos Servidores e Empregados Públicos do Município de Fortaleza (Sindforte), na qual também fazia parte a GMF, e em maio, houve uma assembleia de dissociação. Agora, os agentes têm um sindicato próprio. Nós temos uma lei que rege nosso trabalho que é o Código de Trânsito Brasileiro, somos categoria reconhecida pela Constituição Federal, temos um plano de cargo e carreiras, além de demandas específicas que devem ser tratadas por um sindicato específico. A ruptura foi natural, mas a principal questão foi a de o Sindforte não conciliar certos trâmites, como a de não interferir na questão entre a Guarda Municipal e AMC. Mas é bom deixar claro que não há nenhum tipo de desconforto entre agentes e guardas. Respeitamos o trabalho deles. É um órgão necessário dentro da cidade para trabalhar a segurança.
Quantos agentes de trânsito existem, hoje, em Fortaleza? O número atende à demanda da cidade?
O trânsito é estudado por diversas entidades, inclusive, pela Organização Mundial da Saúde. Ela defende que deveria ter um agente para cada mil veículos. Esse estudo mostra, então, que deveria ter mil agentes de trânsito em Fortaleza, e isso revela que estamos atuando muito aquém do necessário, pois, hoje, a cidade tem 380 agentes, e cerca de 300 estão na rua. Isso mostra que precisamos de concurso público. Temos 600 cargos criados, mas temos em torno de quase 300 cargos vagos hoje. Esse quantitativo não atende toda a demanda atual. O efetivo precisa ser aumentado. Hoje, se fosse feito concurso, 600 agentes já atenderiam a demanda.
Atualmente, quais as principais dificuldades dos agentes da AMC e o que está sendo feito para reverter os problemas?
A realidade é que a AMC não cresceu nos últimos anos. Somos uma autarquia, que devia ter patrimônio próprio, mas temos apenas dez viaturas próprias. As outras são alugadas. Não era para ser locado e sim ser patrimônio próprio. Também faltam materiais diversos, dentre outras demandas que estão sendo vistas, aos poucos, pelo novo presidente que entrou. Ele é jovem e está se colocando para resolver, além de ter aberto o diálogo com o sindicato, para que as demandas sejam sanadas o mais rápido possível. Em toda reunião com a gestão, cobramos concurso público e melhores condições de trabalho. Temos sim aberto um diálogo com a gestão e os trabalhadores. Sabemos que nem tudo se resolve de uma hora para outra. No entanto, estamos aguardando uma reunião sinalizada pelo prefeito para acontecer no segundo semestre, mas até agora, nada.
Em maio, a Câmara Municipal aprovou o Projeto de Lei complementar que atribui a fiscalização de trânsito também à Guarda Municipal de Fortaleza. Até o momento, a competência exclusiva da fiscalização era da AMC. De acordo com a proposta, a GMF deve passar a exercer as competências de trânsito mediante convênio. Sobre o assunto, o que a categoria acha da decisão?
Aqui, a Guarda Municipal não faz parte do Sistema Nacional de Trânsito (SNT). O usuário da via precisa entender que existe o artigo 7, do Código de Trânsito Brasileiro, que elenca todas as entidades que fazem parte do SNT e quem não faz parte. Entidades que não fazem parte não podem firmar convênio. Portanto, a GMF não pode. Só quem pode legislar sobre o trânsito é a União. A Guarda Municipal atuando como guardas de trânsito em Belo Horizonte, é um exemplo. A questão, inclusive, subiu ao Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou que a Guarda Municipal também terá a competência de fiscalização do trânsito e a aplicação de multas. Porém, no artigo 144 da Constituição Federal diz que, quem tem que fazer o trabalho no trânsito são os agentes de trânsito. No parágrafo oitavo já fala das atribuições da guarda como patrimonial. As funções não se confundem. Mas, diferente de Fortaleza, em Belo Horizonte não existe Autarquia de Trânsito. Então, eles estão utilizando essa informação para unir as funções, mas de maneira errada. É importante salientar que mesmo sem a publicação do convênio em Fortaleza, os guardas já estão treinando no Detran. Achamos isso um desperdício de dinheiro público. Inclusive, as multas feitas por eles, podem ser questionadas. A Guarda Municipal não tem atribuição de trânsito. O STF tem uma súmula vinculante número 47, que diz que não pode uma pessoa que fez concurso para um determinado cargo executar outro após entrar no órgão. Para assumir uma determinada função, é preciso fazer um concurso para ela antes. Têm vários critérios legais que não estão sendo levados em consideração. Fortaleza tem o trânsito municipalizado e não existe dois órgãos de trânsito, apenas a AMC. A multa realizada por eles é totalmente contestável.
O que o Sinatran está fazendo para reverter o convênio?
Estamos esperando que o convênio venha a se firmar para podermos ter acesso e saber como vamos agir. Mas, o convênio só pode acontecer entre órgãos que fazem parte do SNT e a Guarda Municipal não faz parte.
Em setembro de 2014, a Prefeitura de Fortaleza lançou a Operação Via Livre, que tinha como objetivo dar suporte às ações dos agentes de trânsito. Polêmicas surgiram com a entrada do terceirizados na atividade. No entanto, a operação continua atuando. Como a categoria vê a atuação desses trabalhadores?
Esse contrato já foi suspenso e voltou. A operação significa terceirizar a atividade fim de agente de trânsito. Somente o agente da AMC pode responder pelo trânsito na esfera municipal. Apesar da contestação da justiça, eles estão conseguindo manter o contrato em vigor. Mas estamos tentando, junto aos gestores, a realização de concurso público para agentes de trânsito. São mais de 50 milhões que estão sendo investidos nesse contrato que poderiam estar sendo investidos no concurso.
Muitos fortalezenses veem o trabalho dos agentes de trânsito apenas como aplicadores de infrações. Quais as outras atribuições dos agentes na cidade?
A fiscalização não é atividade fim da AMC, mas faz parte. Temos o conhecimento de Fortaleza como ninguém. Se não fosse o trabalho dos agentes feito manualmente, a cidade travava. A fiscalização é uma medida utilizada em última instância, pois também trabalhamos com o transporte de órgãos para transplantes, temos um grupo de batedores formados por 80 motociclistas treinados, que trabalham na mesma doutrina da Polícia Rodoviária Federal, que, em 12 minutos, auxiliam uma ambulância a sair do IJF e chegar ao aeroporto para levar um órgão a ser transplantado até o seu destino final. Os agentes também acompanham autoridades, e também trabalhamos com a fiscalização de obstrução de calçadas, pois o trânsito não é feito só para veículos, mas também para pedestres. Fazemos credenciais de idosos e deficientes. Em média, aplicamos três mil multas por mês. Mas, se compararmos com o número de multas registradas por radares eletrônicos, esse número é baixo, já que a fiscalização eletrônica chega a multar três mil veículos por dia. Então, é importante desmistificar que os agentes só servem para multar. O nosso trabalho vai além do que a sociedade conhece.
Glossário
Feedback: Palavra inglesa que significa dar resposta a uma determinado pedido ou acontecimento
Código de Trânsito Brasileiro: Documento que define atribuições das diversas autoridades e órgãos ligados ao trânsito, além de estabelecer normas de conduta, infrações e penalidades para usuários
Batedores: O mesmo que escolta. Quase sempre utilizam motocicletas (por causa da mobilidade) e se deslocam dando prioridade na via para quem está sendo escoltado.
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