Grupo de direitos humanos do estado é agredido em novo presídio de
Pernambuco
Tércio Amaral - Diário de Pernambuco
Maria
Clara, que é transsexual, registrou queixa no Departamento de Homicídios e
Proteção à Pessoa (DHPP). Foto: Guilherme Verissimo/Arquivo Esp DP/DA Press
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“Vou dar um tiro agora nesse veado preto”, foi com palavras como
essas que Maria Clara de Sena afirma ter sido recepcionada numa vistoria do
Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura de Pernambuco (MEPC-PE), ao
mais novo presídio de Pernambuco, inaugurado no começo de julho em Santa Cruz
do Capibaribe, no Agreste. A recepção, digna de um filme de ação B, teria sido
protagonizada por um agente penitenciário que recebeu o grupo ligado à
vigilância dos direitos humanos no último dia 17. A arma era do estado, o
espaço, público, e a vistoria era para avaliar as instalações da unidade
prisional que será o novo modelo do gênero adotado pelo estado.
Vítima de transfobia, Maria Clara, que é transsexual, registrou uma
queixa na manhã de hoje no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa
(DHPP), na Zona Oeste do Recife. O grupo foi acompanhado pelo advogado e
vereador de Olinda Marcelo Santa Cruz (PT), que defendeu a importância da
abertura de um inquérito. “O que aconteceu lá foi uma tentativa de homicídio,
homofobia e discriminação racial”. Além do caso de Maria Clara, que também foi
tratada como José pelo agente, os quatro integrantes do Mecanismo sofreram
ameaças de morte.
“Se algum dia um agente for demitido por algum relatório do povo de
direitos humanos, é nesse dia que vão começar a matar tudinho (sic)”, teria
dito o agente que se identificou ao grupo como Eduardo, mas que, quando partiu
para as agressões físicas ao grupo e à Maria Clara, foi tratado por seus
colegas como Ricardo. “... os agentes deveriam parar de sair para matar bandido
e começar a matar esse povo de direitos humanos”, “vocês defendem bandidos,
porque nunca nenhum deles pegou vocês e estuprou”, foram algumas das frases que
teriam sido ditas pelo funcionário público ao grupo.
O curioso é que o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura
foi criado em dezembro de 2012 pelo governo de Pernambuco para monitorar as
questões relativas aos direitos humanos em espaços onde há cerceamento de
liberdade, a exemplo de presídios e hospitais psiquiátricos. O agente
acompanhou o grupo e, em todos os momentos, tentou minimizar a atuação dos
trabalhos. Desde o início tentou desestabilizar emocionalmente Maria Clara,
insistindo em tratá-la como José. Quatro dos seis colaboradores do Mecanismo estavam
na vistoria e acabaram saindo em uma viatura de polícia da unidade.
“Onde eu encontrar esse veado vou dar um tiro na cara dele”; “chega,
bota essas mulheres para fora”; “odeio esse povo de direitos humanos” e “tomara
que na volta, na BR, o carro capote e morra tudinho(sic)", disparou o
agente, segundo as testemunhas. O relato das agressões chegou à reportagem
do Diario por meio de um
email enviado pelo Mecanismo às autoridades públicas do estado, a exemplo da
Ministério Público e da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, a qual a
comissão é vinculada. Foi num desses momentos que os outros agentes tentaram
acalmar o servidor e o identificaram como Ricardo.
O
presídio foi inaugurado no dia 10 de julho como unidade-modelo, mas os
agentes parecem seguir padrões bem antigos de comportamento. A Secretaria
Executiva de Ressocialização abriu sindicância. Foto: Guilherme Verissimo/Esp
DP/DA Press
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Na mira de uma arma
A colaboradora do Mecanismo Estadual Mariana Santa Cruz esteve no DHPP
na manhã de hoje para prestar queixa. “O objetivo de nossa visita era avaliar
as condições de uma unidade que seria modelo para todo o estado e acabamos
sendo vítimas de agressão e ameaças”, acusou. O grupo foi ouvido hoje pelo
delegado Alfredo Jorge e ontem pelo Ministério Público de Pernambuco. A
principal vítima da violência praticada dentro da unidade prisional, Maria
Clara, estava bastante abatida com o caso.
“A visita que fizemos foi realmente anormal. Nunca tínhamos recebido um
tratamento desse. Todos nós que trabalhamos ficamos muito assustados. Esperamos
que o estado tome as providências”, disse Maria Clara. O Mecanismo de Prevenção
e Combate à Tortura foi criado perante um compromisso internacional, ratificado
pelo Brasil, por meio do Protocolo Facultativo a Convenção contra à Tortura e
outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas e degradantes. O Estado de
Pernambuco assumiu o compromisso perante a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos da Organização de Estados Americanos (OEA).
Secretaria já afastou servidor
Mesmo sendo um órgão autônomo dentro do Governo de Pernambuco, o
Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura usa a estrutura da Secretaria de
Justiça e dos Direitos Humanos, que respondeu a denúncia por meio de uma nota à
imprensa. A secretaria garantiu que, desde que foi informada, tomou as devidas
providências para garantir a segurança do grupo.
“No próprio dia 17, o secretário Pedro Eurico determinou à Secretaria
Executiva de Ressocialização uma rigorosa apuração do fato, que foi
imediatamente iniciada ainda na noite deste dia, com instauração de uma
sindicância e apresentação do servidor à Superintendência de Segurança. O
agente foi afastado da unidade para apuração dos fatos”, diz a nota, que
ressaltou, ainda, que ouviu todos os integrantes do grupo para ouvir os relatos
da acusação.
“A defensora dos Direitos Humanos Maria Clara de Sena foi imediatamente
encaminhada para o Núcleo de Acolhimento Provisório, localizado na Secretaria
Executiva de Direitos Humanos, onde uma equipe técnica fez a escuta da
defensora e avaliação de risco. Desde então, ela está sendo acompanhada pelo
programa, porta de entrada para o sistema de proteção de direitos em
Pernambuco”. A secretaria também informou que está tomando as medidas
necessárias para apurar a responsabilidade dos envolvidos no caso.
Presídio de Santa Cruz
O governo do estado inaugurou o novo Presídio de Santa Cruz do
Capibaribe, no Agreste de Pernambuco, no dia 10 de julho deste ano. A unidade
foi construída no quilômetro 14 da PE-160. A nova unidade prisional ocupa uma
área de 8 mil m2, sendo 1.473 m2 de área construída. O presídio abriga 186
reeducandos, divididos em 22 celas. Com a instalação do presídio em Santa Cruz,
foram reacomodados presos também dos municípios de Jataúba, Toritama,
Taquaritinga do Norte e Brejo da Madre de Deus. A obra durou dois anos e custou
R$ 2,6 milhões, divididos em recursos do governo do estado e do Departamento
Penitenciário Nacional (Depen).
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