Guru espiritual de Bolsonaro declara falência
Silas Malafaia, dono da Central Gospel, empresa que vende bíblias de todos os tipos, reclama "da crise causada pelo PT" para vender 30% do que vendia. "Se o cara 'tá com pouco dinheiro, por que vai comprar uma Bíblia nova?", queixou-se.
"A miséria, o desemprego, a desgraça. Em nome de Jesus, que esses principados do inferno saiam da nossa nação", gritou bem alto o pastor Silas Malafaia, durante o culto na Assembleia de Deus Vitória em Cristo, no Rio de Janeiro, no dia seguinte à última eleição presidencial. A seu lado, Jair e Michelle Bolsonaro, cujo casamento foi celebrado pelo pastor em 2013, aparentemente muito emocionados no seu primeiro evento público como chefe de Estado e primeira-dama. Dez meses depois, a miséria, o desemprego e a desgraça chegaram à falida Central Gospel, empresa propriedade de Malafaia e da sua mulher, pastora Elizete, que vende livros, CD e DVD evangélicos.
"Sou mais um atingido pela crise causada pelo PT, que gerou esses 14 milhões de desempregados que temos hoje no Brasil, uma recuperação judicial nada mais é do que um instrumento legal para as empresas pagarem as suas dívidas", justificou o pastor, 60 anos de idade e mais de 30 de tele-evangelismo.
Nas 1700 páginas do pedido de recuperação judicial entregue ao juiz, a Central Gospel cita dívidas laborais e com credores, sublinha que vende hoje 30% do que vendia em 2015, explica que de 300 funcionários passou a trabalhar com apenas 120, e aponta os motivos, além dos governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff, para a situação em que se encontra. Por um lado, a rejeição pelo banco Bradesco de um pedido de empréstimo de cerca de três milhões de euros no primeiro semestre do ano para que pudesse alongar dívidas com a própria instituição financeira e, por outro, "o forte abalo com o advento da tecnologia" que a empresa, "assim como dezenas de outras sociedades no segmento editorial, sofreu e sofre".
"Qual é o produto de maior venda da editora evangélica? A Bíblia. Se o cara 'tá com pouco dinheiro, por que vai comprar uma nova?", perguntou-se Malafaia, em reportagem do jornal Folha de S. Paulo.
De facto, as bíblias são o principal produto à venda no site da Central Gospel. Numa breve pesquisa na página de abertura, encontra-se à venda O Novo Comentário Bíblico, por cerca de 70 euros, ou o Novo Comentário Bíblico Beacon - atos 1 a 14 e o Novo Comentário Bíblico Beacon - atos 15 a 28, cada um por perto de 17 euros. Mais cara, a Bíblia Gigante mais, com Orientações de Saúde, chega a 60 euros, mais ou menos o mesmo preço da Bíblia de Anotações Preta, com Hinário, quase o dobro da Bíblia Sagrada Tulipas Verdes, da Bíblia Seja Luz - Sal e Luz, da Bíblia Seja Luz - Lâmpada e da Bíblia Seja Luz - Coração, mas um pouco menos do que a Bíblia de Estudo Avivamento Pentecostal - Marrom.
Há também obras do próprio Malafaia, como 60 Esboços Poderosos para Ativar o Seu Ministério, e de autores estrangeiros, como A Crucificação de Cristo Descrita por Um Cirurgião. Vende-se ainda kits, como o Kit Família e o Kit Pregador. Para crianças, está ao dispor a Bíblia da Turma do Cristãozinho e para o público feminino 31 Segredos de Uma Mulher Inesquecível, num total de 650 títulos, todos a preço de saldo.
Dada a influência e a popularidade de Malafaia, a notícia da sua situação financeira tornou-se um dos assuntos mais comentados do dia nas redes sociais. Principalmente depois de o youtuber Felipe Neto, também influente e popular, revelar um processo que o pastor lhe moveu.
"Silas Malafaia está-me processando criminalmente, buscando minha condenação à prisão, simplesmente por eu ter acabado com seu esquema de boicotes a empresas que apoiam causas LGBT (...) por eu ter feito meu papel de ser humano e defendido outros seres humanos. E eu posso vir a ser condenado, podem mover mundos para me calar, mas nunca irei deixar de lutar". Em causa, críticas de Malafaia a um filme da Disney em que havia um beijo gay e a consequente reprovação pelo youtuber desse comentário.
A luta de Malafaia com os homossexuais é antiga, na forma de protestos contra a lei que proíbe homofobia, na aprovação de uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo, ao sugerir que os católicos, por verem símbolos seus usados na Parada Gay, "baixassem o porrete [batessem]" nos participantes e comparando gays com bandidos. "Eu não acredito que dois homens e duas mulheres tenham a capacidade de criar um ser humano. Se houver um pastor homossexual, ele perde o cargo. Não tenho nada contra homossexuais, mas amo homossexuais assim como amo bandidos", disse em entrevista.
No dia seguinte a ser noticiada a situação de falência da Central Gospel, o pastor deslocou-se a Brasília para um almoço com Bolsonaro, com outras lideranças evangélicas e com deputados da chamada Bancada da Bíblia. "Dissemos ao presidente que temos interesse em que a Constituição seja tratada com seriedade quando ela diz que as igrejas são portadoras de imunidade tributária", resumiu Silas Câmara, o líder daquela bancada.
Participaram da reunião, cujas fotografias Malafaia espalhou nas redes sociais, quatro ministros, incluindo o da economia, Paulo Guedes, e um pastor, Fábio Rodrigues, que é contabilista de profissão.
Ao longo da sua gestão, Bolsonaro já atendeu duas vezes exigências fiscais do segmento evangélico, considerado essencial na sua eleição. "O presidente Bolsonaro é aberto às demandas do setor", admitiu a propósito o general Rêgo Barros, porta-voz do Planalto.
Fonte: Diário de Notícias
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