Documento assinado por Rodrigo Janot, em processo
no STF, afirma que o presidente da Câmara confunde público com privado
Documento assinado por Rodrigo Janot, em processo no STF, afirma que o presidente da Câmara confunde público com privado
FILIPE COUTINHO - éPOCA
A Procuradoria-Geral da República afirma que o deputado Eduardo Cunha(PMDB-RJ) usou a Câmara dos Deputados como pretexto para reforçar sua defesa na operação Lava Jato, confundindo seus interesses como se fossem o da instituição. O documento, assinado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, diz que o presidente da Câmara confunde o público com o privado. O caso tramita em processo no Supremo Tribunal Federal. “O agravo em questão evoca, em pleno século XXI, decantado vício de formação da sociedade brasileira: a confusão do público com o privado”.
Chamado de contrarrazões, o documento é a posição da PGR sobre um recurso da Câmara dos Deputados, apresentado pela Advocacia Geral da União. A instituição pede que sejam desconsideradas as provas obtidas junto ao setor de informática da Câmara, com a autorização do Supremo. Eduardo Cunha é suspeito de usar uma deputada aliada para apresentar requerimentos que, segundo suspeita a PGR, foram utilizados como instrumento de reforço dasolicitação de propina ao empresário Julio Camargo – por isso a importância dos dados para esclarecer quem era o verdadeiro autor do requerimento. A Câmara dos Deputados, justamente sob a presidência de Cunha, disse que houve uma violação das prerrogativas da instituição. A PGR discorda: o recurso só interessa a Eduardo Cunha – o resto é “disfarce”.
“O inquérito investiga criminalmente a pessoa de Eduardo Cunha, que tem plenitude de meios para assegurar sua defesa em juízo e, como seria de se esperar, está representado por advogado. O investigado solicitou a intervenção da advocacia pública em seu favor, sob o parco disfarce do discurso da defesa de prerrogativa institucional. O que se tem, então, é um agravo em matéria criminal em que a Câmara dos Deputados figura como recorrente, mas cujo objeto só a Eduardo Cunha interessa.”
Na prática, para a PGR, a defesa da Advocacia da União em nome da Câmara tem como único efeito beneficiar o deputado, acusado pelo delator Julio Camargo de solicitar US$ 5 milhões em propina. “O provimento jurisdicional colimado pela Câmara dos Deputados teria como único efeito jurídico subtrair provas da instância criminal, com o escopo de beneficiar Eduardo Cunha: o agravo não admite resultado que não seja o desentranhamento das provas; é só o que pleiteia”.
Segundo Janot, Eduardo Cunha usou a Câmara deliberadamente. “Não parece ser à toa o fato de que o parlamentar é o verdadeiro e único beneficiário do agravo regimental interposto pela Advocacia da União, em nome da Câmara dos Deputados”. A PGR foi enfática: a estratégia de Cunha é “óbvia até para leigos”. “A tentativa da Advocacia da União de invalidar provas colhidas no cumprimento da decisão do STF beneficia somente ao parlamentar investigado, tão evidente é a ilegitimidade recursal da Câmara dos Deputados. Não é coincidência, pois, que esse parlamentar investigado seja o exatamente presidente da casa legislativa que a Advocacia da União afirma representar”.
No documento, Janot ainda classifica como “exótica” a alegação da Câmara, de que haveria uma imunidade da instituição. “O único argumento do agravo que sugere evocação de prerrogativa institucional gira em torno da alegação de uma exótica imunidade de sede da Câmara dos Deputados, que confunde Direito Constitucional com Direito Diplomático, como se Câmara dos Deputados fosse não apenas independente, mas verdadeiramente soberana”.
O recurso da Câmara contra o pedido da PGR é mais um capítulo da crise entre o presidente da Casa, Eduardo Cunha, e os investigadores da Lava Jato. Cunha afirma que Janot tem atuado politicamente ao investigá-lo. O inquérito, contudo, avança. Sempre com autorização do Supremo.
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