terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

DAMARES VOLTA A "ATACAR"


Programa de incentivo à abstinência sexual quer "educar pelo medo", diz especialista

Para a doutora em psicologia social e professora do curso de psicologia da UFPA Maria Lúcia Lima,UFPA, incluir a abstinência sexual como política pública é negar a realidade de que adolescentes mantêm relações sexuais e cada vez mais jovens.
A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, lançam a Campanha Nacional de Prevenção à Gravidez na Adolescência
A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, lançam a Campanha Nacional de Prevenção à Gravidez na Adolescência (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)
Catarina Barbosa, Brasil de Fato - Contrariando a opinião de especialistas da área de saúde, o Governo Federal lançou nesta segunda-feira (3), a campanha "Tudo tem seu tempo", que inclui a o inventivo à abstinência sexual como método contraceptivo para adolescentes.
O anúncio oficial ocorreu em coletiva de imprensa com a presença do Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que anunciou um investimento de R$ 3,5 milhões em publicidades na TV aberta, outdoor social e na internet
Apesar de o documento apresentado pelo ministro informar que o público-alvo da campanha eram adolescentes, Mandetta e a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves -- que também participou da coletiva desta segunda --, reforçaram que o foco do governo será nos jovens com menos de 15 anos. O ministro chegou a afirmar que não sabia se usava o termo criança ou adolescente.
Segundo dados do governo, entre 2000 e 2018, houve redução de 40% no número de adolescentes de 15 a 19 anos que engravidaram, entretanto, o número a queda entre as jovens menores de 15 anos foi de, apenas, 27%.
Estatísticas divulgadas em 2018 pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), ligada à Organização Mundial da Saúde (OMS), expressam que, de fato, a gravidez na adolescência é um grave problema de saúde pública no país. Enquanto a taxa mundial é estimada em 46 nascimentos para cada mil meninas entre 15 e 19 anos, no Brasil, são 68,4 nascimentos para cada mil jovens.
"Nunca houve uma mensagem para essa menina e esse menino. Há uma pressão que algumas meninas sofrem para ser aceitas na comunidade, pressão para serem sexualmente ativas. O que estamos acrescentando na política? Converse com a sua família, com os seus amigos, para ver se você consegue ter uma maternidade, paternidade possível. Gravidez não combina com adolescência. Não está na hora", argumentou Mandetta.
A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, disse que a campanha nasceu de um ano de conversa e que não se trata, "de um insight de uma ministra radical, fundamentalista e moralista". "Estamos falando de vida e esse assunto tem que nos unir. Quando a gente fala de gravidez, eu estou falando da menina de 11 anos, do menino de 10 anos. Estamos querendo fazer o certo", disse. 
Damares afirmou ainda que as políticas atuais estão fazendo com que as meninas façam um uso exagerado da chamada "pílula do dia seguinte". "Estamos vendo meninas fazendo uso excessivo da pílula. E vou falar como mãe. Previna-se. Vamos conversar. O assunto sexo precoce não encerra-se nessa campanha. Nós vamos continuar conversando com o Brasil por muito e muito tempo."
A política do "medo"
Para Maria Lúcia Lima, doutora em psicologia social e professora do curso de psicologia da Universidade Federal do Pará (UFPA), incluir a abstinência sexual como política pública é negar a realidade de que adolescentes mantêm relações sexuais e cada vez mais jovens. O caminho escolhido pelo Governo Federal é educar por meio do medo e isso não traz bons resultados.
"Essa política da abstinência, ela quer trabalhar com a política do medo. Ela está dizendo: – Olha, o sexo na adolescência ele é ruim. Ele traz doença, traz gravidez indesejada, traz abuso, assédio. Não adianta colocar medo nas pessoas, que elas vão continuar tendo relações sexuais. Faz um paralelo com a política de drogas. Dizer da abstinência às drogas, ou seja, uma política de medo, em relação às drogas não é eficaz", explica. Para a doutora em psicologia, o mais perigoso é que a ausência do diálogo, uma vez que a educação sexual ajuda a proteger as crianças de abusos sexuais e também a entender o que é consentimento, integridade social, entre outros temas. 
"A gente está vivendo em uma situação, principalmente, a partir das eleições presidenciais de 2018, o tema da educação sexual tomou uma proporção muito grande, colocando como se educação sexual fosse uma maneira de ensinar as crianças a fazer sexo, o que é uma mentira. A educação sexual não ensina ninguém a fazer sexo, tanto que eu prefiro chamar de educação para a sexualidade, porque uma educação para a sexualidade a gente vai falar sobre autonomia individual, a gente ter recursos, ferramentas para entender o que eu desejo, o que eu não desejo." 
A professora da UFPA afirma ainda que a abstinência sexual é uma escolha legítima de qualquer indivíduo e deve ser respeitada como uma escolha de vida. Contudo, o Estado, responsável pela saúde da população não deveria torná-lo política pública.
Enfoque nas mulheres
Para Simony dos Anjos, cientista social, doutoranda em Antropologia pela Universidade de São Paulo (USP) e integrante do Evangélicas pela Igualdade de Gênero (EIG), o fato dos ministros defenderem que a campanha é dirigida para meninos e meninas não se sustenta.
"Socialmente a gravidez é vinculada às mulheres, portanto, as meninas. Não se deve tratar o tema como, apenas, evitar a gravidez, mas como escolhas responsáveis a respeito a vida sexual, ensino sobre como se comportar sexualmente de maneira segura de modo que abranja todos os gêneros: homens e mulheres. Sem contar também a possibilidade de sexo entre pessoas do mesmo sexo", questiona. 
Outro ponto de preocupação apontado por Simony diz respeito à vulnerabilidade que, infelizmente, faz parte do cotidiano de muitas jovens, o que não parece ter sido levado em conta pela ministra.
"Atrelar a gravidez diretamente ao fazer sexo é um problema e um problema de saúde pública e por outro lado muitas meninas que engravidam, aliás, a maioria delas que engravidam até 13 anos, não engravidam de meninos, engravidam de homens abusadores. Então, essa campanha realmente ela não se sustenta nesse sentido", afirma. 
Para a cientista social, Simony dos Anjos a Ministra se comporta como uma mãe o que faz com que ela leve para vida pública comportamentos que fazem parte da individualidade de mãe e filho. 
Forma disfarçada de sucatear o SUS
A enfermeira-obstetra de Recife (PE), Paula Viana, que faz partos domiciliares e coordena o Grupo Curumim, uma organização não-governamental feminista, o lançamento da Campanha "Tudo tem seu tempo" esconde uma estratégia recorrente do Governo Federal de desviar o foco das discussões dos temas mais urgentes, como a falta de financiamento adequado para o Sistema Único de Saúde (SUS).
"Esse governo tem essa estratégia de trazer assuntos completamente fora da racionalidade para esconder na verdade o que realmente eles estão promovendo, que é o sucateamento do nosso SUS e a política de saúde sexual, de saúde reprodutiva  ela tem como grande suporte o SUS. É uma forma de encobrir os reais interesses desse governo de privatizar todo os nossos equipamentos e estrutura que é gratuita e universal", pontua. 
Ela também alerta para o caráter obsoleto da política pública no que se refere a prevenção de gravidez e doenças sexualmente transmissíveis. "Nós vivemos em um mundo em que a informação muitas vezes peca pela qualidade. Essa campanha ela vem confundir mais a cabeça das jovens e dos jovens, consequentemente expondo essa população a um maior risco".

Brasil 247

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