terça-feira, 12 de março de 2013

As veias abertas do Ministério Público de Pernambuco

Por Noelia Brito, advogada e procuradora do Município do Recife
Para o blog do Jamildo:

O afastamento da promotora Belize Câmara da Promotoria do Meio Ambiente da Capital abriu uma ferida no Ministério Público de Pernambuco que está muito longe de ser fechada.

Aliás, essa ferida é daquelas que para cicatrizar exigirá a remoção de todo o tecido necrosado, para que o novo tecido possa finalmente trazer a cura para o órgão doente.

Um ato arbitrário como o cometido contra a promotora, jamais é cometido de maneira isolada, de maneira dissociada de outras práticas de mesmo jaez. Muitas vezes funciona como a gota d’água ou o estopim para o transbordamento ou a explosão de uma situação que já não tem mais como se sustentar.

E por que eu digo isso? Simplesmente porque tão logo veio a público que a promotora Belize Câmara, responsável por trazer novos ares ao Ministério Público de Pernambuco, fora afastada abruptamente de suas funções na Promotoria do Meio Ambiente, em detrimento dos interesses da sociedade, ato contínuo, vieram à tona sérias denúncias de que aquele órgão, fiscal da lei, praticava e ainda pratica, as irregularidades que deveria combater nos demais órgãos do Poder Público.

Abro agora um parêntesis para esclarecer que não é apenas no tocante a sua atuação brilhante na defesa do patrimônio público, que a promotora Belize Câmara foi e é digna de encômios e se tornou símbolo de uma causa, posto que ninguém duvide que existem muitos outros promotores tão brilhantes e tão compromissados com o interesse público quanto ela, senão não existiriam, por exemplo, 15 ações de improbidade tramitando contra a ex-primeira dama do Recife, Marília Lucinda, ao tempo em que era diretora financeira da secretaria de Educação da PCR. Não, não se trata disso. Seria leviano com muitos profissionais corretíssimos que compõem o “Parquet” pernambucano afirmar o contrário.

O grande diferencial da promotora foi fazer o Ministério Público cumprir seu papel de estar próximo à sociedade, dialogando diretamente com esta e agindo de forma transparente, como é seu dever institucional, inclusive, porque assim quer a Constituição, porque assim quer o povo, patrão de todas as instituições e de todos os que fazem e são remunerados por essas mesmas instituições.

E por falar em remuneração, chegamos exatamente ao ponto aonde queríamos chegar, quando falávamos das “veias abertas” do Ministério Público de Pernambuco, abertas pelo ato do Procurador Geral de Justiça, Aguinaldo Fenelon, que ao retirar a promotora Belize do lugar de onde não poderia ter sido retirada porque é ali que a sociedade a quer e a sociedade é a comandante maior não só do Ministério Público, mas de todas as instituições, atraiu todos, eu disse todos os olhares não só para si, mas para o próprio Ministério Público. E o que a sociedade viu, olhando de cima, que é de onde a sociedade sempre olha, ao espiar pelo telhado de vidro do Ministério Público de Pernambuco, não foi, lamentavelmente, coisa lá muito bonita de se ver.

O que a sociedade viu foi um quadro de práticas que beiram o clientelismo típico das prefeituras que são ou que deveriam ser alvo da ação enérgica do MPPE, que, por sua vez dá, ele mesmo, péssimo exemplo, quando se constata que segundo o processo 0.00.000.001356/2012-11, instaurado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (que está para o MP, assim como o CNJ está para o Judiciário), 41% dos funcionários do MPPE não são pertencentes aos seus quadros, ou seja, não ingressaram via concurso público. Somente 511 dos 1.028 servidores seriam efetivos, sendo 257 terceirizados e 481 cedidos por prefeituras (294) ou pelo governo do Estado (187).

Fiquei deveras impressionada com a defesa apresentada ao CNMP, pelo procurador geral de Justiça, para justificar tal situação e para sustentar sua perpetuação, pois utiliza, exatamente, os mesmos argumentos lançados por maus gestores, quando fazem suas defesas nas ações de improbidade movidas por aqueles promotores brilhantes e compromissados com a defesa do patrimônio público, aos quais me referi anteriormente.

Em suma, o procurador geral diz ao CNMP que é mais barato descumprir a lei e não nomear os concursados, buscando selecionar seus servidores em prefeituras, governo do estado e empresas de terceirização (o critério de seleção deixo ao livre arbítrio de cada leitor imaginar qual seria, pois sem concurso, o livre arbítrio do gestor e de seus aliados será sempre o critério).

Todos sabemos que vários promotores movem ações contra prefeitos para forçá-los a cumprir a Constituição. Exigem que em vez de cargos comissionados e terceirizados façam concursos e nomeiem os aprovados, enquanto isso, no próprio MPPE vê-se a defesa, intramuros, na má prática administrativa combatidas nas promotorias de defesa do patrimônio público.

Ainda outro dia denunciei em artigo publicado neste mesmo espaço, que me é democraticamente franqueado pelo editor, Jamildo Melo, todas as semanas, o sucateamento da Controladoria do Estado e até suscitei a ação do MPPE, para o caso: “Eu mesma tomei conhecimento de grave denúncia quanto à situação do concurso para Analista de Controle Interno que deveria ser, com toda vênia, alvo da atenção do Ministério Público, quiçá, por sua Procuradoria de Defesa do Patrimônio Público, no intuito de se descobrir as razões pelas quais a Secretaria da Controladoria Geral do Estado de Pernambuco (SCGE-PE) não tem dado continuidade ao referido certame. Será que é porque compete a esses servidores, dentre outras relevantes atribuições, justamente, a fiscalização de pessoas físicas ou jurídicas que recebem valores ou bens do Estado de Pernambuco, como é o caso, por exemplo, de todas as empresas beneficiárias das doações de terrenos e favores fiscais que têm sido a tônica da atual gestão?”

Depois, ao saber do “modus operandi” do atual dirigente do MPPE ao gerir, da mesma forma, o órgão fiscalizador, fiquei até acabrunhada.

É interessante notar que os mesmos motivos orçamentários que impedem a nomeação de concursados não foram impedimento para o pagamento retroativo a 2007, de auxílio-alimentação, já apelidado, jocosamente de “auxílio-lagosta”, para os membros do Ministérios Público e na mesma semana do afastamento da promotora de suas funções da promotoria de Defesa do Meio Ambiente e logo após as instauração da investigação no CNMP, como se a impunidade fosse mesmo uma certeza absoluta. O benefício causará um acréscimo anual de R$ 4,8 milhões nas despesas do MPPE, a partir de março, suficiente, portanto, para custear a nomeação de uma boa quantidade de Analistas Ministeriais, que aguardam ansiosos para servir ao povo de Pernambuco.

O procurador geral de Justiça, Aguinaldo Fenelon, gosta de afirmar que é um homem forjado nas lutas democráticas, porém, aqui e ali flagramos em suas próprias falas, contradições em seu discurso. O ato de retirada da promotora Belize é autoexplicativo, simbólico. Para além disso, quando fala, sempre insiste em dizer que foi ele quem deixou, foi ele quem permitiu, foi ele quem autorizou, o que demonstra que a independência do membros do MPPE não é algo que esteja tão clara assim em sua mente e isso é preocupante.

Ao mencionar, por exemplo, as ações movidas contra seu irmão, Henrique Fenelon, ex-prefeito de Goiana, pelo partido do governador Eduardo Campos, faz questão de ressaltar que mesmo consultado, não fez nada para impedir as ações. De se estranhar, para começo de conversa, a consulta.

Por fim, tendo sua gestão denunciada ao CNMP insiste na quebra do sigilo quanto aos nomes dos denunciantes, que depois do ocorrido com a promotora só tiveram aumentados seus temores quanto a eventuais retaliações. Aliás, o episódio com nossa querida promotora Belize, ninguém duvide, foi um grande recado. Um recado para todos nós que formamos a sociedade civil que resiste. Se são capazes de fazer isso com uma promotora de Justiça, para calar sua voz e inibir suas ações em prol do interesse público, a que ponto não serão capazes de chegar para calar a NOSSA voz e inibir as NOSSAS ações?

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