"Mulheres-caranguejo" da prostituição levam vida subumana no mangue de Santo AmaroElas fazem sexo no manguezal, sob efeito do crack. Com um histórico de desestrutura familiar e pobreza, estão na base da pirâmide da prostituição
- Diário de Pernambuco:
Prostituta acompanha homem para uma das áreas onde são feitos os programas . Fotos: Allan Torres/DP/D.A Press |
É manhã de um dia de semana. O movimento de clientes ainda é fraco se comparado com o da tarde e da noite. Meninas e mulheres misturam-se aos caranguejos habitantes da mesma lama salobra. Ao longo das trilhas construídas pelos passos constantes na beira do mangue, prostitutas estão “malocadas” sob guarda-chuvas. Também improvisam barracos de lona. Escondem assim o uso da droga.
Quando o efeito da droga passa, as mulheres buscam por comida e bebida. Mas vários dias podem se passar sem que elas se deem conta da necessidade. “Tem cliente que passa e dá comida. As colegas também oferecem pra gente”, conta Fernanda*, 19, com corpo de menina de 12 anos e rugas em torno dos olhos comuns a mulheres maduras. Quanto mais suja e deteriorada pelas drogas a mulher está, mais ela é procurada pelos clientes, contam. E eles pertencem a variadas classes sociais e profissões. Também há os casados.
À noite, o número de clientes aumenta, e com eles a degradação das meninas. O banho é artigo supérfluo após o sexo. Quando desejam fazer a higiene, procuram a torneira próxima à Ponte do Limoeiro, onde estão os pescadores.
Risco de doença não afasta clientes
Embalagens de camisinha são deixadas pelo chão. levantamento indicou pelo menos duas portadoras do vírus hiv |
Maria*, 25, passou um ano morando no mangue, sendo oito meses grávida da terceira filha. Assim como Fernanda, dormia onde encontrava abrigo, inclusive nos barcos ancorados na cabeceira da ponte. “Ninguém quer saber de muriçoca depois de quatro dias acordada com droga na cabeça. Só dormia depois de fumar maconha e comer”, lembra.
Maria está afastada do mangue e das drogas, recebendo atendimento no programa Atitude, do governo do estado. Um trabalho lento que envolve o convencimento das “mulheres-caranguejo” a deixarem a situação de risco social com base no decreto 7053, do governo federal.
Garotas saem do mato e vão para a pista em busca de clientes |
O documento dispõe sobre a Política Nacional para a População em Situação de Rua. Ela decidiu deixar a lama depois de o corpo dar sinais de enfraquecimento. “Passava a madrugada feito zumbi, circulando no meio do mato. Outras mulheres também fazem isso. A gente vira escrava da droga”, conta.
O efeito do crack encoraja na negociação variada com o cliente, na dormida desprovida de conforto e na caminhada pela escuridão do mangue. Tamanha coragem só cai por terra quando as meninas se deparam com despachos deixados por seguidores de religiões de matrizes africanas no meio do mangue. “Tenho medo de cruzar com um despacho desse”, confessa Juliana.
A venda do corpo por um pouco de crack
Meninas aguardam clientes para mais um programa que financiar mais um dia de consumo de drogas |
Ana Glória Melcop, da ONG Centro de Prevenção das Dependências e à frente do Centro da Juventude e do Programa Atitude, ambos do governo do estado, destaca a necessidade de uma abordagem mais eficaz junto a essas mulheres. Ana Glória planeja levar para as prostitutas à Profilaxia Pós Exposição (PPE), fornecida pelo estado, na intenção de reduzir as chances de contaminação pelo HIV após uma relação sexual de risco.
Equipes sociais tentam prestar assistência a grupo, mas às vezes encontram resistência |
“É preciso uma retaguarda da saúde, da educação”, diz Ana Glória. “A escola, por exemplo, tem preconceito com elas. As mulheres necessitam de uma abordagem que as faça perceber seus direitos e deveres”, afirma. “Sou contra a retirada forçada dessas pessoas de lugares assim, por pior que sejam. Também sou contra o estilo de vida delas, mas não concordo com a limpeza da cidade a todo custo”, opinou.
Em novembro de 2012, membros da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, a mesma que recebeu denúncias de 20 pontos críticos de prostituição na capital pernambucana, estiveram no mangue da Artur Lima Cavalcanti para conhecer a realidade das meninas. A presidente da CPI, Erika Kokay, chegou a rezar com as mulheres às margens da avenida. Mas de lá para cá, nada mudou.
Um projeto da Comissão Pernambucana pela Paz, formada por moradores de Santo Amaro, prevê uma transformação. A ideia é capacitar as mulheres para trabalhar como guias dentro do mangue. O lugar passaria a receber visitas de estudantes.
Rotina de violência de medo
Profissional do sexo mostra marcas da violência no mangue |
Entre as mulheres, a violência é outra constante. A mesma que foi amarrada ateou fogo em uma colega que dormia. A vítima teria lhe roubado R$ 10, um cachimbo e uma pedra. “Nem sei se morreu, mas se tivesse morrido eu ficava sabendo.”
Garota foi arrastada por falso cliente que a segurou pelo braço e arrancou com o carro |
Em junho, uma jovem escapou de morrer após ser esfaqueada por um desconhecido. Outra mulher apareceu morta na lama e um homem foi vítima de tentativa de homicídio. Há boatos de que um homem estaria tentando se vingar das mulheres porque teria contraído o HIV.
O delegado Alfredo Jorge investiga os crimes, mas não confirma o suposto vingador. “A tentativa de homicídio da mulher pode ter sido passional. Já a vítima que apareceu morta pode ter sofrido morte súbita. Quanto ao homem, não seria frequentador do local”, afirma Alfredo Jorge. O tráfico é intenso. “À noite, carros de marca boa, de gente de classe alta, param para contratar meninas ou comprar drogas.”
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