terça-feira, 23 de abril de 2013

Organizações Sociais e Ebserh no comando dos recursos do SUS: a quem serve o modelo privatista de Dilma e Eduardo Campos?



Por Noelia Brito, especial para o Blog de Jamildo

As eleições presidenteciais serão em 2014, mas pelo menos dois candidatos já se lançaram na disputa e com propostas mais que assemelhadas, notadamebte do que diz respeito à continuidade da política de privatizações e concessão de benesses fiscais ao empresariado, iniciada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardozo, uma espécie de “muso inspirador” da política neoliberal adotada pelo lulo-dilmo-petismo e seguida, com fidelidade canina, pelo governador Eduardo Campos, em Pernambuco, que em hipótese nenhuma pretende fazer oposição ao governo Dilma, antes, quer mesmo é “fazer mais” e nesse mais, leia-se, sem medo de errar, mais privatizações e mais benefícios fiscais.
São tantos “favores” que os dois governantes concederam e concedem ao empresariado, tudo, evidentemente, às custas do endividamento cada vez maior do Estado – e aqui se entenda Estado na sua acepção mais ampla – que é impossível tratar todos em um único artigo. Por isso e dada a importância do tema para a população em geral, notadamente àquela que se utiliza dos serviços do SUS, que é a grande e esmagadora maioria do povo brasileiro, escolhi falar um pouco, hoje, sobre as práticas nefandas, tanto do PT, com Lula-Dilma, quanto do PSB, com Eduardo Campos, de privatização da saúde pública.
Em Pernambuco, a gestão da saúde pública foi entregue, de mãos beijadas, à gestão das chamdas Organizações Sociais. Assim, hospitais construídos com recursos públicos, como o Hospital Metropolitano Miguel Arraes e as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) de Olinda, Igarassu e Paulista são, hoje, geridos por entidades privadas que se dizem sem fins lucrativos, ou seja, fazem o trabalho que movimenta milhões em recursos públicos e emprega milhares de pessoas, exclusivamente por pura generosidade cidadã. Para se ter uma ideia do nível da generosidade dessas entidades, uma delas, o IMIP, cedeu, inclusive, seu principal sócio para que assumisse a Secretaria de Saúde de Pernambuco, falo do secretário Antônio Figueiras, que se licenciou do IMIP para assumir a direção geral da saúde no governo Eduardo Campos.
Contra as contratações celebrados pelo Estado de Pernambuco, o Ministério Público Federal, por intermédio dos procuradores Edson Virgínio Cavalcante Júnior e Carolina de Gusmão Furtado, até chegou a ingressar com uma ação civil pública. Na ação, tombada sob o número 2009.83.00.016401-2, o MPF argumenta que a medida adotada pelo Estado configura desrespeito à Constituição Federal, por entregar à iniciativa privativa a prestação do serviço público de saúde. Segundo o MPF, a transferência do serviço público de saúde, para o setor privado serviria, na verdade, para transferir o próprio patrimônio público para essas entidades, além dos milionários repasses financeiros a que fazem jus, sem falar na burla à Lei de Licitações, já que essas instituições podem utilizar os recursos como bem as aprouver, sem ter que se submeter aos ditames da Lei nº 8.666/93.
A Juíza Federal Substituta Daniela Zarzar Pereira de Melo Queiroz, quando em exercício na 1ª Vara Federal, utilizou um argumento no mínimo curioso, para fundamentar sua decisão pela improcedência da ação civil pública. Disse a nobre magistrada que o TCE havia constatado que a gestão privada dos hospitais públicos de São Paulo era mais eficiente que a das unidades geridas diretamente pelo Estado. Então, em prol dessa suposta eficiência em São Paulo, por que nos preocuparmos em cumprir a Constituição, aqui em Pernambuco, quando fala que a Administração pública deve ser pautada em mais tantos outros princípios, tais como moralidade, legalidade e impessoalidade? Vejamos o que a nobre Juíza Federal afirma, textualmente: “Elucidativa a notícia veiculada no Jornal do Commercio do dia 28/10/2009, relatando que a auditoria do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco concluiu que hospitais comandados por organizações sociais (OS) em São Paulo são mais eficientes em gestão do que as cinco grandes unidades pernambucanas com gerência direta do Estado.”
Noutro ponto de sua decisão, a Juíza Federal afirma que “Se tal proibição de fato existisse, o que dizer das clínicas e hospitais particulares que atendem pelo SUS? Poder-se-ia afirmar que esses convênios são inconstitucionais? A constitucionalidade de tais convênios nunca foi questionada, visto que, como dito acima, a possibilidade da prestação de serviços de saúde pela iniciativa privada é assegurada pela própria Constituição.”
Vejam que a Juíza se utiliza de um sofisma para decidir favoravelmente ao Estado de Pernambuco e às Organizações Sociais, dentre elas o IMIP, cujo proprietário é o próprio Secretário de Saúde de Permambuco. Trocando em miúdos, o que a ínclita julgadora afirma é que se se é conivente com determinada má prática, então por que não o ser com todas as demais, não é mesmo? A isso deve-se chamar provavelmente “isonomia”.
Ora, é evidente que os convênios celebrados por entes públicos com clínicas particulares, utilizando-se dos recursos do SUS são altamente questionáveis. São tão quesionáveis que o TCU, ao investigar esse tipo de Convênio em várias cidades do País e, em especial, aqueles realizados pela Prefeitura do Recife, constatou uma série de irregularidades, conforme se percebe ao ler a decisão proferida no TC 021.667/2010-1, irregularidades, aliás, que foram por mim denunciadas ao Ministério Público de Pernambuco, juntamente com Jair Pedro Silva, presidente estadual do PSTU e que é profundo conhecedor das mazelas que atingem nosso sistema de saúde, porque como Jair Pedro costuma dizer, além de ser servidor da Secretaria de Saúde do Estado, é, ele mesmo, usuário do SUS.
Em nossa denúncia comunicamos ao MPPE que o “Tribunal de Contas da União realizou uma auditoria no Fundo Municipal do Recife, no segundo semestre de 2010 (TC 021.667/2010-1). A finalidade era avaliar a legalidade na aplicação de recursos federais transferidos, na modalidade fundo a fundo. As conclusões a que chegaram OS auditores do TCU sobre a gestão da Secretaria de Saúde da PCR são, simplesmente, escandalosas. De cara, os técnicos do TCU constataram que as entidades privadas eram “contratadas” de “boca”. Os “contratos” eram fechados na camaradagem, sem nenhuma formalidade, falando o português bem claro, simplesmente, NÃO EXISTIAM CONTRATOS OU QUAISQUER INSTRUMENTOS FORMAIS FIRMADOS ENTRE A SECRETARIA DE SAÚDE E ENTIDADES PRIVADAS PARA A INTEMEDIAÇÃO DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À POPULAÇÃO.”
O próprio TCU constatou que “Conforme já descrito no achado do item 3.6 (pagamento a prestadores privados sem a formalização de contratos), a Secretaria de Saúde do Município comunicou que, para a realização das contratações, não houve realização de quaisquer modalidades de licitação, dispensa ou inexigibilidade. Apresentou documento, no qual estão discriminados todos os prestadores de serviços de saúde, privados e filantrópicos, daquele ente, onde é possível evidenciar que apenas os hospitais filantrópicos possuem acordos formais firmados com o município. Nenhum dos atuais prestadores de serviços saúde de natureza privada submeteu-se a procedimento licitatório para a prestação de serviços no município (Anexo 1, fl. 280-281).”
Ora, está claro já aí, que os negócios realizados pelo Poder Público com clínicas privadas, para prestação de serviços de saúde são, sim, altamente questionáveis e questionadas. Assim, é de se lamentar que a Juíza mencionada tenha utilizado o péssimo exemplo desse tipo de ajuste ou pactuado (sequer podemos falar em contratos ou convênios, uma vez que inexistentes formalmente) para liberar os negócios do estado de Pernambuco com entidades privadas. O exemplo não poderia ser mais infeliz, se é que é possível se proferir julgamentos fundamentados, tão somente, em exemplos sequer comprovados.
Vários levantamentos realizados, inclusive no periodo eleitoral passado, constataram o nível de insatisfação da população com os serviços de saúde prestados por todas as esferas de governo, notadamente em Pernambuco e no Recife, onde o serviço público foi transferido de há muito, para a iniciativa privada, por meio de entidades ditas filantrópicas e das mais diversas clínicas particulares e sem licitação, conforme visto (no Recife, a auditoria do TCU observou pelo menos dez anos de situações irregulars). Esses levantamentos é que deveriam e devem ser observados ao analisarmos tais negócios, se quisermos mensurá-los do ponto de vista da eficiência, porque do ponto de vista da legalidade e da moralidade, já está clara sua inviabilidade.
No bojo dessa política de privatização deliberada da saúde pública, deparamo-nos desde o ano passado, com a criação de uma empresa pública, pelo governo federal, para administrar os Hospitais Universitários. A medida gerou uma grita contrária ao projeto, a ponto de o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, ter ajuizado, em janeiro deste ano, perante o Supremo, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn 4895) contra dispositivos da Lei 12.550/2011, que autorizou a criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh)
Contra a privatização da gestão dos Hospitais Universitários, ANDES-SN, a Fasubra e a Fenasps, o Forum contra a Privatização da Saúde e até o Conselho Nacional de Saúde resolveram se irmanar.
Dentre as insconstitucionalidades levantadas na ADIN, destaque para a forma de contratação de empregadoss que prestarão serviços aos Hospitais Universitários, que sera por meio da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de processo seletivo simplificado e de contratos temporários, evidenciando a política de precarização das relações laborais que vem imbutida no projeto que, de cara, já fere o princípio da impessoalidade e do concurso público.
A professora Claudia March, do ANDES e da Uniersidade Federal Fluminense adverte sobre o “flagrante desrespeito aos preceitos institucionais começa ao atribuir a uma empresa de direito privado, cujo objetivo é de exploração direta de atividade econômica, incluindo a produção de lucro, a gestão de hospitais universitários cujas atividades – prestação de serviços públicos de saúde e educação – caracterizam-se como serviços públicos de relevância pública, que não podem ser transformados em atividades econômicas”. ??
De acordo com Claudia March, através da Ebserh, mesmo esta se travestindo de empresa de capital 100% público, permite-se, por meio de convênios, parcerias e contratos o setor privado, tudo sem licitação, é bom que se diga, a mercantilização das funções e atividades públicas e a consequente financeirização dos recursos públicos. Além disso, segundo a representante do ANDES, “há a possibilidade concreta de priorização do atendimento aos usuários do SUS que tenham planos privados, pois este resultará na dupla obtenção de recursos, através do repasse do SUS, referente aos atendimentos e aos repasses dos planos privados”, gerando uma possível “diferenciação em benefício dos usuários do SUS que tenham planos de saúde em detrimento dos usuários SUS, gerando um duplo estatuto de usuários e prejuízos aos usuários SUS que não têm plano de saúde”.
Segundo ainda, Cláudia March, a venda de serviços de ensino, pesquisa e extensão, a exemplo do que já ocorre com a intermediação das chamadas Fundações Privadas ditas de Apoio, como as já conhecidas da CPI das Fundações, FADE e FINATEC, provavelmente priroizarão os temas de pesquisa e cursos que atendam ao mercado e não às necessidades sociais de saúde dos usuários do SUS.
O que se percebe, portanto, é um total e orquestrado desrespeito à Constituição, seja do governo Dilma, seja do governo Eduardo, no que concerne a seus preceitos mais caros e tudo em nome de uma tal “eficiência” que qualquer usuário do SUS é capaz de testemunhar não passar de propagada enganosa, engendrada por marqueteiros cujas agências, por sua vez, também são agraciadas com contratos e mais contratos milionários com o Poder Público, custeados com o dinheiro do mesmo cidadão que ajudam a enganar com suas falácias.

Noelia Brito é advogada e procuradora do Município do Recife.

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