O Globo - OPINIÃO
Zuenir Ventura
Um país duro de digerir
É a sexta
economia mundial, mas ocupa o 85º lugar em desenvolvimento humano. Apesar
disso, pode se mostrar solidário diante de um desastre natural
Além de nossa colega, muitos tentaram nos decifrar. “É o país do
futuro” (Stephan Zweig), “É o país dos contrastes” (Roger Bastide), “Não é um
país sério” (Charles de Gaulle), “Não é um país para principiantes” (Tom
Jobim). O Brasil parece se divertir em ser rebelde e irredutível às
classificações. Ambíguo, ele não é uma coisa ou outra, mas as duas. Não é isso
ou aquilo, mas isso e aquilo. Complexo e surpreendente, ao mesmo tempo cordial
e violento, generoso e mesquinho, honesto e corrupto, egoísta e solidário,
trabalhador e preguiçoso, o país gosta de desmentir o que se diz dele, a favor
ou contra. É capaz de infames perversidades, teve um dos sistemas de escravidão
mais cruéis do mundo, cometeu atrocidades como as que estão vindo a público
agora, nos 50 anos do golpe militar, é insensível aos seus milhões de
miseráveis. É a sexta economia mundial, mas ocupa o 85º lugar em
desenvolvimento humano. Apesar disso, pode se mostrar solidário e fraterno
diante de um desastre natural, socorrendo vítimas e fornecendo-lhes alimentos e
roupas, por meio de um voluntariado organizado ou não. Campanhas como as de transplantes
e doação de órgãos, por exemplo, são, pelo recorde de adesões, referências
mundiais.
Para ver como funciona outra importante característica nossa, a
ciclotimia, que faz nosso astral e nossa autoestima oscilarem da euforia à
depressão, sugerimos à jornalista voltar depois da Copa, quando o país será
outro — melhor ou pior, já que aqui o evento não é apenas esportivo, mas também
cívico, e “a seleção é a pátria de chuteiras” (Nelson Rodrigues). Se vencer,
uma onda de otimismo se estenderá até a política. Se perder — Felipão já foi
avisado — será o inferno, como foi em 1950, cujo trauma da derrota está
enquistado até hoje em nossa memória coletiva.
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