Xingamento
Gregorio duvivier – Folha de S. Paulo
Puta, piranha, vadia, vagabunda, quenga, rameira, devassa,
rapariga, biscate, piriguete. Quando um homem odeia uma mulher — e quando uma
mulher odeia uma mulher também— a culpa é sempre da devassidão sexual. Outro
dia um amigo, revoltado com o aumento do IOF, proferiu: "Brother, essa
Dilma é uma piranha". Não sou fã da Dilma. Mas fiquei mal. Brother: a
Dilma não é uma piranha. A Dilma tem muitos defeitos. Mas certamente nenhum
deles diz respeito à sua intensa vida sexual. Não que eu saiba. E mesmo que ela
fosse uma piranha. Isso é defeito? O fato dela ter dado pra meio Planalto faria
dela uma pessoa pior?
Recentemente anunciaram que uma mulher seria presidenta de
uma estatal. Todos os comentários da notícia versavam sobre sua aparência:
"Essa eu comeria fácil" ou "Até que não é tão baranga
assim". O primeiro comentário sobre uma mulher é sempre esse: feia.
Bonita. Gorda. Gostosa. Comeria. Não comeria. Só que ela não perguntou, em
momento nenhum, se alguém queria comê-la. Não era isso que estava em julgamento
(ou melhor: não deveria ser). Tinham que ensinar na escola: 1. Nem toda mulher
está oferecendo o corpo. 2. As que estão não são pessoas piores.
Baranga, tilanga, canhão, dragão, tribufu, jaburu, mocreia.
Nenhum dos xingamentos estéticos tem equivalente masculino. Nunca vi ninguém
dizendo que o Lula é feio: "O Lula foi um bom presidente, mas no segundo
mandato embarangou." Percebam que ele é gordinho, tem nariz adunco e
orelhas de abano. Se fosse mulher, tava frito. Mas é homem. Não nasceu pra ser
atraente. Nasceu pra mandar. Ele é xingado. Mas de outras coisas.
Filho da puta, filho de rapariga, corno, chifrudo. Até
quando a gente quer bater no homem, é na mulher que a gente bate. A maior
ofensa que se pode fazer a um homem não é um ataque a ele, mas à mãe — filho da
puta- ou à esposa — corno. Nos dois casos, ele sai ileso: calhou de ser filho
ou de casar com uma mulher da vida. Hijo de puta, son of a bitch, fils de pute, hurensohn. O
xingamento mais universal do mundo é o que diz: sua mãe vende o corpo. 1. Não
vende. 2. E se vendesse? E a sua, que vende esquemas de pirâmide? Isso não é
pior?
Pobres putas. Pobres filhos da puta. Eles não têm nada a ver
com isso. Deixem as putas e suas famílias em paz. Deixem as barangas e os
viados em paz. Vamos lembrar (ou pelo menos tentar lembrar) de bater na pessoa
em questão: crápula, escroto, mau-caráter, babaca, ladrão, pilantra, machista,
corrupto, fascista. A mulher nem sempre tem culpa.
*Gregorio Duvivier é ator e
escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos
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