Texto enviado ao blog pelo professor Heitor Scalambrini Costa*,
que trata sobre a prestação de serviço elétrico em Pernambuco.
Crianças de uma geração não muito distante habituaram-se a assistir a um
desenho animado onde o herói tinha um grito de guerra: “Eu tenho a força”.
Lembrei-me disso neste inicio de 2014, lendo o editorial de um jornal de grande
circulação em Pernambuco.
No citado editorial, uma vez mais o assunto era a Companhia Energética
de Pernambuco – Celpe. Nos últimos anos, essa concessionária de distribuição de
energia elétrica no Estado de Pernambuco, tem aparecido constantemente na
mídia, mais especificamente nas páginas policiais. Quer como responsável por
dezenas de mortes por falta de manutenção em sua rede elétrica aérea quer pela
falta de respostas aos consumidores frente à ineficiência dos serviços
prestados. O cidadão comum, por sua vez, tem recorrido, com mais e mais
frequência, à polícia e ao setor judiciário para reivindicar seus direitos.
No ano 2000, a Celpe foi leiloada (único interessado) e vendida, sob o
pretexto de que a privatização era necessária, inexorável, devido às restrições
orçamentárias e administrativas do Estado para cumprir com suas obrigações
nesse setor estratégico. Alegavam ainda a suposta competência e eficiência da
empresa privada em comparação com a empresa de domínio público. Indo de
encontro a uma tendência mundial, onde o Canadá e os EUA, p. ex., privatizaram
a distribuição de energia elétrica e em seguida a reestatizaram, depois de
seguidos (e gigantescos) apagões. E ainda, que a competição (?) do mercado iria
provocar uma redução nas tarifas. Triste lorota, que parte da sociedade
pernambucana, além de aceitar, apoiou enfaticamente os defensores de tais
teses. Políticos foram eleitos e reeleitos, e estão até hoje no topo das
preferências do eleitorado. Curta memória a nossa...
A Celpe tem mostrado que não basta pertencer à iniciativa privada para
fornecer com qualidade e eficiência um serviço publico de extrema necessidade à
população, que é o fornecimento da energia elétrica. Por outro lado, mesmo
diante de tanta ineficiência e falta de investimentos, a Celpe continua i-na-ba-lá-vel, in-to-cá-vel.
Constatando-se que tem mesmo muita “força”, diante dos péssimos serviços
prestados; mesmo com fragrante desrespeito ao contrato de concessão (previsto
até 2030), e a Lei 8987/1995 que dispõe sobre o regime de concessão e permissão
da prestação de serviços públicos. E ninguém, absolutamente nenhum órgão ou
Poder Público, faz qualquer coisa, tornando-se assim cúmplice. Com certeza, tal
“força” não vem do castelo de Grayskull.
A “força” da Celpe, como responsável direta por tantas mortes, prejuízos
materiais, transtornos e insegurança à população pernambucana, e não somente
aos moradores da região metropolitana, deve-se às relações promiscuas com os
governantes. Enfim, é o poder econômico de sempre, que tudo pode e tudo faz. E,
no caso especifico da Celpe, que tudo deixa de fazer.
A nível estadual, quem deveria fiscalizar a distribuição de energia
elétrica era a Agência de Regulação de Pernambuco – Arpe (conveniada com a
Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel), mas que não faz sua parte. Como
autarquia especial, vinculada diretamente ao gabinete do governador,
converteu-se em um verdadeiro cabide de empregos, que distribui cargos
comissionados sem qualquer participação ou controle social. Completamente
desestruturada em termos de pessoal qualificado e de condições materiais para
exercer seu papel fiscalizador. Como denunciados anos e anos seguidos pelo
Tribunal de Contas do Estado – TCE.
A nível federal, é apurado anualmente o Índice Aneel de Satisfação do
Consumidor (IASC). Presta-se à avaliação da qualidade os serviços a partir da
percepção dos consumidores residenciais, o que em tese deveria auxiliar as
atividades de fiscalização e aperfeiçoamento dos serviços das empresas. Mas
infelizmente, ano após ano, tal índice referente à Celpe declina. E nada se faz
para mudar essa realidade. Aceita a fiscalização (?) da Arpe. A Aneel não cobra
e não pune. É também cúmplice pelo crime de omissão
Bem, até hoje, os Poderes Públicos estadual e federal têm fechado os
olhos à (péssima) qualidade dos serviços elétricos oferecidos por essa
concessionária, que, como já exposto, não cumpre com sua parte no contrato de
concessão. E nada acontece. Ao cidadão indignado resta a pergunta que não quer
calar: a quem recorrer? Ao bispo de It(aip)u?
Em 2014, vem pra rua você também. Vamos todos, juntos, buscar a luz no
fim desse perverso túnel. A solução está com o povo.
*Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco
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