Newton Pedrosa*
Meu pai foi um sargento de milícia, depois oficial, que por décadas (30/60) percorreu os sertões cearenses como delegado de polícia. Gostava do que era e do que fazia, por isso, andava sempre "ancho," como ele dizia. Onde chegava impunha autoridade e respeito, sem ser atrabiliário. Mas, a par de sua atividade, cultivava o hábito salutar e o sentimento generoso de assistir os doidos que conhecia nas cidades por onde andava.
Em Campos Sales, nos confins com a divisa do Piaui, no Carirri cearense, conheceu e "adotou" um doido de apelido Fuba, de temperamento calmo e pacífico, que logo se tornaria figura familiar em nossa casa. Calado, Fuba entrava e saía, ia à rua, voltava, almoçava e jantava, sem muito falar. Quando falava, dizia coisas desconexas. Uma vez, lá em casa, meu pai logo se preocupou em tratá-lo, ministrando-lhe chás de erva-doce, capim santo, erva cidreira, hortelã e outros calmantes, conforme a fase da lua. O tempo em que passamos em Campos Sales ele morou em nossa casa. Ao deixarmos a cidade, Fuba apresentava sensíveis melhoras de comportamento.
Em Juazeiro do Norte, meu pai levou para casa uma doida chamada Baixirinha, apelido de origem em sua baixa estatura, já idosa, e que recebeu também os cuidados de minha mãe, sendo submetida à terapia dos chás. Ficou conosco o tempo em que estivemos por lá e quase virou uma espécie de ajudante da casa. Fomos pro Aquiraz e lá ele encontrou um doido de nome Zeppelin, que passava o dia carregando água de um rio próximo para aguar as ruas da cidade, num trabalho estafante e òbviamente inútil. Teve de meu pai a melhor acolhida e tratamento. Mas, não melhorou, e ao sairmos de lá, Zeppelin continuou aguando a cidade. No Eusébio, onde tinha pequena propriedade, meu pai fez fraterna amizade com o caseiro do sítio, que se não era doido, tinha suas deficiências mentais.
Em Pacatuba, conheceu e adotou um doido de nome Banana, que dormia em nossa casa. Certa madrugada, Banana acordou, levantou-se e saiu devagarzinho levando a farda, o revólver e o quepe do sargento Josias, enterrando-os no quintal. Depois, veio dizer ao dono onde se encontravam esses objetos. Foi expulso da casa que o abrigava. Meu pai foi ser delegado em Várzea-Alegre e lá encontrou o surdo-mudo Tonico Brás que logo se ambientou em nossa casa. Josias tinha o hábito de todas as noites, à frente de sua patrulha policial, dar umas "batidas" na cidade, que invariavelmente terminavam no movimentado cabaré chamado Rabo-da-Gata. Ficava por lá até altas horas da noite sempre acompanhado dos soldados e do Tonico. Minha mãe passou a desconfiar dessas andanças suspeitas e começou a "conversar" com o Tonico, a respeito, através de gestos.
O surdo-mudo não tardou, também, através de gestos, a falar demais e entregar tudo. Foi o suficiente para brigas entre o casal. Desconfiando, e irritado, meu pai expulsou o Tonico lá de casa, após confissão deste. Uma vez na rua e ao desabrigo, Tonico chorava arrependido, para voltar, até que meu pai, compadecido, o aceitou de volta, com o compromisso de conter a língua. Ficou conosco até a nossa partida de Várzea-Alegre.
Jamais entendi esse hábito cristão e generoso de meu pai, de acolher e tratar de doidos, quando era um homem acostumado no seu dia-a-dia a tratar e a enfrentar desordeiros e bandidos os mais perigosos e sanguinários.
*Newton Pedrosa é jornalista e advogado
domingo, 19 de agosto de 2012
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