FOLHA, DO RIO
Pelo menos uma vez por semana, dois agentes da CIA, a
agência de inteligência dos Estados Unidos, chegam a um dos prédios da Polícia
Federal em Brasília, no setor policial sul da capital.
Em menos de cinco minutos, eles passam pela portaria e se
dirigem a uma reunião em um dos edifícios onde ficam os cerca de 40 agentes
brasileiros da Divisão Antiterrorismo (DAT).
A desenvoltura dos americanos não é por acaso: ali, os
computadores, parte dos equipamentos e até o prédio, dos anos 90, onde estão
reunidos e trabalham os policiais que investigam terrorismo no Brasil, foram
financiados pelos EUA.
Nas duas últimas semanas, a Folha entrevistou policiais
federais, militares da inteligência do Exército e funcionários do Gabinete de
Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República.
Todos admitem que os acordos de cooperação entre a Embaixada
dos EUA e a PF são uma formalidade. E que, na prática, os americanos têm
atuação bastante livre em território brasileiro. Procurada, a Embaixada dos EUA
no Brasil não se pronunciou.
Segundo a Folha apurou, a atuação da inteligência americana
no Brasil não se limita à espionagem eletrônica, revelada em documentos do
ex-analista da NSA (Agência de Segurança Nacional) Edward Snowden.
Os americanos estão espalhados pelo país atrás de
informações sobre residentes no Brasil, brasileiros ou não. Eles dão a linha em
investigações e apontam quem deve ser o alvo dos policiais federais, dizem
essas fontes.
Na prática, os americanos acabam se envolvendo em operações
das mais diversas.
Em 2004, por exemplo, a Operação Vampiro, que desmantelou
uma quadrilha que atuava em fraudes contra o Ministério da Saúde na compra de
medicamentos, teve participação da CIA.
Em 2005, os americanos estiveram diretamente envolvidos no
rastreamento do lutador de jiu-jítsu Gouram Abdel Hakim, suspeito de pertencer
a uma célula da rede terrorista Al Qaeda.
POLÊMICA
A parceria entre a Embaixada dos EUA e a Polícia Federal
--formalizada por meio da assinatura de um memorando em 2010, mas ativa na
prática desde muito antes disso-- é polêmica.
Um de seus críticos é o ex-secretário nacional Antidrogas
Walter Maierovitch. "Opinei pela não oficialização do convênio, em relação
às drogas, porque era um acobertamento para a espionagem desenfreada, sem
limites", lembra Maierovitch.
À época, a justificativa para o convênio era que o auxílio
entre americanos e brasileiros serviria para o combate às drogas. Depois do 11
de Setembro, no entanto, o foco passou a ser o terrorismo.
Os americanos mantêm escritórios próprios no Rio, com a
justificativa da realização da Copa do Mundo e da Olimpíada de 2016, e em São
Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, para vigiar a atuação das Farc (Forças
Armadas Revolucionárias da Colômbia) na fronteira.
"O que mais tem é americano travestido de diplomata
fazendo investigação no Brasil", afirma o policial federal Alexandre
Ferreira, diretor da Fenapef (Federação Nacional dos Policiais Federais).
Cinco bases da PF para o combate ao terrorismo funcionam
hoje no país --no Rio, em São Paulo, em Foz do Iguaçu e em São Gabriel da
Cachoeira. Todas contam com equipamentos e tecnologia da CIA para auxiliar nos
trabalhos, e há agentes americanos atuando em parceria com os brasileiros.
"O problema não é a parceria. O problema é do Brasil,
que não faz o dever de casa e não se protege contra esse 'amigo' que busca, na
verdade, seus interesses", diz o professor Eurico Figueiredo, do Instituto
de Estudos Estratégicos da UFF (Universidade Federal Fluminense).
*
ATUAÇÃO DA CIA NO BRASIL
O ACORDO
O acordo entre a Polícia Federal e a Embaixada dos Estados
Unidos foi formalizado em 2010
REPRESENTANTES
Quem representa o governo americano no acordo é a CIA, a
Agência Central de Inteligência. Na PF é a Divisão Antiterrorismo (DAT)
OBJETIVO
A cooperação técnica prevê intercâmbio, compartilhamento,
transferência de conhecimento, apoio de qualquer natureza e fomento de
programas, projetos e ações voltados para o combate ao terrorismo
INVESTIMENTO
O acordo não prevê financiamento de nenhum programa
BENEFÍCIOS
Policiais federais contam que os computadores do DAT foram
doados pelos americanos. Em cursos nos Estados Unidos, os policiais brasileiros
ganham dos americanos a hospedagem e o aluguel de carros durante o período de
estudo
DAT/CIA
As unidades dividem três bases no país: São Paulo, Foz do
Iguaçu (PR) e São Gabriel da Cachoeira (AM). As reuniões semanais em Brasília
acontecem em prédio construído com ajuda dos americanos na década de 1990
DENTRO DA LEI
Os agentes do DAT buscam autorização judicial e assim
investigam ações de possíveis grupos terroristas no país a partir de
informações passadas pela CIA
ZONA CINZA
Assim são chamadas pelos policiais federais algumas técnicas
dos espiões americanos no país: invasão de sistemas, compra de informações e
suborno de funcionários de empresas públicas ou privadas
DIPLOMACIA
Alguns espiões têm cargos na embaixada americana em Brasília
ou nos consulados do Rio, de São Paulo, Porto Alegre (RS), Recife (PE), Belém
(PA), Belo Horizonte (MG), Fortaleza (CE), Salvador (BA) e Manaus (AM)
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