O Ato de Matar – o filme mais surreal e assustador da última
década
“O Ato de Matar”, documentário que é um retrato cru da
história recente da Indonésia faturou 35 prêmios internacionais de renome e
concorreu ao Oscar no ano passado
(Imagem: Reprodução/Filme – O Ato de Matar)
Kiko Nogueira, DCM
Um dos melhores documentários políticos já produzidos
chama-se “O Ato de Matar”. Concorreu ao Oscar no ano passado. Perdeu
injustamente, mas já havia faturado outros 35 prêmios internacionais de renome.
Werner Herzog, o cineasta alemão, documentarista de gênio,
afirmou que é o filme mais surreal a assustador que ele já viu em uma década. É
um retrato cru da história recente da Indonésia.
O cineasta dinamarquês Joshua Oppenheimer conta a história
de Anwar Congo, herói nacional, avô, velhinho de anedota — e chefe de um antigo
esquadrão da morte.
Em 1965, depois de um golpe em que o general Suharto
destituiu o populista Sukarno, milícias de extrema-direita se dedicaram a
perseguir e matar comunistas e imigrantes chineses.
Calcula-se que em torno de 500 mil pessoas foram torturadas
e eliminadas entre outubro de 1965 e o início do ano seguinte. Os massacres se
espalharam da capital Jakarta até Bali e a ilha de Java. Crianças, mulheres,
idosos — ninguém foi poupado.
Os assassinos nunca foram julgados. Aos poucos, foram
absorvidos pelos sucessivos governos. O grupo paramilitar Pemuda Pancasila
continua na ativa, promovendo festas com a participação de autoridades. Os
livros tratam os justiceiros com carinho.
Openheimer fez um filme dentro de um filme. A certa altura,
ele sugere a Anwar que faça uma reencenação de seus crimes. Anwar, como seus
comparsas, é fã do cinema americano (eles eram chamados de gangsters, apelido
que transformaram, numa tradução oportunista, em “homens livres”). Foi em
Hollywood que Anwar se inspirou para aprender a estrangular comunistas com fios
de arame.
Ele topa o desafio do diretor. O resultado é uma
extravagância visual digna de um Cecil B. De Mille pervertido, com cenas no
“paraíso” em que vítimas encontram algozes em meio a anjos coloridos, atrás de
cachoeiras.
Ao longo da fita, tem-se a impressão de que Anwar adquiriu
algo parecido com arrependimento. O simpático ancião precisa de música, dança,
bebida e maconha para expiar seus pecados. Um antigo colega o admoesta: “Você
está assim porque sua mente é fraca. Isso tudo é apenas um desequilíbrio
nervoso”.
Os assassinos jogam golfe e se divertem. Um deles quer que
suas memórias também sejam dramatizadas. Ele era criança quando um homem foi
arrastado da cama às 3 da manhã. A mulher e os filhos gritavam, desesperados.
No dia seguinte, o sujeito foi encontrado ao lado de um barril. A família o
enterrou na estrada “como uma cabra”. O homem, eles admite, era seu padrasto.
Seu relato não serve para o filme, dizem Anwar e seus colegas da repressão,
porque faltava emoção.
“O Ato de Matar” foi proibido no país. “Isto não é apropriado,
é sem cabimento. Deve ser lembrado que a Indonésia passou por uma reforma.
Muitas coisas mudaram. A percepção das pessoas não devia ser tão influenciada
por apenas um filme”, declarou um porta-voz do governo.
Oppenheimer foi acusado de trair a amizade dos personagens.
“Quando essa comunidade de sobreviventes me deu autorização para filmar suas
justificativas e suas bravatas, eu estava tentando expor a natureza da
impunidade”, disse.
(Pragmatismo Político)
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