terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Mestre das flautas vai fazer alegria no Reino de Deus

Calou-se o primeiro pífano dos Irmãos Aniceto

Primeiro pífano da Banda Cabaçal dos Irmãos Aniceto, artesão hábil de flautas, exímio dançarino dos passos dos índios cariri e herdeiro de umas das mais tradicionais manifestações culturais do Ceará, Mestre Antônio Aniceto morre aos 82 anos

Mestre Antônio estava internado desde a véspera de Natal. Morreu aos 82 anos

Não vai ter mais pinote, Antônio descansou os pés. Não imita mais na dança ritmada o amassar do barro, aquele que daí a pouco ia virar casa de taipa. Nem mimetiza mais o andar de onça, galo, cachorro ou gavião. A roupa azul-céu não terá mais uso, não se amarrota mais, nem no chafurdo do quintal, nem em festival em outro continente. Calou-se o pífano principal. Não tem mais o som de passarinho que Antônio fazia habilmente. A madeira de taboca sentirá saudade do entalhe preciso para virar flauta de ser tocada na horizontal. Doravante, a música lá nas ruas do bairro das Batateiras, no Crato, vai seguir, mas sem o sopro que virava o canto de mestre Antônio Aniceto.
Herdeiro da música cabaçal dos índios cariri que seu pai, José Lourenço, iniciou ainda no século XIX, Antônio José Lourenço da Silva, um dos membros do sexteto da Banda Cabaçal do Irmãos Aniceto, faleceu ontem, aos 82 anos. O mestre descansou da batalha que travava desde a véspera do último Natal, quando foi internado, no Hospital Regional do Cariri, em Juazeiro do Norte, após ter sido acometido de insuficiência renal. Na manhã de ontem, o músico não resistiu a um Acidente Vascular Cerebral Hemorrágico (AVC). O enterro está marcado para hoje, 13, no Cemitério Público do Crato.
A memória do cantor e compositor Calé Alencar, que produziu três dos quatro CDs dos Irmãos Aniceto, remonta de quando menino, na feira livre do Crato, ouvia as cantorias cheias de força, tradição e história mítica. Num convívio que ele define como fraternal, Calé relembra com sorriso da personalidade muito própria de Mestre Antônio. “Ele é um sujeito extremante humorado, brincalhão, de um humor que se assemelha a uma criança com a magia serelepe do índio cariri. Antônio é encantamento”, poetisa.
É do trato sempre muito atencioso de que Gilmar de Carvalho, pesquisador de cultura popular e professor aposentado da Universidade Federal do Ceará, recorda-se dos encontros com a família Aniceto. “Antônio estava sempre por perto, amigo e solícito. (Os irmãos) São hospitaleiros. Um dia, chegamos com um ônibus de alunos à casa deles no Crato e fez-se a festa. Gosto da simplicidade com que encaram o que fazem, não são ‘artistas’, são brincantes”, relembra.
Conterrâneo dos Aniceto, o governador Camilo Santana se manifestou por meio de nota, “lamentando profundamente a morte do mestre Aniceto” e definindo a Banda como “uma das mais importantes formações da cultura tradicional popular do Crato e de todo o Ceará”. O governador decretou luto oficial de três dias.
Continuidade
Por ser tradição passada de geração por geração, já estando na quarta leva de brincantes, o desejo é que banda, que por ora virou quinteto - com Raimundo, Cícero, Joval, Adriano e Hugo - dê segmento a dança dos índios.

Em nota de pesar, o secretário da Cultura do Estado, Guilherme Sampaio, que Antônio deixa como “legado a descoberta e a admiração despertadas em novas gerações, graças à continuidade do trabalho dos Irmãos Aniceto”.
Para Gilmar, a banda traz na formação ao longo dos anos de história a ideia de continuidade, rara em grupos tradicionais. “Pais, filhos, tios, sobrinhos, netos, se alternam e se revezam. A banda continuará”, salienta. Calé reforça que a música de Mestre Antônio reverbere e ilumine. “No caso de Antônio não dá para contabilizar a perda. Ele, um dos músicos mais habilidosos já nascidos no Ceará, nos deixa registrado em vídeos, em áudio, um talento que deve servir de espelho e inspiração”, enfatiza.
SAIBA MAIS

Em maio de 2014, a Banda Cabaçal dos Irmãos Aniceto teria completado 200 anos. Fundada por José Lourenço da Silva, que viveu até os 104 anos, a banda era comandada por seus dois filhos, Raimundo José da Silva e Antônio, que faleceu na manhã de ontem, 12.
A banda tem quatro álbuns, um de 1978, patrocinado pelo Ministério da Educação e Cultura; um de 1999, parte do projeto de Memória do Povo Cearense; o terceiro de em 2005, intitulado “Forró no Cariri”; e o último de 2013 de nome “Sou tronco, sou raiz”.
Os pífanos, zabumba, taróis e o par de pratos dos Aniceto já se apresentaram em boa parte do Brasil e em Portugal e França.
(O POVO Online)

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