Ferreira Gullar conversa sobre vida e obra na Bienal do Livro
Repórter Cristina Indio do Brasil - Agência Brasil
“A arte existe porque a vida não basta”. A frase é do imortal da Academia Brasileira de Letras escritor Ferreira Gullar que esteve hoje (13) na 17ª Bienal Internacional do Livro, no Riocentro. O poeta participou de um encontro no Café Literário, espaço dedicado a debates sobre cultura, que nesta edição fez uma homenagem aos 450 anos da cidade do Rio de Janeiro. Durante mais de uma hora um público atento, distribuído em mesas como as de um bar, acompanhou a trajetória de Gullar na poesia, nas crônicas e não faltaram lembranças do tempo em que enfrentou dificuldades por causa da ditadura militar.
Logo no início o poeta contou à plateia lotada que nasceu no Maranhão e comparou São Luiz, capital do estado, a Macondo, nome da cidade fictícia do livro Cem Anos de Solidão do escritor colombiano Gabriel Garcia Marquez, pelo pouco contato que tinha com o que acontecia em centros mais avançados culturalmente. Ele acrescentou que as novidades demoravam a chegar à cidade maranhense. Por isso, quando começou a escrever, era como se estivesse no século passado, motivo que o levou a se mudar. “Eu não aguentava mais ficar em Macondo e vim para o Rio de Janeiro. Tinha 21 anos de idade”, completou.
No Rio, publicou, em 1954, A Luta Corporal, que definiu como um livro em que praticou a desintegração da linguagem, traço característico dos poemas concretos, aos quais tinha resistências ao ter o primeiro contato com esta arte. "A poesia concreta não tem discurso. A sintaxe dela é visual. É a relação das palavras ou por sua sonoridade ou sua grafia e constitui uma composição espacial", explicou.
Gullar recordou que, por ser comunista, sofreu perseguição no período da ditadura no Brasil e teve que sair do país. Ele morou em Moscou, em Santiago, em Lima e em Buenos Aires. Mesmo fora do Brasil enfrentou dificuldades como a derrubada por um golpe militar, em setembro, do presidente Salvador Allende, em Santiago, onde tinha chegado em maio; e depois após a morte do ex-presidente argentino Juan Domingo Peron e ver as possibilidades de emprego desaparecerem porque as promessas eram de amigos peronistas. “O pessoal de esquerda e os exilados começaram a ir embora porque sabiam que ia acontecer, o que aconteceu no Chile, fuzilados como exilados, e eu com o passaporte vencido não podia sair para a América Latina, porque era tudo ditadura”, contou.
Depois de um período de incertezas, foi em Buenos Aires, que escreveu o Poema Sujo, considerada como sua obra principal, que só completou após cinco meses. De acordo com o escritor, ao mostrar o poema ao amigo Vinícius de Moraes, ele pediu que o gravasse. E foi assim, com a voz de Gullar, que Poema Sujo chegou ao Brasil. Depois de algumas cópias divulgadas, finalmente a obra foi publicada em 1976. Para ele, foi mais um detalhe da sua vida que não era esperado. “A minha vida nasce do espanto. Eu nunca planejei ser poeta ou fazer carreira literária. O que me apaixona, eu vivo”, revelou.
Ao terminar a conversa no Café Literário, Gullar se mostrou surpreso com o movimento de pessoas na Bienal, especialmente, porque notou que o interesse pelo livro impresso permanece apesar da era digital. “Eu fiquei muito feliz quando cheguei e vi a quantidade de gente que está aqui para comprando livros, visitando os estandes de livrarias. É uma coisa entusiasmante. A feira é uma coisa vitoriosa, não tem dúvida”, disse.
Para o autor, a criatividade é um jogo entre o acaso e a necessidade. Ele contou que quando está diante de um papel em branco não tem ideia do que vai criar, mas, depois de terminada a obra, quando começa a ser conhecida, se torna necessária. “Quem não tem criatividade para a arte pode fazer outra coisa, mas a arte não vai fazer, porque as pessoas têm que ter talento, seja para jogar futebol, seja para fazer poesia”, contou.
O imortal comentou o interesse e o encantamento de tantas pessoas que foram assistir à conversa e estavam aguardando para conseguir um autógrafo no fim do encontro. “Não sei qual é a razão. Alguns gostam da minha poesia, outros das crônicas que escrevo. Isso aí não sei direito”, disse.
Gullar se surpreendeu também com a quantidade de público que, apesar do dia chuvoso e dos engarrafamentos no trânsito, foi para o Riocentro. "Sinceramente eu não imaginei que tivesse tanta gente aqui interessada em livro. É fantástico, é muito bom. Acho que o livro é uma coisa fundamental. Não acredito que ninguém vá ler Guerra e Paz na internet. Eu duvido. As 800 páginas de Guerra e Paz. Duvido. Não lê", destacou fazendo um paralelo com as edições digitais.
O estudante Douglas da Silva, de 14 anos, foi uma das pessoas que visitaram a Bienal no último dia. Ele estuda no Colégio Pedro II, mora em Realengo, na zona oeste, e levou uma hora e meia de ônibus para chegar ao local. Não considerou sacrifício, porque estava em busca da emoção que sentiu na edição passada, quando foi à feira pela primeira vez em um passeio de colégio. “O livro leva a gente para lugares incríveis sem a gente sair do lugar”, disse.
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