Lula fala em ‘ódio de classes’ e
promete reação
Um vídeo gravado na noite desta sexta-feira registra os
discursos que Lula e Dilma Rousseff pronunciaram num ato partidário na cidade
de Recife. Assiste-se na peça a uma tentativa de Lula de transformar o
xingamento que as arquibancadas do Itaquerão dirigiram a Dilma no jogo de
abertura da Copa numa espécie de declaração de guerra eleitoral. Sem
mencionar-lhes os nomes, o orador insinuou que os antagonistas da presidente da
República tramam alvejá-la “com mentiras e preconceitos”. Em timbre bélico,
prometeu reagir.
Falando para cerca de 2.500 militantes e políticos, Lula
pegou em lanças. Dirigindo-se a Dilma, declarou: “se eles tentaram duas vezes me
derrotar e não me derrotaram [...], se eles não evitaram a gente te eleger
quando ninguém te conhecia, eu vou te contar uma coisa: eles não sabem o que
nós seremos capazes de fazer, democraticamente, para fazer com que você seja a
nossa presidenta por mais quatro anos nesse país.”
Num desses surtos de loquacidade que costuma acometê-lo
sempre que se depara com um microfone e uma plateia, Lula voltou a seu tema
compulsivo: as elites. Guiando-se por autocritérios, ele falou de um Brasil
maravilhoso. Um país habitado por um povo que, içado da miséria nos últimos 11
anos, é basicamente feliz. Nessa nação dos sonhos, o único pesadelo são as
elites. Elas não se conformam de ter que dividir o avião e as mesas dos
restaurantes com os ex-pobres.
Segundo Lula, foi essa gente que, insuflada pela oposição e
pela imprensa, xingou Dilma no estádio. “Essa campanha está correndo o risco de
ser uma campanha violenta”, disse o morubixaba do PT. “A elite brasileira está
conseguindo fazer o que nós nunca conseguimos: despertar o ódio de classes. Ela
está conseguindo fazer com que o ódio tome conta de uma campanha.”
Lula recolocou em pé a velha tática do nós contra eles. Fez
isso sonegando nomes às câmeras. Voltando-se novamente para Dilma, disse que
seus rivais “não medirão esforços para a quantidade de mentiras e preconceitos
que vão contar contra a senhora.” Mas encontrarão uma infantaria boa de briga.
“O que a senhora tem que ter certeza —e nós temos que dizer,
alto e bom som— é que, se ofenderem a Dilma, estarão ofendendo a cada um de
nós. E nós temos a obrigação reagir e não permitir. Não é uma briga dela, é uma
briga de um projeto. É um projeto de inclusão social contra um projeto de
marginalização social. [...] É por isso que essa briga é nossa, e não dela. Ela
é apenas a nossa porta-voz, é apenas a pessoa que estará à frente dessa
campanha.”
Nos Estados Unidos, há uma lei não escrita segundo a qual a
melhor maneira que um presidente americano tem de unir a nação em seu apoio é
mandar bombardear um inimigo hipotético sem a formalidade de uma declaração de
guerra. Mal comparando, foi mais ou menos isso o que Lula fez na capital
pernambucana.
Num instante em que sua candidata arrosta os mais baixos
índices de popularidade —só 33% do eleitorado aprova o governo dela, segundo o
Datafolha—, o patrono da reeleição desloca o ataque contra um alvo
eleitoralmente impreciso: “eles”, os inimigos do povo, que ameaçam o “nosso
projeto”.
A alturas tantas, Lula chegou mesmo a aconselhar Dilma a
tomar cuidado com os serviços de “Inteligência” do governo, centralizados na
Abin. Recuando a 2007, ele recordou um episódio análogo ao do Itaquerão: a
cerimônia de abertura dos Jogos Panamericanos, quando foi alvejado por uma
estrepitosa vaia, em pleno Maracanã. Nesse ponto, Lula se permitiu pronunciar
um nome que aproximou seu discurso do tucanato. Acusou César Maia (DEM), então
aliado do PSDB e prefeito do Rio, de fabricar o protesto.
“Fui pego de surpresa naquele negócio do estádio do
Maracanã, na abertura dos Jogos Panamericanos”, disse Lula. “Uma coisa armada
pelo prefeito da cidade, que a gente ficou sabendo depois, Dilma. Por isso,
você tem que cuidar da sua [área de] Inteligência, porque a minha Inteligência
ficou sabendo duas semanas antes e não me contou. Você sabia disso?”
Ele prosseguiu: “A minha Inteligência sabia, porque tinha
sido publicado no jornal que eu ia ser vaiado. Tinha sido publicado que estava
sendo organizado. Eles treinaram no Maracanã. O César Maia levou militantes da
prefeitura para ir treinar, em 2007. Os caras treinaram a vaia, deram a vaia e
a minha Inteligência só me contou quando eu fui vaiado. Aí não precisava contar
mais, eu já tinha sido vaiado.”
Lula fora ao Maracanã acompanhado da então primeira-dama,
Marisa. Havia preparado um discurso. Que as vaias o impediram de ler. Na última
quinta-feira (12), assistiu de casa, degustando um churrasco, à cerimônia de
abertura da Copa. Dilma trocou o discurso por uma revoado de pombos. A despeito
disso, foi vaiada e, pior, ouviu um coro indecoroso: “Ei, Dilma, vai tomar no
cu.”
Elites
“Ô, Dilma, você viu que, no estádio, não tinha ninguém com a
cara de pobre, a não ser você?”, indagou Lula, em Recife. “Olha, eu fiquei
vendo pela televisão, com a minha família. [...] Não tinha ninguém, pelo menos
moreninho. Era a parte bonita da sociedade, aquela que comeu a vida inteira,
que conseguiu chegar no estádio, ontem. O que me chamou a atenção é que eu
imaginava que a gente aprendia a respeitar os outros na escola.”
Lula acrescentou: “Eu descobri, ontem, que respeito e
educação a gente não aprende na universidade, a gente aprende no berço, na casa
da gente, com a mãe e com o pai da gente. Eu duvido que um trabalhador neste
pais tivesse a coragem de falar 1% dos palavrões que falaram ontem, e
destilaram contra você. Falta de respeito.”
O padrinho de Dilma levou o pé atrás ao comentar os artigos
que condenaram a hostilidade à presidente. Nas palavras de Lula, a “cretinice”
dos torcedores foi “fomentada por uma parte da imprensa brasileira que, agora,
está falando: ‘não, não é pra fazer assim, assim é muito duro, tem que ser mais
leve. Falou palavrão! Não pode. Mas ela incentivou o tempo inteiro essa reação
da sociedade.”
O inusitado da cena, disse Lula, foi que “as mesmas pessoas
que diziam que o Brasil ia passar vergonha na Copa deram, ontem, o maior
vexame.” Forneceram às lentes que transmitiam a abertura da copa “a maior
motivação para esse país ter servido de vergonha internacional.”
Lula recordou os funerais de Nelson Mandela. “Você estava
comigo na África do Sul, eu fui convidado seu para ir no enterro do Mandela. O
presiente [Jacob] Zuma era vaiado. Mas você não ouviu um palavrão contra o
presidente Zuma. Era vaia, que é uma coisa natural. Eu já tomei muita vaia na
minha vida.”
Lero vai, lero vem Lula voltou a puxar o fio do novelo do
‘nós contra eles’. Numa alusão indireta aos 74% do eleitorado que olham ara
2014 com ganas de mudança, Lula ironizou os adversários. “Eles estão dizendo
assim: ‘nós temos que fazer uma coisa nova’. O que é uma coisa nova? Eles não
dizem o que é. Eu, às vezes, fico preocupado, porque quando os caras falam ‘eu
vou fazer uma coisa nova’ eu falo: porra, se alguém apresentar algo bom, quem
sabe até eu voto nele!”
Evocando um debate televisivo de 2006, em que Geraldo
Alckmin, então presidenciável do PSDB, o tratou com rara agressividade, Lula
espetou: “Mas nem ofender a presidenta é novo, porque eles só sabem fazer isso.
Vocês viram como eles se comportaram em 2006 comigo, na campanha da minha
reeleição.”
Lula referiu-se a outra passagem, dessa vez da sucessão de
2010: “Não sei se você se lembra, Dilma, mas, no comício de Belo Horizonte,
você tinha sido ofendida na entrevista que fez com o Willian Bonner, na Globo.
Ele tinha sido agressivo com você. E eu, então, naquele comício lhe dei uma
rosa de desagravo. E, hoje, eu vou lhe dar uma rosa branca da paz, desagravo
pela ofensa que você recebeu ontem.”
Sob ovação da audiência, Lula entregou a rosa branca a
Dilma. E continuou falando: “Não foi uma ofensa à Dilma, apenas à presidenta,
foi uma falta de respeito, foi um ato de cretinice com o povo brasileiro, que
está cansado de ser pisoteado e esmagado. Por isso Dilma, a nossa vitória será
a nossa vingança.”
Na sua vez de discusar, Dilma deu razão ao padrinho: “Eu
concordo que nós temos uma campanha duríssima pela frente. Acredito que é,
talvez, a mais dura das que nós enfrentamos. E olha que nós enfrentamos
campanha dura.” Convocou a militância: “Isso vai exigir muito de cada um de
vocês.”
Adversários
A presidente também não hesitou em associar os impropérios
do Itaquerão aos seus adversários. Parecia referiu-se especialmente ao PSDB de
Aécio Neves: “Sei também que, a cada derrota, eles se desesperam cada vez mais.
Sei que o desespero os leva a agredir, a insultar e a mentir. Nós vamos
responder a isso com a nossa capacidade de mostrar o que fizemnos, com a nossa
esperança. Porque sabemos que podemos fazer mais.”
Ela revelou um conselho recebido do padrinho: “O conselho do
Lula pra mim —que agora eu sou Dilminha paz e amor— é verdade. Eu sou Dilminha
paz e amor. Agora, ele acrescentou um conselho: ‘mas não leva desafora pra
casa’.” Minutos antes, Lula dissera: “Dilma, não perca nunca o humor. Tudo o
que eles querem é que a gente fique com raiva. E, quando a gente fica com
raiva, a úlcera doi. A gente não dorme,
fica mal humorado. Deixa eles com raiva, não ficando com raiva.”
Os dois, Lula e Dilma, pediram votos para o senador Armando
Monteiro, candidato do PTB ao governo de Pernambuco. Presente ao ato desta
sexta, o personagem medirá forças com Paulo Câmara, candidato apoiado pelo
presidenciável Eduardo Campos, do PSB. Armando coligou-se ao PT, que indicou
para sua chapa, como postulante ao Senado, o deputado federal João Paulo.
Alguns militantes presentes ao ato referiram-se ao ex-aliado
Eduardo Campos como “traidor”. O petista João Paulo fez um pedido a Lula:
“Presidente, o senhor gosta muito do ex-governador, mas ele não gosta mais do
senhor. Não podemos permitir a forma como ele tem desrespeitado a presidente.”
Última oradora da pajelança organizada pelo petismo
pernambucano, Dilma envolveu a seleção de Felipão na guerra ficcional criada
por Lula. No último parágrafo do seu discurso, a presidente associou a virada
do Brasil sobre a Croácia ao “êxito” de um governo cujo índice de aprovação
definha nas pesquisas.
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