sábado, 24 de agosto de 2013

BLACK BLOC: Quem tem medo desse movimento?





vídeo do Recife Resiste e do Facebook
POR QUE OS ÚLTIMOS PROTESTOS DO RECIFE INCOMODARAM TANTO? QUEM TEM MEDO DO







por José Luiz Gomes
Não costumo acompanhar os noticiários de uma determinada rede de TV, mas tive a curiosidade de observar sua cobertura local sobre os últimos protestos ocorridos no Recife.
Sem nenhuma surpresa, a edição dos noticiários correspondeu exatamente ao que se esperava, ou seja, uma ação deliberada no sentido de desacreditar os manifestantes, adjetivando-os de vândalos, baderneiros, depredadores do patrimônio público e privado ou coisas afins.
Um direcionamento explícito no sentido de criminalização do movimento.
Em nenhum momento seus repórteres invocaram sobre o que estava em jogo, ou seja, reivindicações legítimas de uma população cujos direitos estão sendo aviltados pelo Estado, ou a leniência do poder Legislativo em encaminhar corretamente suas demandas.
Para completar o circuito, uma longa entrevista com os responsáveis pela Segurança Pública do Estado, “tranquilizando” o establishment sobre as providências que deverão ser adotadas no sentido de coibir a ação desses “baderneiros”.
Poderíamos invocar aqui uma série de teorias a respeito do papel da grande mídia nesses episódios que sacudiram o país desde Junho.
Convocaríamos Gramsci, Louis Althusser e Noam Chomsky para sentarem à mesa, mas os leitores, certamente bem informados, já estão familiarizados com essas teorias.
Posso assegurar que o cardápio seria mais modesto do que o adquirido pelo Palácio da Abolição (Ceará), que incluía até bolinhas de salmão com caviar, uma orgia gastronômica que custará R$ 3,5 milhões aos cofres públicos.
Uma tradicional buchada, servida no Bar de Dona Maria, no Mercado de Santa Cruz, possivelmente, deixaria esses teóricos lambendo os beiços.
Duas coisas em particular nos preocupam. Uma delas diz respeito à postura das autoridades da área de Segurança Pública do Estado.
Estão batendo cabeça no que concerne a essa questão e isso é muito grave. Sinceramente, desejo todo o equilíbrio ao governador Eduardo Campos, neste momento, para manter a situação sob os rígidos padrões do Estado de direito.
Muito calma nessa hora para a carruagem não sair dos trilhos, reproduzindo o que vem ocorrendo no Rio de Janeiro, onde o prestígio do governador Sergio Cabral ficou mais baixo do que poleiro de pato, depois de chacinas e “desaparecimentos”, dignos dos momentos de rupturas institucionais.
Em certo momento, a polícia se diz surpresa com a ação dos manifestantes, mas ora diz saber quem seria o responsável, identificando cabalmente a liderança dos mascarados.
As ações excessivas, aquelas relacionadas a depredações do patrimônio público, como o incêndio de uma moto da CTTU [Companhia de Trânsito e Transporte Urbano], foram praticadas por pessoas que não estavam utilizando máscaras, como mostram as imagens amplamente divulgadas.
A solução proposta pela SDS [Secretaria de Defesa Social], portanto, foi a de proibir o uso de máscaras durante os protestos, algo que nos parece, constitucionalmente, não encontrar nenhum respaldo.
Há registro de casos, durante os protestos que ocorrem a partir de junho, onde a polícia infiltrou-se entre os manifestantes ou agiu sem identificação, o que, aí sim, contraria os preceitos legais.
Por falar em ordenamento democrático, no que diz respeito aos episódios recentes, surgem nas redes sociais uma série de informações que, se confirmadas, dão uma demonstração de que o governador precisa ficar mais atento às ações do aparato de segurança pública do Estado, sob pena de ser acusado de ser omisso, arbitrário, truculento ou mesmo conivente, o que seria mais grave.
O jovem que foi atingido por uma bala de borracha no rosto estaria sendo vítima de constrangimentos e ameaças após registrar um BO.
No final da noite de ontem, também começaram a surgir denúncias de possíveis sequestros de membros do grupo Black Bloc.
O governador, que costuma realizar reuniões de monitoramente com os seus subordinados, precisa intensificá-las.
Um outro episódio nebuloso envolve o incêndio de um ônibus, nas proximidades da Rua do Príncipe. Neste caso em particular, louve-se o trabalho dos agentes e delegados que estão diretamente envolvidos na elucidação dos fatos.
Há indícios de que um bandido conhecido pela polícia como “Cinquentinha” teria recebido dinheiro de uma pessoa não identificada para praticar o ato, o que sugere várias possibilidades, inclusive uma ação deliberada no sentido de sabotagem das manifestações organizadas, entre outros, pelo Black Bloc, tentando responsabilizá-lo pelo ato.
Muita coisa ainda precisa ser esclarecida sobre esse episódio. Comenta-se, igualmente, que várias quantias de R$ 150,00 teriam sido distribuídas entre os diretamente envolvidos com o incêndio do coletivo.
A violência é uma constante em nosso cotidiano. Algumas ações de violência — inclusive as perpetradas pelo Estado — passam incólumes entre os porta-vozes das classes dominantes, como a violência funcional, aquela praticada para garantir os privilégios e a “ordem burguesa”, seja pelos agentes do Estado ou até por grupos clandestinos ao seu serviço.
Muito interessante as postagens das redes sociais sobre a violência simbólica, traduzida por elas como verdadeiros atos de “vandalismo”, como a ausência de escolas públicas decentes, hospitais públicos deficitários, mobilidade caótica e coisas do gênero.
Por falar em mobilidade, verdadeiros atos de vandalismo estão ocorrendo com o trânsito do Recife. As Av. Cabugá, Agamenon Magalhães, Norte e a Estrada de Belém, nas proximidades da Encruzilhada, estão completamente “travadas” nas primeiras horas da manhã. Em percurso pequeno, entre a Av. Getúlio Vargas, em Olinda, e a Av. Agamenon Magalhães, nas proximidades da McDonald’s, leva-se mais de uma hora. Um verdadeiro massacre.
Ninguém parece se importar com os negros e pobres massacrados nos bairros periféricos cotidianamente.
Agora, quando a violência das classes subalternas ultrapassa os limites “impostos”, constituindo-se em violência disfuncional, dessas que depõem contra a ordem estabelecida, aí sim as coisas mudam completamente de configuração, taxando-se de vandalismo tudo aquilo que se contrapõe à ordem burguesa, como afirma o professor Lincoln Secco em brilhante artigo publicado no Viomundo.
Outro aspecto que nos chama atenção é a proposta do Black Bloc, marcadamente orientada pela democracia direta, anticapitalista, cujos símbolos mais vistosos dos seus ataques são as instituições bancárias e concessionárias de automóveis.
Os integrantes do grupo não acreditam nos partidos e muito menos nas instituições da democracia representativa burguesa, com o prestigio – não sem motivos – sensivelmente abalado.
Que estes não nos representam parece óbvio. Representam, na realidade, em sua maioria, interesses corporativos e personalistas, se locupletando da máquina pública para desvios, desmandos, tráfico de influência, enriquecimento ilícito e coisas do gênero.
Ocorre, entretanto, que fora desse arcabouço institucional deficiente, as soluções não são as melhores, algumas delas historicamente inviáveis.
Seria fundamentalmente importante criarmos mecanismos de aperfeiçoamento dessas instituições e de controle efetivo da gestão pública, minimizando essas possibilidades de subversão dos interesses de natureza republicana.
Igualmente espantoso é a leniência dos poderes republicanos em relação às demandas encaminhas pelas mobilizações de rua.
O que é que efetivamente mudou desde então? Em alguns casos, os governantes chegaram a pilheriar essas mobilizações, numa atitude de profundo desrespeito com a população.
O “rancor” e a indignação dos jovens estão nas ruas novamente, prometendo um “Setembro Negro”, criando cenários perigosos que poderiam ser perfeitamente evitados se houvesse o compromisso efetivo, por parte dos nossos legisladores e gestores públicos, no sentido de responder satisfatoriamente a essas demandas.
O maior perigo, como já advertiu um articulista, é que fica evidente que a direita está indo às ruas pela porta da esquerda. (Viomundo)

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