segunda-feira, 13 de julho de 2015

A preservação da fertilidade de pacientes com câncer ganha destaque na Medicina Reprodutiva atual.

“Ceará é destaque em oncofertilidade”
Segundo o médico Fábio Eugênio, o Ceará é o único que está desenvolvendo essa técnica no Nordeste

O ESTADO
CAMILA VASCONCELOS
Da Redação

A preservação da fertilidade de pacientes com câncer tem ganhado destaque na Medicina Reprodutiva atual. A técnica é chamada de oncofertilidade. O ginecologista, especialista em Medicina Reprodutiva e diretor clínico da Clínica Bios, Fábio Eugênio, oferece, através de técnicas de congelamento de óvulos e de tecido ovariano, o sonho da maternidade a mulheres com câncer no Ceará.
Em entrevista exclusiva ao jornal O Estado, ele falou sobre o que é a oncofertilidade, os tipos de técnicas aplicadas, as indicações e contraindicações, os custos e o perfil de mulheres que podem usufruir desta descoberta da medicina.
Doutor Fábio Eugênio, como surgiu a oncofertilidade?
Antigamente, a preocupação era unicamente em preservar a vida da paciente com câncer. Mas, com o avanço das técnicas, esses tratamentos se tornaram menos agressivos, mais eficazes e curativos. Hoje, a grande maioria dos cânceres, quando detectado precocemente, é curável. Se a mulher ficar curada e estiver em idade reprodutiva, ela ainda pode realizar o desejo de ser mãe. Porém, o problema é que, com a utilização da quimioterapia, muitas células boas do corpo são destruídas. Uma delas são as células dos ovários. Dependendo do tipo de quimioterapia, o ovário entrava em falência com a destruição dos folículos primordiais e muitas, inclusive, entravam em menopausa. A radioterapia, quando utilizada na região pélvica da mulher, também leva à destruição de células. Houve, então, a demanda das mulheres que queriam ser tratadas do câncer, mas também queriam preservar sua fertilidade. Na junção dessas duas situações, é que começou a crescer a prática da oncofertilidade, que trata da preservação da fertilidade da mulher que é submetida a um tratamento de câncer.
Atualmente, quais são as técnicas aplicadas?
Pra preservar a fertilidade da mulher, a gente tem que guardar os óvulos. A mulher tem uma característica de que ela nasce com um conjunto de óvulos, mas que ao longo da vida eles vão perdendo a vitalidade e a mulher não produz mais nenhum óvulo novo. A ideia, portanto, é preservar os óvulos antes que eles sejam destruídos pela quimioterapia. Existem basicamente duas técnicas, uma que é o de retirar os óvulos e congelar por um método chamado vitrificação. O outro é a técnica de congelamento do tecido ovariano, onde se retira uma fatia do tecido do ovário e congela. Futuramente, quando ela tiver curada do câncer, ela deverá, inicialmente, tentar engravidar espontaneamente, caso ela tenha alguma função ovariana residual. Se ela não conseguir, os óvulos que ela congelou serão utilizados para a técnica da fertilização invitro, que é fertilizado com o espermatozoide do marido e depois implantado no útero da mulher. Na situação do congelamento do tecido do ovário, futuramente, após exames, se ficar constatado que ela está com a função ovariana zerada, aquele pedacinho é reimplantado na pelve da mulher por procedimento cirúrgico.
Mas essa técnica é nova?
Essa técnica de congelamento dos tecidos ovarianos é uma técnica mais recente, de uns 15 anos para cá, e tem se desenvolvido mais lentamente. Pouco mais de 50 bebês em todo o mundo nasceram através dessa técnica de congelamento de tecido ovariano, enquanto o de óvulos têm milhares pelo mundo. Aqui, no Ceará, já existe essa técnica. Alguns procedimentos já foram feitos, mas nenhum reimplante ainda. As pacientes que têm câncer e vão ser submetidas ao tratamento, podem usar essa técnica.
A oncofertilidade é uma técnica já procurada pelas cearenses?
É uma técnica já conhecida, mas ainda é pouco. Durante muito tempo, o tratamento do câncer era realizado para curar, exclusivamente, e não se pensava no depois. Muitos especialistas em oncologia não tinham essa visão e estão começando a desenvolver. As pacientes também estão mais cientes, mas eu diria que ainda é pouco divulgado, pois a maioria não sabe que há a possibilidade de ela preservar a sua fertilidade mesmo que ela vá fazer um tratamento agressivo de câncer. No Ceará, por exemplo, já realizei em torno de 20 casos de congelamento de óvulos de mulheres acometidas por câncer. Já sobre o congelamento de tecido ovariano, devemos ter de 12 a 15 casos já realizados em média. Considero um índice baixo em relação a quantidade de diagnóstico de câncer que é realizado. Portanto, de acordo com a incidência de câncer cada vez mais alta, o número de procedimentos para preservar a fertilidade da paciente, ainda é baixo. Talvez essa realidade seja fruto desta pequena falta de informação de que existe a técnica e de que ela pode ser utilizada.  O oncologista, então, precisa também estar ciente da técnica para encaminhar a paciente ao profissional de medicina reprodutiva.
Já é possível estimar os índices de sucesso?
É uma técnica que se refinou de três a cinco anos para cá. Apesar de termos vários casos de tecidos ovarianos e de óvulos congelados no Ceará, como citei, ainda não temos casos de reimplantação. Isto é, esses tecidos ainda não foram reutilizados pelas mulheres. Até porque, depois do câncer, a mulher tem um período que ela é acompanhada até que o oncologista dê alta. Na maioria dos casos o período é de cinco anos. A paciente tem que esperar este tempo para estar totalmente curada do câncer. Então é um tratamento que demanda tempo para ser finalizado. Ainda não temos número especifico de sucesso desta técnica no Estado.
Qual o perfil de mulher que pode procurar e realizar a técnica da oncofertilidade?
Tem que se levar em conta, sempre, a interação entre o oncologista clínico, o cirúrgico e o ginecologista que vai propor a técnica. Depende de vários fatores. Um deles é a idade da mulher. Quanto mais idade ela tiver, maior o risco que o tratamento quimioterápico ou radioterápico leve à falência completa do ovário dela. Em mulheres novas, como elas têm reservas de óvulos muito altas, mesmo que elas percam uma parte no tratamento, elas ainda podem ter uma reserva residual no final do tratamento e, por consequência, aumentar a possibilidade de engravidarem através do método natural. Depende também do tipo de câncer. Há câncer que vai ser tratado com substâncias não tão danosas aos ovários. Portanto, tudo isso tem que ser conversado com a mulher, para se decidir se há necessidade ou não da preservação da fertilidade. Depois se decide, com o especialista de Medicina Reprodutiva e o oncologista clínico, o que será feito: ou o congelamento de óvulo ou de tecido ovariano. A técnica mais procurada é o congelamento de óvulo, pois é a mais conhecida e o resultado é muito bom.
E quais os principais critérios?
Geralmente, nos procuram mulheres que não tem filho, ou se tem, pretende ter outros filhos após o tratamento de câncer. Esses tratamentos contra o câncer a qual serão submetidas são com quimioterápicos, com alto risco de causar lesão no ovário. Para o procedimento, não há limite de idade. No entanto, quanto mais nova a mulher, é maior a chance de dá certo. Mesmo assim, se uma mulher de 40 anos quiser tentar engravidar após o tratamento de câncer, ela pode fazer também.
Quais são os riscos, as vantagens e desvantagens?
Com relação aos riscos, a mulher vai ser submetida à estimulação ovariana durante 10 a 12 dias. E, após isso, vamos fazer a coleta de óvulo com uma agulha. É um procedimento que há riscos, mas controláveis. Muito difícil ter uma complicação em decorrência desse tratamento. No caso do tecido ovariano, é preciso uma videolaparoscopia, que é uma cirurgia minimamente invasiva, que vai tirar aquele pedaço de óvulo para ser congelado. O risco é inerente ao próprio procedimento cirúrgico, mas são situações controláveis. Os índices de complicações são baixos. Mas a equipe não pode garantir que aqueles óvulos que foram congelados, quando eles forem descongelados futuramente, formarão embriões de boa qualidade. A medicina está avançando dia a dia, mas não dá para garantir especificamente que, futuramente, ele vai funcionar.
Onde começou o estudo dessas técnicas? E quais estados do Brasil despontam pelo desenvolvimento da oncofertilidade?
O grupo que começou a trabalhar com as técnicas eram da França e da Bélgica. Os Estados Unidos também têm uma grande quantidade de casos de realização de procedimentos. No Brasil, São Paulo é o estado que tem maior demanda deste tipo de congelamento. No Nordeste, o Ceará está em destaque na aplicação da oncofertilidade. Na técnica de preservação de tecido ovariano, por exemplo, podemos dizer que o Ceará é o único que está desenvolvendo esta técnica.
Para finalizar, quais são os custos para preservar a fertilidade?
Primeiro é o custo da estimulação ovariana através de medicações. Elas são importadas e por isso são mais caras. Fora isso, tem o custo do procedimento da coleta do óvulo e do armazenamento. Incluindo medicação e procedimento, o custo é na faixa de R$10 a 12 mil. O congelamento de tecido ovariano não precisa da estimulação do ovário, mas tem a técnica cirúrgica. Nesses casos, a paciente pode ter um plano de saúde que cubra os custos da cirurgia. Mas ela terá que arcar com o custo do congelamento, que custa na faixa de R$ 6 a 8 mil.
Glossário
Videolaparoscopia: procedimento de endoscopia no qual se visualiza o órgão por meio de uma video-câmara podendo, também, nela realizar intervenção cirúrgica.
Vitrificação: técnica mais eficiente, rápida, segura e barata para guardar gametas e embriões humanos, em qualquer estágio de desenvolvimento.
Oncofertilidade: Consiste em uma subespecialidade que realiza a intersecção da medicina oncológica e reprodutiva para explorar as opções de preservação da fertilidade para pacientes que passarão por tratamentos oncológicos.

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