sábado, 1 de junho de 2013

Homofobia: Sair ou não do armário, eis a questão

Em entrevista à imprensa, a cantora Ana Carolina afirmou não gostar de
Em entrevista à imprensa, a cantora Ana Carolina afirmou não gostar de "levantar bandeira" por ser um "preconceito ao contrário"
Foto: Divulgação

Artigo de Miguel Rios - NE 10

Ana Carolina até que prestou um favor à bandeira que ela desdenha. Forçou a falar sobre o elefante na sala. A nada invisível, mas como se fosse, homofobia interna. Algo que repercute menos. Que, quando se dá de cara, se deixa meio que de lado, para resolver depois, como que coisa pouca. Que quando surge, nutre, como coisa muita, o lado adversário.

Trata-se de fogo amigo. Queima por dentro, golpeia pelas costas. Municia o lado contrário, dando o exemplo que os de lá tanto  buscam. “Taí um homossexual consciente. Fica na dele. Não se expõe ao ridículo”, “Não precisa entrar em guerra com os héteros”.

Tal aprovação agrada ao homofóbico interno,  o que se assumiu, mas prega a discrição extrema  como mandamento único. O que balança a bandeira oposta, a do conservadorismo, quando jura não segurar nenhuma.

Tudo o que ele mais quer: os lobos o acariciando, mesmo que de maneira superficial, como se fosse aceito. Engano. É apenas suportado. Como que por caridade, porque se submete ao lugar apontado e fica quieto no canto, esperando migalhas de afeto, em forma de sorrisos, de apertos de mão, até abraços, mas nunca um "suba, vamos dividir o degrau".

Ele agrada o máximo que pode. Saiu do armário, mas com todas as teias de aranha grudadas

Ele é o que se curvou e acha que está no mesmo tope. Ele é o que esperam que ele seja. Diz o que querem que diga. Pensa o que mandam que pense. Não somente pela estratégia covarde de obedecer à maioria governante, mas por ser bitolado. Desde cedo, aprendeu a ser adequado.
Aprendeu que não pode dar pinta pois homem anda e fala como homem, mulher anda e fala como mulher. Que família é pai, mãe e filhos de sangue. Que assuntos LGBTTs nunca se conversam em público. Se é para discutir que seja na chacota, no rancor. Ele cumpre de boa.

Quando vê algum rapaz rebolante, manda logo a lapada: “Que veado quaquá!” Quando vê transexuais, vem de pronto a cara de nojo. Quando se inicia a zombaria contra algum gay, ele ingressa, ri e, se brincar, é quem mais atiça. Quando vê alguma carícia entre iguais, diz logo que é exibição desnecessária. Quando começa algum papo sobre casamento igualitário, logo se cala, ressabiado.
Quando é incluído no assunto, assegura que acha exagero, que sabe se comportar, que não choca as pessoas.

Ele uiva com os lobos sem ser um. Ele agrada o máximo que pode. Saiu do armário, mas com todas as teias de aranha grudadas.

Rejeita palavras como bicha e sapa. Criadas para reduzir, para machucar, que, dependendo do contexto, ainda reduzem e machucam. Mas que se desengavetadas, desmanteladas, espremidas, postas ao sol, para que o sumo amargo e a inhaca discriminatória saiam, se pode remontá-las, renová-las e devolvê-las sem peso, como rebeldia, desconstrução da homofobia. Mas ele se recusa. Homem é homem. E só se tiver jeito de homem, ser chamado de homem, é que está certo. Mulher idem.

Nenhum problema se identificar com o masculino e o feminino se um caldo grosso de machismo não escorresse por trás da escolha. De que se um homem é comparado a uma mulher se trata de enorme humilhação, de que uma mulher não deve nunca ser masculinizada, pois desacata o homem.

Ele está intoxicado. Sem coragem ou consciência de abrir um talho para sugar e cuspir o veneno, ele tem a voz dos envenenadores. Escreve comentários de Facebook deste tipo: “Me pego como exemplo. Tenho mais amigos héteros do que gays e eles dizem que se todos os gays fossem igual a mim não haveria esse preconceito. E eu sou igual a muitos outros por aí, mas estamos escondidos porque os gayzistas colocam uma imagem ruim, que sobrepõe a nossa imagem aceitável pela sociedade”.

Está alinhado, se autocooptou. Fez-se meio capataz e, como sempre ocorre, permaneceu total capacho.

Ele é sem espírito para escapulir da engrenagem. Um dos muitos sem. Os que se acham os homos superiores por estarem nos conformes sociais. Os que se usam como bons exemplos de comportamento. Que se autopromovem. Que apontam os “disformes” e se agigantam: “Eu sigo as regras. Odeiem os gayzistas, os desmunhecados, as machonas, os travecos. Os desobedientes”.

Requer demasiada ousadia a eles se desprenderem da alcateia em que se incluíram, a qual se acostumaram, onde se sentem protegidos. Difícil conseguí-la.

Mais difícil ainda  quando são microscópicas as tentativas intramuros coloridos de combate a intolerâncias tão intestinas. Tão gástricas que confundem preconceitos refluxos com o direito de não se engajar, de manter neutralidade,  de distorcer e converter a militância em preconceito às avessas.

Tudo para viver o conforto ilusório de estar misturado aos opressores e não aos oprimidos.

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