sábado, 15 de junho de 2013

Ceará faz 'pacto' e reduz analfabetismo infantil


Do Valor Econômico


Por Luciano Máximo | De Fortaleza e Crateús (CE)
O mestre em avaliação e gestão educacional Márcio Pereira de Brito, de 31 anos, é o chefe da 13ª Coordenadoria Regional da Educação de Crateús, um braço da Secretaria Estadual de Educação do Ceará que não cuida das 35 escolas estaduais de uma área que compreende 11 municípios do sertão cearense. Embora seja servidor do Estado, o jovem gestor também sabe de tudo o que acontece nas mais de 350 escolas municipais da região.
Munido de informações sobre as características de cada unidade escolar, assiduidade e notas de alunos e resultados de avaliações, ele se reúne regularmente com secretários, técnicos e professores municipais para expor os dados, questionar desempenhos e refletir sobre os rumos do ensino nas cidades.
"Apresento os resultados sem filtros nem ranqueamentos e deixo que os gestores vejam o seu desempenho e o de seus pares. Minha ideia é criar um clima de corresponsabilização pela realidade da educação local", conta Brito. Trabalho parecido é feito em outras 20 coordenadorias regionais, que cobrem todo o Estado e dão corpo ao Programa Alfabetização na Idade Certa (Paic), política pública que colocou o Ceará em evidência no campo educacional brasileiro. É um misto de projeto de gestão administrativa e pedagógica, centrado num regime de colaboração entre governo estadual e prefeituras, o que é previsto na Constituição, mas seguido timidamente no país.
No pacto assinado por todas as 184 cidades cearenses, o objetivo é garantir que o estudante da rede municipal esteja alfabetizado no 2º ano do ensino fundamental, aos sete anos. Na prática, o governo estadual, que dispõe de recursos e técnicos capacitados, indica como os municípios - a maioria deles pobres e com estrutura limitada para desenvolver ações consistentes - devem conduzir suas políticas.
Além das unidades de apoio nas 20 regiões do Ceará, na sede da Secretaria Estadual de Educação, em Fortaleza, foi criado um departamento com 70 técnicos para tratar exclusivamente do ensino municipal, a Coordenadoria de Cooperação com os Municípios (Copem). Por determinação desse QG estadual, os municípios adotaram a cultura de acompanhamento e monitoramento de indicadores por escola, foram estimulados a estabelecer metas de desempenho de alunos e a rever uma porção de processos internos.
Dentro do Paic, as secretarias municipais de Educação também se comprometem a aplicar exames diagnósticos e testes sistemáticos para mensurar o aprendizado, o Sistema Permanente de Avaliação da Educação (Spaece) - todo conteúdo desses exercícios é elaborado por universidades contratadas pelo Estado. O governo estadual ainda custeia cursos regulares de gestão para secretários municipais e diretores de escolas e programas de formação de professores focados no currículo escolar sugerido pela secretaria estadual, que ainda compra e fornece gratuitamente aos municípios material didático e dá consultoria técnica para a elaboração de projetos para o fechamento de convênios com o Ministério da Educação (MEC). 
    
O programa de alfabetização ajudou a reverter o perverso quadro do analfabetismo escolarizado no Ceará. Antes do lançamento do programa, em 2007, diagnósticos da educação no Estado mostravam que mais de 80% das crianças das escolas públicas chegavam à metade do ensino fundamental sem saber ler e escrever adequadamente. Especialistas também atribuem ao Paic o avanço cearense acima da média do Nordeste e do país no Índice Nacional de Desenvolvimento da Educação (Ideb), que mede a qualidade do ensino brasileiro.
Na primeira avaliação sobre os efeitos do Paic, o indicador de proficiência de todos os alunos de 2º ano da rede pública do Ceará mostrou que, em 2007, 48% eram classificados como não alfabetizados ou com alfabetização incompleta e apenas 30% tinham alfabetização desejável. Hoje, os números são outros: menos de 10% dos alunos têm problemas de alfabetização, mais de 60% têm alfabetização desejável e de 20% a 30% estão na faixa de alfabetização intermediária ou suficiente. O governo federal copiou o modelo para o seu próprio programa de alfabetização, o Pnaic, que entrou em vigor neste ano com orçamento de R$ 3,3 bilhões, direcionado principalmente a cursos para professores e compra de livros didáticos.
A titular da área responsável pela cooperação com os municípios da Secretaria de Educação, Lucidalva Pereira Bacelar, explica que o regime de colaboração não interfere na autonomia que cada prefeitura tem para desenhar suas próprias políticas públicas. "O Paic é uma ferramenta de gestão que respeita a independência dos entes federados, todas as ações são executadas em comum acordo. Se um professor não quiser usar as apostilas do programa, ele tem total liberdade para se basear em outras fontes."
O Paic ainda é complementado por um fator crucial para a vida de um município nordestino: estímulos financeiros. Sozinho, o programa tem um orçamento superior a R$ 60 milhões que, direta ou indiretamente, acaba na ponta da educação nas cidades. O governo estadual também baixou uma lei que aumenta o repasse da cota das prefeituras da receita do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) conforme o desempenho educacional.
Escolas municipais também entram na roda da meritocracia. Conforme outra lei estadual, todos os anos as 300 melhores unidades - de um universo de mais de 7 mil - nos indicadores propostos pelo Estado recebem de R$ 2 mil a R$ 2,5 mil por aluno de 2º e 5º anos do ensino fundamental. As 300 piores são contempladas com R$ 1 mil por aluno dessas séries.
Para Rui Aguiar, especialista da Plataforma Semiárido do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a combinação de assistência técnica, incentivos fiscais e meritocracia são elementos de uma política pública moderna. Já o professor Idevaldo Bodião, ex-secretário municipal de Educação de Fortaleza, é crítico do modelo educacional cearense. "Não é articulação, é adesão. Os municípios, excluídas as exceções, têm pouca margem para melhorar a educação, então se rendem a um projeto de educação excessivamente baseado em testes", opina.
Valor ouviu mais de uma dezena de gestores municipais cearenses e apurou que a aceitação do Paic é unânime. Também é unânime a cobrança pela extensão do programa aos anos finais do ensino fundamental e pela inclusão de investimentos em infraestrutura.

Com 'quase 100%' de estudantes do Bolsa 


Família, colégio tem baixo desempenho

Por De Crateús e Tamboril (CE)
Eduardo Zappia/Valor / Eduardo Zappia/Valor
A garota Manoela folheia livro em biblioteca instalada no banheiro da Escola Municipal José Mendes de Almeida, em Tamboril
Diretora, professores e funcionários da Escola Municipal Olavo Bilac, em Crateús, "fazem o que podem" para, dia a dia, garantir um bom aprendizado aos 625 alunos de ensino fundamental. Os mesmos profissionais admitem, contudo, que o objetivo nem sempre é alcançado. A lista de obstáculos é extensa: pouco apoio da prefeitura, espaço inadequado para atividades pedagógicas e recreativas, indisciplina, pobreza dos estudantes, desinteresse dos pais, falta de pessoal, inclusive de psicólogo.
A Olavo Bilac é uma escola tradicional, fica na principal avenida de Crateús, uma das cidades do Semiárido cearense mais afetadas pela seca, a 350 km de Fortaleza. O município, de 72 mil habitantes, é polo comercial do Sertão dos Inhamuns, região que abrange 15 outros municípios e uma população de mais de 500 mil habitantes.
Valor passou uma tarde no colégio e a impressão que fica é a de um local confuso. Vaivém de alunos e adolescentes não matriculados em horário de aula, discussões na hora da merenda, docentes desmotivados. A "atividade" de tempo integral da escola, paga com recursos federais do Mais Educação, é outro exemplo de caos: dois grupos fazem reforço de português e matemática, outro tem aula de violão e o quarto assiste a "O Auto da Compadecida", de Guel Arraes, sem a presença de um monitor. Tudo isso acontece simultaneamente no mesmo galpão, do tamanho de duas classes.
"Todo ano pedimos reforma e a contratação de mais pessoal, mas não somos atendidos pela prefeitura", reclama a diretora Maria Iracema Matos. O prefeito de Crateús, Carlos Felipe Saraiva (PCdoB), leva as críticas para o lado partidário. "A mulher é opositora radical do PSOL, não merece consideração."
Problemas políticos à parte, professores lembram que "quase 100%" dos alunos são beneficiários do Bolsa Família. Aí está a explicação para o baixo desempenho da escola nos indicadores educacionais, abaixo da média cearense, pondera Zaira Michele, docente de 32 anos. "Eles vêm sem nenhuma perspectiva, têm problemas familiares que deveriam ter acompanhamento especializado, de um psicólogo ou psicopedagogo."
A 60 km de Crateús, na vizinha Tamboril, no povoado de Poços, onde vivem 45 famílias, professores da Escola Municipal Rural José Mendes de Almeida não acreditam que a situação econômica dos alunos interfira no aprendizado. "Os pais aqui do assentamento são pobres e têm pouco estudo, mas isso não impede que eles incentivem seus filhos a fazer os deveres", diz a professora Claudiana da Luz, de 25 anos.
Para ela e suas colegas, o que mais atrapalha a aprendizagem é "uma escola descuidada". A pequena unidade, com menos de cem alunos em classes multisseriadas, está esquecida: paredes sujas, mobiliário danificado e, difícil de acreditar, uma biblioteca instalada dentro do banheiro - os dois em funcionamento. (LM)

Leia mais em:
http://www.valor.com.br/brasil/3156474/com-quase-100-de-estudantes-do-bolsa-familia-colegio-tem-baixo-desempenho#ixzz2WHl7j45h


Em Sobral, melhor escola cearense paga bônus 


de R$ 5 mil a professoras:

Por De Sobral (CE)
Eduardo Zappia/Valor / Eduardo Zappia/Valor
Obcecado pelos bons números da escola, o diretor Estalber Vieira manda até funcionário buscar alunos ausentes de moto
Os quadros de aviso nas paredes da Escola Municipal Raimundo Pimentel Gomes, na periferia de Sobral, cidade do Semiárido cearense, estão tomados por planilhas com notas de alunos, controle de frequência, gráficos de várias cores demonstrando a evolução dos resultados do colégio nas avaliações internas e externas e até os gastos com eletricidade, água, telefone.
O diretor Estalber Amarante Vieira é obcecado por essa numeralha. Ela mostra, resumidamente, que a escola é a melhor do Ceará e está entre as 15 melhores do país, com 8 no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) 2011, dois pontos a mais do que a meta projetada para 2021.
O diretor conta que o sucesso da escola, com 1,6 mil alunos da creche ao 5º ano, foi construído rapidamente, graças às ferramentas de gestão do Programa Alfabetização na Idade Certa (Paic). "Quando cheguei em 2009, a escola estava desacreditada. Professores sem comprometimento, alunos passando de ano sem saber e faltando muito, pais e mães distantes da realidade escolar. Isso nos deixava com o Ideb lá embaixo", lembra Vieira. Há quatro anos, a proficiência em português dos alunos de 5º ano na Prova Brasil, teste que compõe o Ideb junto com frequência escolar, era de 193,6 pontos, numa escala em que 200 é considerado nível básico. Na avaliação mais recente, de 2011, a nota foi 245,8.
"Não tem segredo, adotamos profundamente as regras do Paic: provas para diagnosticar os problemas e trabalho pedagógico em cima do que encontramos. Se as avaliações mostram que o aluno não evolui em matemática, a gente monta reforço e ele fica depois da aula; se o aluno está faltando muito, eu vou um dia na hora do almoço, ou à noite, na casa dele, sento e converso com os pais para saber qual é o problema", diz Vieira, que procura até se antecipar às ausências. "Se o aluno não estiver na sala antes de começar a aula, a gente manda um funcionário buscá-lo de moto."
E a obsessão de Vieira pelo bom desempenho dos alunos se estende a seus gestores e professores. "Aqui é igual a qualquer escola de periferia do Brasil. Temos problema de infraestrutura, de violência, de drogas, de famílias vulneráveis, pobres. O professor tem que ter comprometimento e ter certinho em mente o que vai ensinar durante o ano letivo. O bom aprendizado vem daí", diz o diretor.
Mas não é só o discurso que motiva os professores da Raimundo Pimentel Gomes. Por ter sido a melhor escola do Ceará no Paic, a unidade receberá R$ 400 mil do governo estadual. Além de reformar a escola e comprar equipamentos de informática, Vieira separou 20% para distribuir em bônus aos funcionários. Ele próprio vai embolsar R$ 3 mil e duas professoras que se destacaram terão R$ 5 mil cada. "É um reconhecimento pelo nosso suor. Vou usar o dinheiro para viajar com a família", comemora Gleiciane Sales, uma das professoras escolhidas pelo diretor. (LM)


Leia mais em:
http://www.valor.com.br/brasil/3156476/em-sobral-melhor-escola-cearense-paga-bonus-de-r-5-mil-professoras#ixzz2WHlOO1Pf



Esta é a primeira reportagem da série sobre educação no Semiárido
O repórter viajou a convite do projeto Mídia e Controle Social (Andi/Unicef)

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