sábado, 8 de junho de 2013

Política de Desenvolvimento Urbano pautada em remoções é tema de matéria da Revista Radis





"A procuradora municipal e ativista ligada ao grupo Direitos Urbanos Noélia Brito observa que o tratamento dado às remoções de comunidades não é o mesmo recebido pelas construções irregulares.'Por que não há essa mesma ação enérgica contra construtoras que infringem a lei?', questiona."


A localização privilegiada da comunidade do Coque fez dessa área um alvo do interesse imobiliário — e uma vítima de suas consequências. Próxima ao polo médico da cidade e cortada por uma artéria importante, com acesso a linhas de ônibus e metrô, a área, cuja paisagem já foi pontuada de casas sobre palafitas, não é mais o reduto da violência pela qual era conhecida. O estigma, no entanto, se mantém. “Esse tempo passou. Fico procurando essa violência e não encontro”, diz o líder comunitárioRildo Fernandes, para quem a associação da comunidade à violência é uma estratégia para justificar a remoção da comunidade. “Quando dizem que vão combater a criminalidade, estão discriminando e desvalorizando o lugar”, entende ele, coordenador geral do Ponto de Cultura Espaço Livre do Coque.

Em 1987, parte do Coque tornou-se Zona Especial de Interesse Social (Zeis) protegida pelo Plano de Regularização dessas zonas (Prezeis), sendo, assim, destinada à moradia. Os moradores, no entanto, não têm documentos que comprovem a posse dos terrenos, como explica Rildo, preocupado com o impacto gerado pelo Projeto Novo Recife, que prevê a construção de um complexo de doze torres na área.

Em novembro de 2012, a prefeitura cedeu um terreno do Coque para construção do prédio da seção Pernambuco da Ordem dos Advogados do Brasil, cuja legalidade está sendo questionada na Justiça.“Por meio do orçamento participativo, a gente tinha aprovado uma policlínica, um centro cultural e profissionalizante nesse lugar, mas nada foi feito”, conta Rildo. Na área do Coque deve se instalar também o futuro Pólo Jurídico do Recife, com edifícios que vão se impor na paisagem e na vida de seus moradores.


Expulsão branca

Essas transformações deverão promover uma expulsão branca: viver ali ficará mais caro. Rildo duvida de possíveis contrapartidas à população prometidas pelo Poder Judiciário, que quer ocupar o local.“Quem garante que isso vai acontecer mesmo?”, questiona. “Queremos ficar. Não precisamos de ruas alargadas. Não somos marginais, mas marginalizados”, diz Ricardo Jorge, que pede mais equipamentos comunitários. Segundo ele, o título de propriedade propiciaria “igualdade de condições” até na hora da venda.

Desapropriada, a casa de dois pisos independentes do pedreiro Reginaldo José da Silva foi avaliada em R$ 64 mil. “Esperava entre R$ 45 mil a 50 mil em cada andar”, diz, desolado. “Com esse dinheiro, onde vou comprar um imóvel equivalente?”.

A procuradora municipal e ativista ligada ao grupo Direitos Urbanos Noélia Brito observa que o tratamento dado às remoções de comunidades não é o mesmo recebido pelas construções irregulares.“Por que não há essa mesma ação enérgica contra construtoras que infringem a lei?”, questiona. “O planejamento das cidades sempre foi definido pelo capital imobiliário associado ao financeiro”, analisa a arquiteta Circe Monteiro, coordenadora Laboratório de Investigações da Cidade (Lattice), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Ela morou um ano no Coque para fazer sua pesquisa de mestrado, na década de 70. “Os padrões urbanísticos e comunitários oferecidos não atendem à forma de vida dessas populações e de seus hábitos de moradia. Os projetos para os pobres são de grande pobreza conceitual e de espaço”, considera.


Fontes de sofrimento

Segundo Circe, há em curso processo de expulsão. “As comunidades são retiradas em função de projetos”, aponta. A grande consequência da remoção, observa a pesquisadora, é a desestruturação da vida social e da estrutura psicológica das populações forçadas a ir para lugares ainda mais densos. “A favela é muito ruim, mas a vida também é muito boa”, analisa. “Tem uma dinâmica muito própria e que envolve uma estratégia de sobrevivência, porque implica muitas redes de solidariedade”.
O pesquisador Paulo Sabroza explica que a perda do território e de relações sociais são problemas sérios. “Desterritorialização e anomia são fontes de sofrimento agudo e se manifestam por meio de vários tipos de doença”, observa.


Quadro de depressão

edinei alcantaraA análise coincide com a da arquiteta Edinéia Alcântara, da UFPE, que examinou a saúde de moradores removidos de áreas de palafitas para conjuntos habitacionais, em sua tese de doutorado. “Um ano depois da remoção uma moradora não conseguia sair de casa. Ela disse que preferia voltar para os ratos e as baratas que não faziam mal a ninguém”, conta.“Observei um quadro de depressão, doença que os moradores não sabem que têm. Eles relatam tristeza, isolamento social. Nos conjuntos habitacionais, não há lazer. E quando tem, não se pergunta como eles querem essa área”, diz ela.
Se não houver adaptação nos dois primeiros anos, Circe diz que é grande a chance de os moradores voltarem à condição anterior. Segundo Edinéia, projetos gerenciados pelos moradores e permeados pelo debate mostram-se mais bem sucedidos. Além disso, cita, é importante misturar origens sociais distintas, por exemplo. “Ao misturar, você integra, diversifica. Quando separa, fica o gueto”.
jan bitounO professor da pós-graduação em Geografia da UFPE Jan Bitoun, diz que, apesar de resistências localizadas, saiu da pauta a ideia de gerar melhorias em áreas de favelas. “Predomina a construção de novos empreendimentos imobiliários em programas federais destinados aos pobres ou grandes empreendimentos destinados às classes média e alta”. Ao mesmo tempo, observa, os mais pobres estão preocupados em saber como se inserir em programas federais e não discutem mais um modelo de cidade.

Lei a reportagem completa no site da Revista:



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