sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

A história como ela é


QUEM MORREU NAS MANIFESTAÇÕES


By Anna Mascarenhas 


Momento em que o cinegrafista Santiago foi atingido por estilhaços de um objeto não identificado. Foto via.
O cinegrafista Santiago Andrade, da rede Bandeirantes, morreu na manhã do dia 10 de fevereiro, vítima de um rojão atirado por um manifestante durante os protestos no Rio de Janeiro do dia 6. Ele, no entanto, não foi o primeiro a morrer em decorrência das Jornadas de Junho, a onda protestos que acontece por aqui desde 2013.
Quando você acordou na segunda-feira (10) e entrou na internet antes de tomar café — ou pegou seu jornal em frente à sua porta — para se atualizar das últimas notícias, deve ter notado a euforia diante do terrível incidente que caracterizou a manifestação carioca do último sábado. O cinegrafista Santiago Ilídio Andrade, de 49 anos, da TV Bandeirantes, foi atingido por um rojão, desses que, comumente, se aponta para o céu em celebrações ao ano novo, enquanto trabalhava cobrindo os protestos. O que por muitos foi considerada a primeira morte nas manifestações desde que a prática se tornou popular no ano passado, em meados de junho, logo se transformou em pauta para redes e círculos sociais. Enquanto denúncias de que o rojão — ou seja qual for o artefato que atingiu o jornalista — teria sido disparado pela polícia ou por algum P2, as autoridades consideraram que a culpa era dos black blocs e se prontificaram a encontrar o culpado pelo óbito do cinegrafista, que teve morte cerebral constatada no Hospital Souza Aguiar no dia 10. Hoje, um suspeito foi preso próximo à cidade de Salvador, apontado por uma testemunha como o culpado pelo disparo contra o cinegrafista numa história que fica cada vez mais estranha
Giuliana Vallone em entrevista à TV Folha sobre o tiro que quase a deixou cega. Via.
A violência contra jornalistas e outros profissionais que atuavam na cobertura dos acontecimentos marcou as manifestações desde os primeiros conflitos entre a população e a polícia militar. Esselevantamento da Abraji é bem impressionante. Registrando as irregularidades e abusos de poder por parte da PM, modo operacional padrão na contenção dos atos, as câmeras e as perguntas feitas pelos profissionais irritavam os fardados o suficiente para que nenhuma munição fosse poupada. Você provavelmente se lembra da jornalista da TV Folha que teve o olho atingido por uma bala de borracha e do fotógrafo que perdeu a visão de um olho pelo mesmo problema. Além das balas de borracha, bombas de efeito moral eram arremessadas na direção dos profissionais, que protestavam em vão e que estavam apenas trabalhando, o que fica evidente neste vídeo. Até golpes de cassetete foram distribuídos sem parcimônia, como no caso do fotógrafo Yasuyoshi Chiba, da Agência France-Presse, que foi atingido na cabeça pelas costas enquanto fotografava alguns policiais arrastando um manifestante que havia caído no chão durante o confronto.
A família de Amarildo em uma das fotos mais compartilhadas da campanha nas redes sociais. Foto via.
Casos de abuso de autoridade e violência policial passaram a ser duramente criticados pela mídia que, até então, taxava os manifestantes de vândalos e justificava a ação truculenta da polícia. Um caso na favela da Rocinha, na mesma época, tornou-se um símbolo contra o modo operacional da polícia militar. Entre os dias 13 e 14 de julho, Amarildo Dias de Souza voltava de uma pescaria quando, confundido com um traficante da região, foi arrastado da porta de sua casa para nunca mais retornar. Seu paradeiro é desconhecido até hoje e diversas coincidências — os GPSs das viaturas estavam desligados e as câmeras da Unidade Pacificadora da Polícia estavam com defeito naquele dia — tornam a conclusão do caso praticamente impossível. O caso se tornou mundialmente conhecido depois que a campanha “Onde Está o Amarildo?” foi compartilhada nas redes sociais.
Mas o Santiago não foi a primeira vítima fatal das manifestações. Foi uma das primeiras a receber extrema visibilidade na mídia, que protestou indignada sobre o ocorrido e incentivou resoluções para o caso. Algumas alternativas são bem assustadoras
Fernando da Silva Cândido gravou vídeo criticando a ação da PM e Sérgio Cabral enquanto estava internado. Foto via.
Cleonice Vieira de Moraes, de 51 anos, estava trabalhando como gari na Praça Dom Pedro II, próxima ao Palácio Antônio Lemos, em Belém, quando o conflito entre manifestantes e policiais estourou durante o protesto do dia 20 de junho de 2013 que pedia a diminuição da tarifa dos ônibus e passe-livre para os estudantes. Fugindo da confusão, Cleonice entrou num bondinho que passava e um policial atirou uma bomba de efeito moral dentro do veículo, fazendo-a desmaiar. A mulher foi levada ao hospital inconsciente, onde morreu, horas depois, vítima de um infarto fulminante causado pela tensão. No mesmo dia, o ator Fernando da Silva Cândido participou de uma manifestação no Rio de Janeiro, em que alguns manifestantes tentaram invadir a sede da Prefeitura. A PM usou balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo para contê-los. Cinco dias depois, Fernando, que afirma neste vídeo ter inalado o gás, começou a ter problemas respiratórios e foi internado no Hospital Israelita Albert Sabin. No dia 31, o ator morreu devido a uma infecção pulmonar grave.
Durante as manifestações contra a Copa das Confederações, no dia 22 de junho do ano passado, em Belo Horizonte, alguns jovens caíram do Viaduto José de Alencar. Douglas Henrique de Oliveira Souza tentou pular a mureta entre as pistas para fugir das investidas truculentas da polícia contra os manifestantes, sem perceber que havia um buraco que as dividia. O jovem ficou internado por cinco dias antes de falecer. Já Luiz Felipe Aniceto de Almeida, 22 anos, morreu no dia 12 de julho, depois de 19 dias internado no Hospital São João XXIII. Um vídeo retrata o momento exato da queda de Douglas do Viaduto
No dia 24 de junho, a favela Nova Holanda, no Rio de Janeiro, foi tomada por policiais militares do Bope e do Batalhão de Choque, entre outros, que executaram uma operação durante a noite após uma manifestação popular pacífica em Bonsucesso. Os moradores acusaram a PM de promover diversas violações de direitos e 13 pessoas foram mortas durante a operação. As vítimas não foram identificadas pela mídia, na época do ocorrido, e alguns veículos chegaram a informar um número desatualizado de mortos e feridos. Um sargento do Bope também morreu durante a operação, como descreve a matéria do G1
Manifestantes cobrem com cartazes o local do acidente de Marcos Delefrate e outras três pessoas, atropeladas por motorista que tentava atravessar a manifestação em Ribeirão Preto, SP. Foto via.
O empresário Alexsandro Ishisato de Azevedo, 37 anos, dirigia seu Land Rover quando encontrou a manifestação contra o aumento da passagem de ônibus bloqueando a Avenida João Fiúsa, em Ribeirão Preto, cidade próxima de São Paulo. Impaciente, ele ameaçou avançar com o carro algumas vezes contra os manifestantes, que distribuíram xingamentos e, de acordo com a polícia, socos contra o carro. Azevedo então avançou com o carro na avenida, atropelando quatro manifestantes e fugiu sem prestar ajuda. O estudante Marcos Delefrate, de 18 anos, morreu no local e José Felipe Braga, 19, foi encaminhado em estado grave à Unidade Básica Distrital de Saúde. As outras duas manifestantes, Pabline Luana Lalluci, 21, e Nicole Rogéria Moreira, 19, sofreram fraturas mais leves e foram encaminhadas a outros prontos-socorros. Um vídeo gravado por outros manifestantes registrou todo o incidente.
Jovem que dirigia a bicicleta que foi arrastada pelo caminhão com Igor Oliveira da Silva. (Reprodução TV Tribuna.)
No dia 24 de junho de 2013, em Cristalina, próximo ao DF, duas mulheres morreram atropeladas enquanto empilhavam pneus para bloquear a rodovia BR-251. Valdinete Rodrigues Pereira, 40 anos, e Maria Aparecida, 50, estavam com outras 400 pessoas protestando na rodovia pela legalização de lotes do bairro de Marajó quando o motorista de um Gol atropelou as duas, fugindo em seguida. Elas morreram imediatamente no local. O mesmo aconteceu dois dias depois com Igor Oliveira da Silva, 16, que estava sentado no carona da bicicleta de um amigo. Ele e mais dois garotos estavam numa ciclovia do Guarujá, litoral sul de São Paulo, quando um caminhão que fugia das manifestações na rodovia Cônego Domênico Rangoni os atropelou. O local era impróprio para a passagem de caminhões e o veículo arrastou os garotos pela estrada.
Voltando para 2014, tivemos a primeira manifestação paulista do ano contra a Copa do Mundo no dia 25 de janeiro. Fabricio Chaves, 22, foi abordado por policiais militares quando voltava para a casa e correu em direção à Rua Sabará, em Higienópolis, quando levou dois tiros na região do braço e dos testículos. O caso permanece em aberto e Fabricio segue hospitalizado, acusado de estar carregando uma bomba caseira na mochila e de ter tentando ferir os policias com um canivete. Por mais que Fabricio não figure, felizmente, entre as vítimas fatais das manifestações, seu caso assusta pela aparente falta de noção e ética dos policiais que o abordaram
Tasnan foi levado inconsciente para o Hospital Souza Aguiar, no Rio de Janeiro, depois de ser atropelado por um ônibus da Central. Foto via.
A última vítima da qual se tem notícia é um senhor de 65 anos chamado Tasnan Accioly. O curioso é que Tasnan estava na mesma manifestação em que Santiago, o cinegrafista, foi atingido pelo rojão. Ele fugia das bombas de efeito moral arremessadas pela polícia quando foi atingido por um ônibus. Ele estava trabalhando como vendedor ambulante no local e, por conta da confusão, o motorista não conseguiu desviar a tempo. Tasnan morreu na mesa de cirurgia do Hospital Souza Aguiar, mas sua morte nada tem a ver com as manifestações – isso de acordo com a Secretaria de Saúde. Para eles, por mais que Tasnan estivesse correndo das bombas, não existem evidencias suficientes que liguem os fatos. Por esse motivo, a mídia preferiu não repercutir o caso, dando atenção prioritária ao acidente de Santiago. O blog Ditadura RJ divulgou um vídeoregistrando instantes após o acidente. (Vice Brasil)

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